Receita para uma tempestade escrita por Bruna Pereira


Capítulo 9
Capítulo VIII - Mercado de Escravos


Notas iniciais do capítulo

A partir deste capítulo tem coisas novas na história, a parte que eu não tinha escrito dois anos atrás.



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Marguerite ainda se contorcia e tentava se soltar quando Górki se aproximou de novo.

– Tome. Coma - e colocou diante dela um pano encardido com duas frutas e um pedaço de carne seca muito salgada. – Pode querer isso também. – e atirou-lhe um odre com água.

Marguerite não comia desde a tarde anterior, desde bem antes da briga com Verônica. Realmente estava faminta, mas sustentou a pose altiva que lhe era característica.

– E como farei isso se continuo com as mãos amarradas? Ande, solte-me seu estúpido. – ordenou encarando-o.

– Sua insolência ainda será sua perdição, garota. Devia fazê-la jantar a própria língua. – irado o homem sacou uma faca afiada, Marguerite tremeu por dentro, pensando se ele seria mesmo capaz de fazer isso, mas continuou impassível.

– Por que não faz? De todo jeito, eu vou continuar te insultando e amaldiçoando em pensamento – Provocou, nem mesmo a noção do perigo conseguia calar sua boca.

– Por que seu futuro dono pode precisar dela pra lamber suas botas, e pra outras coisinhas mais. – respondeu encostando a faca em sua bochecha, ela apertou os olhos e torceu o nariz, assim, não viu quando Górki cortou as cordas que atavam suas mãos.

Marguerite abriu os olhos, mas seu cenho continuava franzido e olhava-o com raiva enquanto acariciava os pulsos. É bela e selvagem, talvez fique com ela pra mim, pensou o homem que permanecia ali, esperando que terminasse para prendê-la novamente, tem olhos de pedra brilhante. A fome a fez esquecer os modos, a morena comeu avidamente, terminando em poucos minutos, mas enquanto seus dentes perfeitos arrancavam com certa graça a poupa da fruta, apesar da violência e da ansiedade, procurou não deixar a conversa morrer para abstrair o máximo de informações que pudesse arrancar daquela vil criatura.

– E quanto a eles?- indicou com a cabeça os guerreiros zangas presos na jaula da carroça. – Não vi ninguém lhes levar comida nem água.

– Eles não precisam comer. Serão mais fáceis de lidar, ficarão menos rebeldes, se estiverem fracos e famintos e pararão de tentar fugir. – disse olhando-os como se fossem porcos. – tentativas de fuga me aborrecem sabe? – voltou-se para ela e continuou como se estivesse lhe dando um aviso – Não vai querer me ver aborrecido branquinha.

– Mas dessa forma vai matá-los. Pensei que fosse um homem esperto, um homem de negócios, e homens de negócios devem zelar por sua mercadoria. O que acontece se voltar de mãos abanando porque foi... Negligente – destacou a última palavra pronunciando-a lentamente com o tom mais suave que conseguiu emitir depois de arrebitar o nariz e elevar as sobrancelhas cinicamente.

O homem deu um tapa doloroso em sua mão, fazendo-a a largar a fruta que se perdeu no escuro.

– É a segunda vez que me toma por um idiota, não tolerarei a terceira. Se eu tiver que sacrificar os mais fracos para que no final a superioridade de alguns se encarregue de selecionar os mais fortes, eu o farei, e assim, nenhum comprador vai dizer que a minha mercadoria não é a melhor. – Górki a agarrou pelos pulsos novamente e prendeu-lhe as mãos outra vez.

– ESPERE – gritou a morena – Eu ainda não bebi a água.
O homem pegou o odre e apertou o queixo de Marguerite, forçando-a a abrir a boca, depois a fez engolir metade do líquido do recipiente, só parou quando ela engasgou.

– Alguém precisa domar você. - depois virou-lhe as contas.

– Desgraçado. – Disse Marguerite pra si mesma, mas em tom audível. Górki a ouviu e começou a voltar. Marguerite arregalou os olhos, agora estava perdida.

O líder dos mercenários assoviou e um comparsa se juntou a ele.

– O que vai fazer? – perguntou tentando disfarçar o desespero sem muito sucesso.

– Ajude-me a amarrá-la na árvore, essa noite ela dorme em pé.

– Seu maldito, infeliz, desg..... – Górki a silenciou com a própria boca, e quando se separou dos lábios travados e contraídos de Marguerite, ela lhe cuspiu na cara. Furioso, pegou o trapo sujo onde tinha trazido comida e o usou para amordaçá-la.

– Vai me pagar por isso. – e deu dois tapinhas de leve na face esquerda da moça. É uma promessa. – depois deixou seu comparsa a amarrá-la na árvore.

Foi mais uma noite terrível e mal dormida para a coleção de Marguerite. A corda estava tão apertada que ela mal conseguia respirar, era impossível se mexer e as pernas doíam como se ela tivesse acabado de atravessar o deserto do Kalahari correndo de uma tempestade de areia. O que era para ser uma função involuntária do seu organismo passou a precisar de uma ordem direta de seu cérebro: inspire, expire, inspire, expire... Seguiu nessa vital tarefa pela noite adentro. Estava completamente tonta pelo cansaço e pela dificuldade de obter oxigênio, seu estômago também não tinha ficado satisfeito com o jantar insuficiente. Esse maldito sabe mesmo como tirar as forças de alguém. Aproveitou para avaliar sua situação: sabia que estava indo para um mercado de escravos e que estava a maios ou menos dois dias de distância da aldeia Zangá. Não conseguiu pensar em mais nada, tamanho seu desgaste físico e mental. Se dormiu ou desmaiou, nem ela mesma soube responder na manhã seguinte.

A corja de Górki levantou cedo o acampamento para seguirem viagem. Marguerite estava novamente montada no cavalo do líder, cobiçando o “pingente” dourado em seu pescoço. Ele parecia achar melhor mantê-la por perto, pensando que se ela fosse colocada com as outras mulheres poderia conseguir fugir, embora soubesse e que ela não tinha a menor condição de correr.

Por volta do meio dia, o bando chegou a uma planície lotada de barracas, cercados, carroças e pavilhões. Marguerite e os amigos já tinham passado por ali várias vezes em encrencas anteriores, agora ela presumia que o terreno tinha sido eleito para sediar a convenção dos idiotas. Ali viu coisas horríveis, o cúmulo da humilhação e da miséria humana: pessoas imundas e famintas presas como animais, sendo avaliadas como mercadorias ou açoitadas por tentarem recuperar sua liberdade. Pelos trapos que vestiam pode perceber que os prisioneiros vinham de diferentes partes e tribos do platô. Quem será que começou tudo isso? Marguerite já tinha lido muito sobre a escravidão antiga e moderna, era algo verdadeiramente abjeto, mas ali, no platô, e em larga escala, isso era novidade.

Assim que olhou pra tudo aquilo começou a arquitetar seu plano. Analisou as pessoas, as tendas e rapidamente conseguiu ver as possibilidades. Aquele era um lugar dominado por homens, e como ela bem sabia, os homens eram facilmente dominados pelas mulheres, principalmente pelas bonitas e inteligentes. Marguerite era as duas coisas. Ela tinha muitos talentos também, um dos mais úteis era a habilidade de enxergar os desejos mais profundos das pessoas, e de tentá-las com eles como a própria serpente do paraíso. Só precisava escolher um alvo. Qual seria? O mais vulnerável ou o mais poderoso?

Posso brincar com os dois, concluiu, esse é um jogo que eu sei jogar.


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Notas finais do capítulo

Como eu disse, daqui pra frente tudo será novidade.



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