Pale (interativa) escrita por Harpia


Capítulo 10
Cristalina


Notas iniciais do capítulo

Estão presentes nesse capítulo: Evanecer, Jinx, Maisha, Allan, Sarah, Nicole.



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Uma hora depois que Max e Natasha foram embora do prédio, Evanecer ainda teve que esperar que o legista fosse para casa também. Na escadaria do primeiro andar deu de cara com ele, adiando seus planos de quebrar a fechadura da porta do necrotério e queimar as provas. Não sabia se devia usar o sentido litetal de "queimar" e causar um incêndio ou "queimar" no sentido figurado de desaparecer com a papelada. Ambas as formas seriam arriscadas, Natasha já devia ter entregue parte dos papéis da investigação para a polícia, então pegar a outra parte das provas não adiantava de nada, entretanto, nessas provas que estavam no morgue haviam as digitais de Kenshin e era inadmissível que elas chegassem às mãos das autoridades.

– Você ainda não foi embora? – ela perguntou sobressaltada, sendo pega em flagrante.

Ele fez uma careta no topo da escada. – É o que parece, não é?

– Ah ta, eu achei que você ia sair com o Max e a amiga dele – continuou disfarçando.

– Sempre saio por último, para fechar os laboratórios e ver se está tudo em seu devido lugar – explicou, descendo em sua direção. O molho de chaves balançava no bolso de seu avental branco e produzia ruídos.

Evanecer resolveu chantageá-lo, procurando uma oportunidade nisso. – Você parece ser perfeito para isso.

– Como assim? – o legista ficou confuso.

– Parece ser um cara responsável – ela disse séria e determinada.

Ria por dentro, iria usá-lo e acabar com ele.

– Não é tão trabalhoso assim – ele foi modesto. – O que você está fazendo aqui ainda?

Os dois desceram lado à lado pelo lance de escadas de emergência.

– Eu estava procurando um banheiro. Coisa de mulher – ela apontou para sua bolsa, deixando claro que queria trocar o absorvente.

– Ah – o rapaz coçou a nuca, achando melhor não se meter. Evanecer sabia usar desculpas que deixassem os outros despreparados constrangidos. – Os banheiros só ficam no sexto andar, mal estruturado esse prédio né?

– Então deixa pra lá, dá tempo de chegar em casa.

– Tá a fim de ir tomar uma cerveja? Tem banheiro no bar.

– Demorou!

Finalmente, ao irem embora do departamento de investigação, foram à pé até um bar na esquina cujos letreiros do lado de fora eram feitos de neon verde e rosa. O nome do bar era uma palavra em japonês que eles não conseguiram traduzir. Sentaram-se nas mesas dispostas ao ar livre. Estava barulhento e caloroso dentro do estabelecimento, maioria dos clientes estavam bebendo com seus grupos de amigos e também haviam alguns casais se beijando. Quando o garçom veio atendê-los, pediram dois copos de chope.

– Então, o que você faz da vida? – o rapaz indagou.

Evanecer suavemente deu de ombros. – Eu não faço muita coisa.

– Você não deve ser só um yokai. O que você faz para se sustentar?

– Eu trabalho no campo com a mulher que cuida de mim.

– Parece ser chato.

– Não é chato, chato é ficar enfurnado em um laboratório rodeado por gente morta e sem ver a luz do dia – alfinetou, depois tomou um gole do chope. Estava gelado e seus dentes rangiram um pouco.

– Você está certa, minha vida é mesmo uma merda - ele admitiu, brincando.

Ela fingiu comoção. – Foi mal, não quis te ofender. Só queria mostrar outro ponto de vista.

– Se você não vive na cidade então como ficou sabendo sobre nós? A gente não falou para ninguém que estava organizando um grupo pra ir investigar nas montanhas. Isso não pode vazar na mídia.

– Eu não disse isso antes, mas há muito tempo venho notado acontecimentos estranhos na comuna. Ontem li no jornal a notícia do assassinato e procurei pela polícia, encontrei com Natasha e ela disse que viria me apresentar à vocês – mentiu, mas sabia que mataria Natasha antes que pudesse entrar em contradição. Era só uma questão de tempo.

– Ah, é? Nossa, foda hein – lamentou e deu um último gole na bebida.

Evanecer mal tinha visto ele bebê-la, mas o copo já estava vazio. – Eu sei e já fui avisada. É melhor que não vaze mesmo.

– Você tem namorado?

– Não, estou solteira.

– Nós dois podíamos ir pro meu apartamento.

Evanescer pensou em possibilidades. Se fosse para o apartamento dele, poderia dopá-lo, roubar as chaves e voltar ao departamento. "Queimaria" as provas e voltaria para a comuna, sem chances de eles a verem novamente. Mas havia um porém: Se ela simplesmente desse as costas depois de destruir a papelada da cena do crime, nada os impediria de continuarem a formar um grupo para investigarem Pale. Talvez fosse melhor ter paciência e esperar pela melhor hora de agir.

– Hoje não dá.

– Por que não?!

– Por que não. Não tenho que te dar uma explicação – pegou a bolsa pendurada nas costas da cadeira e partiu.

Nem sequer perguntou seu nome.

Intrépida, ela pegou um táxi até o ponto onde era recomendado que o motorista a levasse. Depois, vagou através da penumbra, subindo a colina de volta à Pale. A grama dos campos abaixo de seus sapatos pareciam prateadas ao luar. Ao virar-se para checar se alguém a seguia, parou para a admirar o centro das cidades da província de Yamanashi que cintilavam à distância como a colisão de milhares de estrelas. As quietas casas rurais eram pequenos pontos negros quase imperceptíveis e as rodoviais movimentadas em linhas retas retratavam de que mesmo que fosse Domingo os caminhoneiros não paravam de trabalhar.

Exceto pelas tragédias e a constante de pressão de não falhar, estava um clima agradável e ela podia sentir arrepios percorrerem todo seu corpo só pelo mero pensamento de que eliminaria logo os obstáculos que ousavam destruir a paz na comuna: Os investigadores.

Voltou a caminhar num ritmo acelerado sem ficar ofegante, acostumada a fazer exercícios.

– É só matar eles e pronto. Tudo vai voltar ao seu devido lugar – sussurrou sozinha.

De qualquer jeito, era perturbador que a qualquer momento pudessem descobrir os negócios que Obel estava metido. Não era apropriado para a humanidade saber sobre a existência de almas - é claro que as religiões falavam sobre elas, mas alguma vez botaram em prática manuseá-las? Óbvio que não, por que ninguém sabia que almas podiam ser compactadas em um pequeno frasco ao invés de serem libertas para retornarem ao Inferno, Paraíso ou qualquer dimensão superior ou inferior onde as almas se desintoxicam após deixarem esse mundo. Ninguém sabia e ninguém iria ficar sabendo. Algumas coisas eram melhor serem deixadas longe do conhecimento humano.

Ao ser identificada na portaria pelos guardas, entrou na comuna. Aparentemente, todos já estava dormindo, tanto os cidadãos comuns quanto os assassinos. Ela decidiu ir direto para o palácio, em dúvida entre descansar ou talvez dar mais detalhes ao Imperador. Encontrando-o acordado e sentado em seu trono, se apressou para contá-lo.

– Não tenho tempo para cumprimentos formais – alertou. – Nós estamos com a corda no pescoço. Eles vão vir a qualquer custo.

– Sabia que você ia dizer isso. Não sumiu com as provas e essa é a sua desculpa! – Obel reclamou.

Sendo a mais dura das líderes, Evanecer não se abalava a insatisfação de seu Imperador. – Não tem como fazer isso sem que eles suspeitem, acho melhor esperar mais algumas semanas.

Balançando a cabeça em desaprovação, ele resolveu apelar para o sarcasmo. - Se você acha que ainda estaremos seguros com a polícia tentando coagir os nossos guardas, confio em você.

Ela resumiu os dados que coletara, pondo um dedo sob a têmpora para organizar seu raciocínio. – São dois investigadores. Natasha é um pouco burra, mas é uma vampira, ou seja, é extremamente letal. Já o outro pode não ser tão preparado fisicamente, mas com certeza é uma espécie de gênio e pode influenciá-la.

– Eles não parecem ser muito capacitados – criticou sabiamente.

– Vou desviá-los, tentar sabotar qualquer pequena vitória deles – prometeu com uma confiança exacerbada.

– Você já fez o suficiente por hoje, agora vá descansar! – Obel ordenou.

Evanecer fez uma reverência. – Obrigada por sua atenção. Boa noite, majestade.

No exato instante em que a líder saiu do salão e subiu a escada para chegar ao dormitório, Anna e Kenshin entraram. Já tinham jantado, tentado se recompor e tomado um banho para limpar o cheiro da morte que emanava de seus corpos. Aproximaram-se do altar e fizeram uma reverência ao Imperador. Vestido em uma roupa menos formal coberta por uma capa negra, Obel continuava com, o queixo apoiado numa mão, e a mesma expressão de quem não se impressionava de que a missão deles havia sido um sucesso.

– Parabéns – ele disse sem emoção.

Anna ergueu o queixo. – Não foi tão difícil.

– Você matou uma pessoa à tiros, arrancou a vida dela pela raiz e me diz que não foi tão difícil? Quem você está tentando enganar? Eu sei que por dentro você deve estar se sentindo horrível por ser uma assassina anônima.

Percebeu que era melhor ter ficado calada.

Obel prosseguiu,sendo mais sensível. – De qualquer jeito, não se sintam culpados pela morte daquele homem repugnante. E quanto a secretária, bom... Foi necessário que ela morresse também, não teve outra escapatória.

– Quem era ele? – Kenshin perguntou, em sua voz havia sinais de agressividade. – E o que ele fez para merecer ser morto?

– Era um cliente de longa data. Vou contar uma pequena história: O pai dele era da política, trabalhava em um cargo importante, estava morrendo de tuberculose, então antes de morrer me convocou para remover sua alma, compactá-la e não me pagou por isso porque estava falido. Aquele homem que vocês viram poderia ter pago a dívida. Valores monetários são importantes. Vocês entendem, não é?

– Deixa eu ver se entendi... Tudo isso foi por dinheiro? – Anna parecia não conceber essa ideia.

– Isso mesmo - Obel confirmou, sorridente. – Ele estava me devendo uma quantia alta de dinheiro, se recusava a pagar pelos meus serviços prestados à favor da alma dele.

Ela desaprovou. – Dinheiro é a única coisa que importa para vocês. Que vida triste vocês levam.

– Dinheiro é a única coisa que importa quando você tem um reino para manter de pé. Imagine se todas essas pessoas que vivem em Pale tivesse de ser mandadas de volta ao "mundo de fora"? Algumas nasceram aqui e já estão velhas demais para se acostumar com um novo estilo de vida. Preciso protegê-las.

Mesmo em contestação, Anna compreendia e até enxergava em algum ponto de seu âmago que aquele velho não era uma pessoa má. – Como vamos ser recompensados?

– Já está pensando na recompensa? Vocês são muito ambiciosos.

– Sem rodeios, Obel – Kenshin insistiu.

– Cada assassino contratado possui uma conta bancária individual, não me esqueço de depositar o dinheiro de vocês, sou generoso nesses termos.

– Para que está nos dando tanto dinheiro se não podemos sair mais daqui?

Não obtiveram uma resposta para essa pergunta.

~

Em plena três horas da madrugada Jinx estava sentada no tapete felpudo da sala assistindo um filme de terror monocromático com cenas intensas e sanguinolentas. Sua nova aliada, Maisha, dormia tranquilamente no sofá, coberta por um cobertor fino e abraçada ao filhote de leão que ressonava, terno e indefeso. Ela parecia um anjo dormindo, gostava de observá-la um pouquinho. De repente, ao ouvir um ruído na porta da frente da cabana, engoliu à seco e temeu que fosse Jadine ou Dorothy. O coração começou a acelerar e ela sentiu o suor brotar. Não estava pronta para enfrentá-las por enquanto, luta corpo à corpo nunca foi seu forte, porém arrebetaria aquelas duas se a situação pedisse. Ao espiar por uma fresta da cortina na janela, enxergou uma pessoa vestida com uma capa preta enfiando uma carta na caixa de correspondência na porta, então não foi necessário sair lá fora. Ela veementemente rasgou o papel que caiu em cima do piso e leu, apreensiva.

"Informo-lhes de que sua saída foi adiantada e estipulada para as seis horas da tarde com o objetivo de se infiltrarem na Torre de Tóquio, aos 250 metros. Haverá uma festa de aniversário no salão do observatório. O lugar foi alugado por uma família influente no país, não há chances de haver intrusos na festa, então seus convites foram providenciados de ante-mão com um nome falso. Vocês precisarão eliminar a aniversariante de 10 anos, e a mãe, uma viúva de quarenta anos. Um carro estará as esperando na portaria da sede de Pale. Não aceitaremos seu fracasso".

Em negação, Jinx apertou o maxilar e resolveu recusar a essa proposta. Como mataria uma criança de dez anos? Como tiraria a chance de um futuro brilhante de uma criança? Isso era injustificável. Amassou a carta e saiu da cabana. Precisava tirar satisfações com um dos líderes, não podia permitir que uma atrocidade dessas fosse cometida. No caminho para o castelo, avistou dois espectros na praça. Um deles era de um rapaz forte e uma garota ruiva. Estavam vigiando a vila dos assassinos como lobos separados da matilha em busca de uma caça maior. Tentou não encará-los, fingiu que não os viu. Em frente as portas do castelo, percebeu que já era tarde demais para retornar. Entrou no salão e não encontrou Obel no trono. A luminosidade estava baixa e as velas apagadas. Encontrou Allan, Sarah e Nicole em reunidos frente à lareira.

– Com licença – caminhou na direção dos três. – Eu recebi a proposta e não acho que seja justo ser contratada para matar uma criança e sua mãe.

Depois de perceber que o que havia dito era estúpido, fechou os olhos. "Você nunca vai conseguir ser uma assassina fria e calculista desse jeito", pensou.

Allan soltou um riso. – Você acha mesmo que simplesmente pode vir aqui e tentar mudar nossa tradição?

– Não posso fazer isso – ela abriu os olhos para poder fitá-lo corajosamente. - Não posso.

– Ah, você não pode – ele repetiu, debochando. – Então, que pena, acho que vamos ter que te matar.

Nicole pigarreou. – Já percebi o quanto você é irreverente, mas não é assim que as coisas funcionam por aqui. Sua opinião não vale nada.

– Se não tiver uma alternativa, por favor, me matem agora – implorou, agindo como se fosse a decisão fosse fácil.

Sarah achou um absurdo. – Você vai mesmo dar sua vida por alguém que nem conhece?

– É o que vai acontecer uma hora ou outra. Eu vou acabar morrendo de qualquer jeito – Jinx desejava morrer com a consciência limpa e tranquila.

– Viram só o que acontece?! Eu avisei para Obel contratar pessoas mentalmente preparadas – Sarah resmungou para os outros.

– É isso o que você quer? Você quer morrer? – Allan não contrariou-a, gostaria de ver sangue.

– Mais do que tudo.

– Ok, eu mesmo dou fim à sua vida – Allan aceitou. Marchou até um dos armários do salão e sacou uma espada afiada. Iria parti-la ao meio, seu corpo se dividiria em duas partes, orgãos cairiam e sujariam o belo tapete colonial.

– Ninguém aqui vai machucá-la – a voz de Obel estrondou através do salão. Ao descer a escada, aproximou-se do líder prestes a explodir de cólera. – Já chega! Estou cansado das suas atitudes impulsivas perante aos nossos convidados.

– Ela está se recusando a desempenhar sua função, então pra que mais ela serve? – Allan rebateu.

– Você me escutou. Eu não vou repetir.

– O que está acontecendo com você? – incrédulo, ele perguntou ao Imperador. – Você nunca agiu desse jeito.

Obel se focou em Jinx, sua possível filha; a única herdeira, aquela que lhe fora arrancada e abandonada em algum lugar desse planeta. – O que podemos fazer por você? Isso se já não fizemos o suficiente.

– Eu só vim pedir para pouparem a vida da garota de dez anos.

Enquanto pudesse manteria ela segura. Via através dela uma bondade cristalina; coisa talvez herdada da pessoa que Obel fora há muitos anos antes de ser destruído pela ganância e corrompido pelas mentiras.

– Certo, então não precisa matá-la, mas a vida da mãe da garotinha não será poupada – o velho declarou.

Jinx pensou em como a garotinha viveria sem a mãe, assim como ela teve que viver sozinha em um orfanato.

Aceitou o acordo, afinal, não havia mais nada que pudesse fazer. Voltando deprimida para sua cabana, não precisou dar explicações à Maisha. Se prepararam em silêncio para sua primeira missão. Ás seis horas, saíram de Pale e em um carro foram para o centro de Tóquio.


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Notas finais do capítulo

Mais um cap de transição; porque postar fic com um rombo entre os capítulo não é comigo. No próximo é a 1º missão da Jinx e da Maisha.