Pale (interativa) escrita por Harpia


Capítulo 8
A queda


Notas iniciais do capítulo

1º missão de Kenshin e Anna. Estão presentes nesse capítulo: Anna, Kenshin, Natasha e Max.



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Após retornarem do almoço direto para a cabana, Anna e Kenshin encontraram uma carta formal e sem remetente debaixo da porta da frente:

"Informo-lhes de que sua saída foi adiantada e estipulada para as três horas dessa tarde com o objetivo de se infiltrarem na Landmark Tower, 45º andar, em Yokohama. Um carro estará os esperando num parque em Kosemachi.

Não aceitaremos seu fracasso".

A última linha era intimidante, Anna ficou afligida. Junto com a carta havia uma pequena caixa cinza, dentro da caixa estava o frasco que compactaria a alma de sua vítima. Pegaram o equipamento necessário no banco de armas da comuna e planejaram quando seria a hora certa de usá-lo. No banco de armas as regras eram simples: Os guardas anotavam os nomes daqueles que alugavam as armas e aguardariam até trinta dias a devolução, caso isso não ocorresse você poderia ser mandado para a prisão. Ela usaria apenas uma pistola com silenciador, enquanto ele usaria sua foice congelante.

Ao saírem pela portaria, sentiram como se não fossem mais voltar. Chegariam em mais ou menos duas horas em Yokohama, próxima à Tóquio. Descendo das trilhas nas montanhas, a paisagem era esplêndida. Eles não puderam evitar parar para admirar a vista. O cheiro das flores e da grama mantinha-os alerta de que a hora de cumprir sua missão chegou. Instruídos e disfarçados de estudantes locais, vagaram pelas ruas mais afastadas do centro até chegarem ao tal parque rodeado por árvores de ácer e suas folhas avermelhadas. O carro prata estacionado próximo ao rio estava vazio e com a chave na ignição. Kenshin soube instintivamente de que esse era o carro sem documentação e placa clonada que os levaria para a cena do crime.

– Eu dirijo - ele disse com um sorriso provocativo.

Para não dá-lo o gostinho da vitória, respondeu enquanto prendia o cinto de segurança. - Eu deixo, estou com preguiça.

– Na volta você dirige, precisaremos sair depressa de lá.

Durante o percurso não trocaram mais nenhuma palavra, estavam muito imersos em seus pensamentos e a tensão crescia. Depois de terem passado por lugares novos e agradáveis aos seus olhos, chegaram em Yokohama. Antes de rumarem para seu objetivo, abandonaram o carro em um estacionamento atrás de um mercado e partiram. Para ele era fácil se camuflar entre os outros cidadãos, mas ela supostamente seria julgada estudante de intercâmbio. Acompanhando o fluxo de pedestres, avistaram o arranha-céu de vidros espelhados onde se localizava sua vítima. Entrando pelo saguão movimentado de empresários e publicitários vestidos formalmente, Kenshin traçou agilmente um plano e rapidamente a guiou para o toilet masculino dos funcionários em um corredor lateral, próximo aos elevadores e sala de reuniões. Ficariam lá até a troca de expediente dos seguranças, seria muito mais simples. Dentro do cubículo do sanitário, botaram seus pés em cima do vaso e ficaram com as costas contra a divisória. Frente à frente, Anna tentava não fitá-lo.

Ele gostava de sua expressão tímida, por isso sempre a perturbava. - Tá afim de conversar?

– Não - franziu a testa, fechando a cara.

Kenshin ainda não encontrou seus olhos azuis inebriantes, então insistiu. - Você sabe que em algum momento nós devemos conversar, né? Somos aliados, precisamos conhecer um ao outro.

– Não quero conhecer ninguém - rebateu friamente.

– Então você que se dane, alguém aqui não está doando companheirismo e desse jeito não podemos concluir as missões... - criticou justamente, seu tom de voz soou mais melancólico do que o calculado.

Ao escutarem a porta do toilete rangir, calaram-se. Anna estava ficando cansada de ficar naquela posição, os pés estavam escorregando enquanto as coxas não aguentavam mais o peso de seu corpo. Quando o faxineiro deu a descarga e foi embora, os dois reprimiram o riso pela a situação ser ridícula, porém voltaram em segundos à seriedade do serviço que lhes foi imposto: Tirar a vida de um ser humano para roubar sua alma e compactá-la em um pequeno frasco. A noite chegou e às seis horas eles saíram do toilete, rumando para o elevador. Subiram até o 45º piso. O prédio mais alto de Yokohama possuía setenta andares.

– É um arranha-céu - Kenshin comentou.

– Descobriu isso sozinho?

– Você é sempre tão amarga desse jeito?

– Tenho meus motivos.

No momento em que as portas metálicas espaçaram-se, se depararam com uma secretaria vazia. Aparentemente, não havia nenhum atendente por trás do balcão, porém ao contrário do que parecia a secretária não tinha ido embora. Ela estava em frente à maquina de café em um balcão próximo às janelas. A mulher de óculos de aros finos completava a paisagem urbana noturna enquanto soprava seu café e desejava estar em algum bar nova iorquino.

– Confia em mim e faça o que eu fizer - Anna sussurrou, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha ao se agachar por instinto.

Sabendo que se não abaixassem-se a secretária os veria refletidos no vidro, Kenshin copiou Anna, empunhando sua foice. Só com um golpe, a mulher cairia com paralisia temporária. Seus músculos estariam frios demais para que ela pudesse se mover.

No entanto, não foi o que aconteceu. Talvez estava destinado a dar errado.

– Não - Anna gemeu.

A secretária enxergou o cabelo claro da assassina através do reflexo e correu até seu balcão para acionar o alarme de segurança. Kenshin saltou em suas costas e torceu seu pescoço, a estrangulando. Mesmo assim, de nada adiantaria, a sineta continuava a soar e em breve a polícia estaria ali.

– Foge! Foge logo! - Kenshin a ordenou, mesmo ciente de que ela não obedeceria.

A vítima (um empresário de trinta anos do qual eles ainda não sabiam nada a respeito) saiu de sua sala e Anna disparou a arma em seu peito. Com a força que ainda o restava, ele a lançou contra as janelas e depois caiu morto. Anna atravessou os vidros e fechou os olhos durante a queda-livre. O vento entupia suas orelhas, seriam mais de duzentos e noventa metros até o chão em uma velocidade tão violenta que a vida não passaria diante de seus olhos. Ela imaginou que estava descendo as cataratas do Niágara. Seria uma queda indolor, nas profundezas de uma água escura. Os espíritos a puxariam bem para o fundo, onde ela permaneceriam como uma rocha e a realidade desapareceria para sempre na refração da superfície.

No impacto, suas pernas e braços seriam quebrados e seu crânio espalhado pelo estacionamento. Pouparia o trabalho de Obel de eliminá-la já que a missão havia sido um fracasso. Kenshin capturou a alma do homem e se focou em sua aliada. Saltou das janelas estouradas e tentou agarrá-la no ar. Usou os poderes de sua foice e criou uma rampa de gelo por onde escorregariam até o prédio vizinho. Ao caírem seguros no outro telhado, se encararam em pânico.

Ele a mostrou o frasco cheio. - Conseguimos.

Ainda confusa e com um corte superficial na testa, ela sorriu e o abraçou afavelmente. - Sim, nós conseguimos.

~

Um trovão cortou o céu cinzento e uma tempestade incessável logo despencou. O aglomerado de pessoas fugindo da chuva se tornou competitivo e a correria na escada que levava ao subsolo do metrô era catastrófica. Natasha Di Lorenzo estava no meio deles, sentindo o cheiro do sangue que pulsava em suas veias, agindo como se fosse comum. A plataforma da linha Tanimachi para Osaka estava claustrofóbica, os indivíduos se apertavam tentando subir nos vagões, suas roupas estavam úmidas e seus semblantes eram exaustos. Por sorte, esse não era seu destino, ela ia para Yokohama com seu carro. Virando um largo corredor repleto de anúncios nas paredes e papéis no chão, ela chegou à superfície, entrou no estacionamento particular e pegou seu veículo.

Agora que recebera a confirmação de que uma sociedade fechada nos alpes realmente estava recrutando menores de idade para serem assassinos, a única coisa que ainda a impedia de investigar era a cautela. Paciência era tudo na hora de desvendar um crime e ainda precisava contar com a ajuda e aprovação de seu parceiro Max Due. Preocupava-se muito com ele, não queria colocá-lo em risco, ele era um gênio. Na verdade, os dois se preocupavam muito um com o outro, mas suas personalidades eram bastante distintas e haviam poucas particularidades em comum.

"- Você não pode ser tão irresponsável assim Natasha! - ele exclamou carregando-a de volta para casa depois de uma noitada por que ela simplesmente não conseguia andar de tão bêbada. - Parece que não tem semancol!

– O fato é que você se preocupa demais comigo, já devia se acostumar com meu jeito - ela o respondeu com uma voz anasalada antes de ficar inconsciente em seus braços".

Natasha tinha um carácter muito forte, não suportava ver seus amigos sofrendo e pisaria na cabeça de quem fosse para que isso não acontecesse. Às sextas - ou ás vezes ás quintas - ela adorava sair com os amigos do trabalho para vadiar nas boates de Tóquio, infelizmente Max Due nunca a acompanhava nessas aventuras, pois preferia ficar até tarde da madrugada encaixando fatos e analisando logicamente peça por peça. Ele trabalhou seis anos para a polícia, tinha uma bolsa forense e licenciatura em psicologia, então levava seu emprego extremamente à sério como uma espécie de obsessão. Ela nunca foi apaixonada por ninguém, mas não negava de que se pudesse escolher por quem se apaixonasse seria por Max. Depois de sua transformação, ela resolveu seguir à vida pessoal adoidada, mas é claro que sem deixar a profissão de lado. Sem nada relevante para ver nas ruas comerciais, rumou direto para o prédio de vidros espelhados onde trabalhava. Não a aborrecia ter que chegar até lá à pé, mesmo que para se proteger da tempestade precisasse do guarda-chuva.

Em aproximadamente dez minutos, entrou na recepção, se identificou e a liberaram. Ao subir no elevador vazio, arrumou seu longo cabelo castanho no espelho enquanto demorava para subir ao terceiro andar. Natasha encarou seus penetrantes olhos verdes no reflexo, sua maquiagem não era adequada para o local. Ao abrir das portas metálicas, ela virou-se e deparou-se com as salas dos escritórios vazias. Era horário de almoço, então não se surpreendeu. Seguindo pelo setor, direcionou-se para um escritório afastado dos outros e entrou. Jogou suas pastas em cima da mesa e descansou no divã, esperando por Max.

– Espero que ele não demore - ela tinha a mania de conversar consigo mesma em voz alta. - Não quero ficar nessa sala por muito tempo, se o Max demorar vou para casa.

Distraída e sacudindo impacientemente a perna, Natasha analisou as próprias mãos. Em seu dedo médio jazia um anel de compromisso dourado e reluzente. Embora estivesse solteira, guardava aquele anel como uma espécie de recordação de quem a transformou em vampira.
O celular tocou.

– Max, você está atrasado, estou de saco cheio dessa porra - reclamou.

– Eu sei Natasha, não dá pra explicar, você tem que vir imediatamente para a Landmark tower! - ele justificou com urgência.

E lá se foi ela. O trânsito estava péssimo nesse horário, mas Natasha conseguiu tomar uma rota para chegar mais rápido. Em frente ao hotel havia uma dezena de carros da polícia, as sirenes estavam ligadas. Entrou no saguão, mostrou seu distintivo de investigadora particular e subiu para a cena do crime no 45º andar.

Max Due estava ao lado dos fotógrafos criminalísticos que procuravam um melhor ângulo para fotografar os respingos de sangue. Coçava sua nuca de tensão, usando luvas descartáveis necessárias. Ele era um tipo comum: Magro e com pele clara, tinha os cabelos castanhos mais para o claro do que para o escuro, inclusive seus olhos eram da mesma tonalidade. Tinha amor por camisetas listradas e um relógio de pulso preto que ele checava toda hora.

– O que aconteceu? - Natasha questionou desesperada, chamando a atenção de todos.

Max pôs uma mão no queixo, mantendo seu profissionalismo. - O que você acha que aconteceu? Outro crime sem suspeitos e incoerente. E apesar disso, os assassinos foram inexperientes e sem criatividade.

– É melhor que continuem desse jeito - ela esboçou um sorriso, analisando os cadáveres. - As câmeras de segurança não flagraram nada?

– Sim, eles saltaram pela janela - apontou para os vidros quebrados, os cacos afiados permaneciam na janela.

Os fotógrafos se retiraram para deixá-los mais à vontade para investigar e tirar suas conclusões.

Natasha aproximou-se dos cacos na janela e espetou seu dedo em um deles. O furo cicatrizou de modo instantâneo. Botou a cabeça para fora, uma brisa quente soprou seu cabelo. - E como não caíram lá embaixo?

Inconformado, balançava a cabeça revelando traços de esquizofrenia. Max odiava não encontrar uma solução ao mesmo tempo que a dificuldade instigava sua capacidade de solucionar esse quebra-cabeça. - Não sabemos como sanar essa dúvida. Não tem como escapar desse jeito, isso é ilógico!

Ele tinha um pensamento científico e metodológico para encarar questões que fossem além do que a ciência explicava. Usava a ciência de forma livre de conceitos pré-estabelecidos. A grande habilidade dele era a de ser um visionário, ter a mente aberta demais, encarar tudo como possibilidades e hipóteses, nada como verdade absoluta. Tinha características bem peculiares para um investigador, até sem muito nexo.

– Eu não entendo... Por quê eles viriam matar essas pessoas? - ela hesitou, descobrindo o rosto da secretária do plástico. - Se são tão inexperientes não devem ter ido muito longe.

– Você sabe muito bem de onde eles vieram, devem estar muito longe. Como pessoas normais pulariam do 45º andar sem se ferir?!

– Esses desgraçados de Yamanashi - Natasha estreitou os olhos.

– Precisamos impedi-los, isso é apenas o começo. Detesto ser pessimista, só que... Muita gente ainda vai morrer se não tomarmos uma atitude!

– Você tem razão. O Departamento não nos permitiria investigar sem permissão ou um mandato, podemos ir por conta própria - sugeriu.

– Essa é a hora de sermos reconhecidos pelo nosso trabalho. Se resolvermos esse caso, revelaremos um mistério que perdura há muitos anos, então imagine como seremos prestigiados.

Concordou. - Negócios são negócios.

– Vamos organizar uma equipe para ficarmos cara à cara com o líder deles.

– Mas e se estivermos errado? E se Pale não for a resposta? Eles podem ser apenas jovens que se cansaram de viver na cidade e encontraram o paraíso na Terra - baseou sua opinião em experiências do passado.

– Não ponha seus desejos internos nisso, não tente relembrar de sua infância conturbada - Max alertou dando um leve tapa nas costas como reconforto.


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Notas finais do capítulo

Faz muito tempo que não posto, mas já voltei. Espero que gostem. Vou contar mais sobre o Max no próximo capítulo, ele é do meu amigo Vitor