Pale (interativa) escrita por Harpia


Capítulo 9
Lurking


Notas iniciais do capítulo

Estão presentes nesse capítulo: Max, Natasha, Evanecer, Greta, Sydney e Jean.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/497404/chapter/9

Encostado às câmaras mortuárias, Max analisava quietamente as duas vítimas nas macas de metal. O homem, um empresário bem sucedido e com uma extraordinária trajetória familiar na política, com um ferimento de bala no peito e a moça, uma secretária cujos sonhos de subir de cargo chegaram ao fim, com o pescoço completamente destroçado. Não havia explicação para tanta brutalidade contra aquelas pessoas ou histórico de adversidades; alguém que queria prejudicá-las.

A sala da morgue estava vazia depois que a perícia dos corpos terminou, o legista fora buscá-lo um café forte e Natasha estava no escritório, imprimindo uma papelada necessária para a polícia - óbvio que era complicado para ela, como uma vampira, estar no meio do cheiro de sangue exalado durante a autópsia. Ali ao lado dos cadáveres, Max se questionava sobre a morte e se todas as experiências que vivera até ali seriam resumidas àquele estado mórbido e permanente, se acabariam em um velório e se toda sua jornada não faria a mínima diferença. Tantas pessoas morriam, por que ele seria especial? Não se conformava com a forma com que os humanos morriam e as coisas cessavam de existir.

Quando o legista - um rapaz esguio, de cabelos cacheados e um nariz grande - voltou com o café quente em um copo descartável, ele agradeceu pelo favor e tomou um gole, seguindo-o até a mesa das análises microscópias.

– Há digitais no pescoço da secretária que detectei pelo teste de DNA - informou, entregando-o uma cópia das fotos das digitais. Elas estavam dispostas de forma desordenada.

– Vou enviar uma cópia dessas fotos e ver o que a polícia pode fazer - Max assentiu animado e disse com fé. - Acho que estamos perto de encontrar um dos assassinos!

O balcão estava coberto com aparelhos e materiais químicos úteis para aprofundar a investigação das digitais deixadas.

– Foi um tiro certeiro, vindo de um profissional. Perfurou o coração, sem chances de sobrevivência com sequelas - o legista continuou.

– Vamos encontrar os culpados! - Max garantiu entre dentes.

Determinado e internamente angustiado, Max nasceu em Uccle, um dos distritos menos relevantes de Bruxelas na Bélgica. Teve a infância mais monótona possível, não saía de casa, exceto para ir a escola pública, foi considerado o melhor aluno que a escola já teve devido as notas excelentes e frequência quase impecável. Tinha uma boa relação com os colegas de classe. Em casa, se sentia rejeitado pelo pai que com certeza preferia seu irmão mais velho, o eletricista. A relação com sua mãe era conturbada, seria ótima se não fosse o constante desequilíbrio emocional e os fantasmas que rondavam a cabeça da mulher de 42 anos, mas eles na medida do possível se entendiam e na melhor das situações riam tagarelando até tarde falando sobre o resto de sua família.

– Ainda bem que foi uma morte instantânea.

– E sem muita sujeira, só respingos.

– A pólvora revelou que a bala saiu de um revólver de porte pequeno - o legista abriu a gaveta e o entregou a bala dentro de um pequeno saco plástico.

Observando o número inserido na bala, comentou com raiva. - Pensei que os seguranças do hotel revistassem os visitantes ou tivessem pelo menos um detector de metais. Repugnante.

– Isso é o que definimos como "irresponsabilidade". Uma puta falha na segurança, pode acarretar um processo do caralho se for publicado na mídia.

Max bocejou e jogou o copo plástico na lixeira.

Aos 12 anos, Max começou a ter sérios conflitos internos, se sentia irrelevante, queria aprender um instrumento, conhecer a vizinha Holanda e quem sabe, Luxemburgo, aprender uma nova língua e ir para uma escola boa o suficiente para não o considerar um bom aluno, pois se sentia ignorante, e de fato era, tudo que aprendera até então foi a decorar e repetir. No entanto nada disso era possível, não por falta de dinheiro, por falta de ânimo coletivo, toda aquela vizinhança onde morava parecia inerte e quem ali se encontrava parecia estar fadado a um destino imóvel, todas as vontades pessoais eram engolidas pelas aparências, uma fachada mórbida. Talvez por isso as mortes por lá comoviam tanto ele, pois eram único fator capaz de causar alguma mudança, já que os nascimentos não tinham o mesmo efeito. Dane-se quem nascia, o importante era quem morria. Parecia um pensamento muito ruim para uma criança.

Interrompendo seus devaneios, seu amigo de cabelos cacheados apontou. - Você parece cansado. Por que ainda não foi embora?

– Tenho que esperar a Natasha, estou sem carro - respondeu sem rodeios.

Por coincidência, entrando na sala do necrotério, Natasha se juntou à dupla. Um pouco incomodada com o odor do ambiente, se esforçou para não mostrá-los que poderia ser uma ameaça se perdesse o controle e sua sede fosse maior do que sua vontade de conviver com pessoas normais e civilizadas. Tudo começou em uma província da Itália aonde sempre ocorrem tragédias pessoais: Numa festa de boate. Encostada ao balcão do open-bar, ela estava beijando um desconhecido que viu na pista. Por seu comportamento, ela já tinha percebido de que ele não era um indíviduo normal. No fim da festa e no ápice da excitação, ele a manipulou e ao levá-la para sua casa, a mordeu.

Não se lembrava dos detalhes do ocorrido ou como foi cair tão fácil nas garras daquele predador, mas quando despertou já estava dentro do caixão em seu próprio funeral. Ao sair, deu de cara com seu criador que contou o ocorrido e pediu perdão. Sua família havia a encontrado morta em seu quarto, não sabiam que aquela era uma das etapas da transformação. Fechou seu caixão e para deixá-lo pesado, guardou tijolos de uma construção próxima.Assistindo seu enterro de longe, sentiu que era hora de se mudar e cortar seus laços. Ela sentiria falta de sua mãe e amigos, mas era fundamental seguir uma vida solitária. Seu criador também tomou outro rumo, não queriam mais ver um ao outro e a trégua permaneceria eternamente. Então, ela acabou parando em Tóquio, com um emprego árduo para um monstro como ela.

– Entreguei a papelada, fui liberada - anunciou. Ao ver os gazes com sangue em cima de uma bandeja na pia, fechou as mãos em punho dentro dos bolsos do jaleco branco e franziu o cenho. - Que merda!

"Não Natasha, não faça isso. Respire fundo e conte até dez" ela escutou os pensamentos de Max que a lançava um olhar frustrado do outro lado da sala obscura. "Isso... Muito bem, fique calma, é só sangue e você já viu isso muitas vezes antes... Não é nada demais, é só um líquido vermelho".

– O que você tem? - o legista indagou à ela, notando seu desconforto.

– Só estou com dor de cabeça, foram muitos problemas para um dia só - mentiu, respirando fundo e seguindo o conselho de seu parceiro: Contar até dez.

1... 2...3...4....

– Que bom que chegou. Estávamos falando sobre você - ele revelou.

...5...6...7...

– Ah, é? E o que estavam falando? - ficou interessada.

– Nada importante, foi apenas um comentário.

...8....9...

– Na verdade, eu disse que vocês ainda vão passar um tempo juntos hoje e isso é muito bom. Aproveitem.

...10.

Eles se entreolharam desconcertados.

Lasciva e dissimulada, Natasha sorriu e em seguida pigarreou desconversando. Se quisesse transar com Max, com certeza seria direta. " Quero transar com você nem que custe o seu sangue. Seu corpo é delicioso e eu estou super molhada só de ficar olhando trabalhar nesse avental. Tá a fim? Não?! Okay... Então esquece o que eu disse". – Encontrei uma pessoa que pode fazer parte do nosso grupo independente de investigação nas montanhas de Yamanashi.

– E quem é essa pessoa?

– Ela está nos esperando na recepção, eu disse que não demoraríamos.

Saíram os três da morgue e passando pelos escritórios, alcançaram a recepção. Em uma das cadeiras colchoadas azuis, lá estava a estaca.

– Essa é a Evanecer Pollini - ela indicou conforme a garota se achegou.

Evanecer Pollini tinha uma aparência de criança, bastante angelical. Seu rosto era marcante por conta de seus traços finos e a pele era suave e branca. O nariz reto e fino, e as sobrancelhas eram bem alinhadas. Seu olhos eram verdes e brilhantes. O longo cabelo castanho-escuro, ondulado e sedoso. Tinha um ombros retos, queixo erguido, cintura fina, pernas torneadas e seios fartos. Não precisava nem abrir a boca com seu sotaque para adivinharem de que sua elegância pertencia à França.

– Boa noite, é ótimo conhecê-los - saudou cerimoniosa.

Azedo, Max arqueou uma sobrancelha e checou seu relógio. - Bom dia. São duas horas da manhã.

– Para mim só é dia quando o sol está brilhando.

– Que bom que estão se dando bem - Natasha disse ironicamente. - Esse é o Max e esse é nosso legista. Não sabemos quando vamos começar as investigação ao redor da comunidade fechada, mas pode ser logo.

Os rapazes não puxaram muito assunto.

– É melhor que seja logo - Evanecer opinou.

– Você parece saber muito sobre Pale - o legista de cabelos cacheados insinuou.

Ela não teve medo de compartilhar sua história. - É por quê por eu sou um yokai, sempre tive que viver escondida. Não tenho família, então bem nova passei a ser cuidada por uma mulher que vivia além das montanhas e tinha sempre uma maneira de escapar. Vivo nos alpes gelados e próximos a comuna. Percebi que há uma energia estranha naquele lugar. Posso ajudá-los.

Max indagou irresoluto. - Será que pode mesmo?

Evanecer esboçou um sorriso sádico e materializou uma esfera gélida entre as palmas de suas mãos, arremessando-a na perna de Max, o fazendo dobrar e cair com seus músculos da coxa esquerda paralisados.

– Eu não estava duvidando de suas capacidades, estava duvidando se podemos confiar em você - ele explicou, agonizado.

– Mil perdões, sou impulsiva - o ofereceu a mão para se levantar. - O efeito do meu poder durará apenas alguns segundos.

O legista riu e entrou na morgue de novo, puxando Natasha para pegarem seus casacos para irem embora do prédio já que seu horário de trabalho havia acabado.

Desconfiado da garota, Max não aceitou sua ajuda e massageou a perna ao conseguir retomar sua postura. - Por favor, não faça mais isso aqui. Faz ideia de que poderia ter revelado a existência de vampiros e poderes sobrenaturais no departamento? Idiota!

Há tempos atrás, Max dava um passeio a pé pela região onde morava e descobriu em meio a monotonia um observatório astronômico real. Isso foi como uma espécie de libertação, ele viu que dali pra frente precisa virar um eletricista como o irmão e o pai. Então, ele começou a ir atrás de conhecimento, foi à bibliotecas passar dias inteiros lá até descobrir sua vocação, a Química. Fascinado pelos alquimistas medievais, ele estudou não só a química atual, mas também as tentativas desses estudiosos antigos, que envolviam não apenas ácidos e bases, mas a busca pelo elixir da vida, descobrir a composição dos espíritos;

Por isso, em certa parte, Max tinha o pressentimento de que acontecia alguma coisa muito estranha por aquelas colinas e que isso envolvia os líderes de Pale ou, pelo menos, algo fundamental para o poder deles.

– Temos um vampiro aqui? - Evanecer forçou uma reação estupefata.

Ele pôs um dedo sob seus lábios finos e a censurou. - Natasha é uma vampira, não diga nada ao nosso assistente do necrotério.

Quando Natasha e o legista voltaram do escritório, o grupo desceu pelo elevador. Minutos depois que ela e Max estavam no estacionamento do subsolo conversando antes de entrar no carro para irem embora do prédio, à espreita Evanecer realizou uma ligação urgente escondida atrás de um dos pilares da estrutura do local.

– Obel - e assim começou seu relato superficial. - Estou no departamento de investigação. Eles estão planejando fazer um passeio na fronteira de Pale e juntar provas para entregar à polícia.

– Você já sabe o que deve fazer - o Imperador confiava em seus denominados "líderes".

– Por enquanto não, eles ainda não representam nenhum perigo.

– Verifique se eles estão perto de descobrir quem assassinou os meus devedores e queime as provas.

– Farei isso assim que eles foram embora - assegurou antes de finalizar a ligação e guardar o celular.

Achava que aqueles investigadores eram muito burros e incompetentes, não deviam confiar em qualquer um que se oferecesse para auxiliá-los. Decidindo ir se despedir deles e receber a resposta se precisariam mesmo de sua presença nas investigações nas montanhas, acenou, atuando como uma profissional.

Natasha não via maldade nela. - Amanhã entraremos em contato com você.

– Assim podemos decidir o horário - Evanecer convencia. - Eu tenho uma câmera muito boa, podemos revesar em algum sábado e acamparmos na floresta perto de Pale.

~

Em Pale, a madrugada transcorria calma, sem conflitos ou mais novidades. Greta estava sentada na sala com Sydney e Jean. As luzes e a televisão estavam ligadas. Um canal noticiava as principais notícias do dia anterior. Claro que a imprensa já estava acompanhando o assassinato em Yokohama, os três sabiam quem haviam sido os autores daquele serviço: Anna e Kenshin. Obel devia estar orgulhoso, conseguira mais uma alma para sua interminável coleção.

– Parece que eles conseguiram sair de lá sem serem vistos - Greta dizia alegremente. - Sorte de principiante, graças à Deus.

– Deus não existe aqui. Garantiram mais alguns meses de vida - Jean acrescentou, pegando mais doritos do pacote disposto acima da mesinha de centro.

– Era para a próxima missão ser a minha. Que bom que escapei dessa - se vangloriou.

Sydney alfinetou. - Você acha que vai ficar se escondendo para sempre, querida?

– Se alguém não me caguetar, talvez eu consiga.

– Não estou sugerindo um absurdo desses.

– Parece.

– Quero que você fique aqui, eu até que gosto de você - Jean se intrometeu, pousando a costa da mão sob sua bochecha.

Achando aquele toque muito mais íntimo do que o esperado, Greta decidiu repeli-lo. - Menos mal. Querem mais coca? Vou pegar gelada lá na geladeira.

– É... traz aí - Sydney pediu preguiçosamente.

Ela foi até a cozinha para pegar os refrigerantes e ao olhar através da janela da cozinha enxergou o que desejava que pudesse apagar de sua memória. Ian e Rebeca vagavam pelas ruas escuras das cabas dos assassinos, buscando por algo... Ou alguém. Talvez buscassem por ela. Talvez por vingança, quem sabe. Abaixando-se, espiou paranoicamente por trás da cortina. Seu aliado estava com as mãos sob a barriga, um tanto encolhido, com pose de gente adoecida. Será que ele estava se transformando?

– Tomara que não - disse baixinho, apreensiva. Seria mais difícil contê-lo se ele estivesse na forma de lobo.

– Com quem você está falando? - perguntou Sydney, surgindo do nada e com uma expressão zoeira. Abriu a geladeira e pegou os refrigerantes. - Demorou hein. era só pegar e voltar!

A garota abriu mais um pouco a cortina, apenas o suficiente para conseguir olhar o céu. - Desculpa, aconteceu algo péssimo.

A lua crescente pairava agourenta sob a comuna, sua luz esbranquiçada anunciava de que a época dos licantropos se aproximava e de certa forma, o corpo e metabolismo de Ian também pressentiam isso. Na potência máxima do luar cheio, seus ossos se esticariam e ele seria um animal imbatível.

– O que foi? - ela perguntou preocupada, afagando suas costas.

Era quase possível enxergar a coragem ordinária e translúcida crescendo dentro Greta, ela os enfrentaria se precisasse, até torcia para que isso acontecesse, assim teria dois a menos na sua lista de oponentes. - Ian e Rebeca estão pelas redondezas, acho que estão me procurando...

– Vou avisar o Jean!

Ao avisá-lo na sala, os dois voltaram atordoados para a cozinha e decidiram que seria melhor escondê-la no quarto.

Ninguém podia prever o que aconteceria no minuto seguinte ou que Ian poderia farejar o cheiro dela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mais um cap. de transição. Vão ser 2 entre as missões :D