Pale (interativa) escrita por Harpia


Capítulo 7
Bloodline


Notas iniciais do capítulo

Estão presentes nesse capítulo Às, Stefan, Nicole, Valentina, Sarah, Allan, Jinx, Jadine, Kenshin, Anna, Maisha, Dorothy, Jean e Sydney



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Os dois últimos assassinos rumaram para o castelo quando o sol já estalava nos telhados de madeira das cabanas do vilarejo. Stefan usava a toca da jaqueta erguida para se proteger da luz. Os guardas estavam tão exaustos que não fizeram questão de guiá-los, afinal, se eles tivessem observado o caminho por onde os anteriores foram chegariam ao óbvio salão principal do castelo. Cabelos descoloridos na altura do ombro e braceletes cobrindo seu pulso esquerdo, Ás Costanza lançou um olhar interrogativo para seu aliado quando ele afagou suas costas num gesto de apoio e meneou a cabeça, indicando que deviam se apressar. Sua mão era fria. Antes mesmo de se aproximarem do altar notaram que não havia ninguém os aguardando. Nenhum sinal de Obel, Nicole, Sarah, Allan ou Valentina. Parecia um local completamente inabitado, apesar da presença das estátuas de mármore, pilares de ouro e obras renascentistas. Ficando mais próximos, investigaram ao redor. Haviam portas que levavam à outras salas e de uma delas uma risada foi ouvida. Era a voz de Valentina. Ás espiou entre uma pequena brecha e avistou os líderes ao redor de uma mesa tomando café da manhã. Na mesa havia desde vinhos até sucos, de pães até bolos e a fumaça do café quente escapava por cima das xícaras.

– Inacreditável – ela rolou os olhos e tocou a maçaneta. – E nós morrendo de fome lá fora.

Farejando a adrenalina presente em seu sangue, Stefan tentou impedi-la segurando seu braço com cautela. – Não! O que você está fazendo?

– Vamos nos apresentar – ignorando sua discórdia, abriu a porta da sala.

Os líderes pararam suas atividades para encará-los. Prestes a chutá-los, Sarah derrubou a faca da manteiga sob a toalha e seu namorado resolveu se pronunciar.

– Não deveriam estar aqui – Allan não disfarçou o quanto estava desgostoso.

Ás mordeu o lábio e encarou Obel. – O imperador também não, mas infelizmente ele está e justo no momento em que deveria estar sentado no maldito trono nos esperando.

O imperador reagiu, espantado. – Como ousa se referir à mim com tanto desrespeito?!

– Sinto muito por minha aliada te tratar dessa forma, não queríamos interromper sua refei... – Stefan foi abruptamente interrompido.

Ele ergueu uma mão exigindo que parasse. – Poupe-me de sua falsa cortesia, rapaz. Eu li a sua ficha e sei muito bem o que você é.

Obel havia lido a fichas de todos os novos membros antes de eles chegarem.

Stefan estreitou os olhos e permitiu que Ás continuasse.

– Entenda, não estou desrespeitando vossa majestade, estou apenas expondo os fatos – ela explicou irônica.

Valentina reprimiu o riso, quase cuspindo seu café. Pôs a xícara de volta ao pírex e levantou-se da cadeira. Depois, se dirigiu simpaticamente ao Imperador. – Eu os levarei para meu quarto e escutarei sobre cada um. Posso fazer algumas anotações sobre eles se você quiser.

Para ele, anotações não tinham importância, então só concordou de maneira superficial enquanto limpava os lábios finos e enrugados com um guarda-napo branco. – Faça o que você quiser, Valentina.

Virando-se para os assassinos, ela esticou um sorriso e puxou suas mãos, conduzindo-os para a escada que se localizava ao centro do salão. Aparentemente, Valentina possuía dezoito anos, mas na verdade acabara de completar seissentos e cinquenta. Através de uma magia que ela mesma inventara, possuía os cabelos pintados de um tom rosado mais exuberante que o de Maisha. Uma das mexas era amarela-esverdeada ao lado esquerdo e bem próxima à franja, os fios eram são lisos e longos, mas naturalmente eram pretos. Sua pele era clara e a pigmentação de seus olhos era composta por uma estranha mistura de azul com tons de violeta; o que os tornava mais misteriosos do que o comum.

Era uma mulher sexy e delicada, mas quando rapazes a conhecem melhor percebem que ela não é tão sútil e que as aparência os enganaram. Ela era magra e um pouco baixa, os mais íntimos (vulgo Allan e Sarah, seus melhores amigos) faziam brincadeiras com a sua altura e seus atributos físicos são eram bem desenvolvidos. Tinha o costume de desenhar um coração debaixo do olhos esquerdo e suas roupas variavam dependendo do momento, ou seja, ela poderia se vestir de maneira pouco vulgar ou bastante comportada. Parecia uma criatura mística graças à sua alegria contagiante. Acompanhando-a ao longo do corredor dos dormitórios, por fim entraram ao quarto que se localizava ao fim do corredor. Valentina fechou a porta atrás e os deu um tempo para se acostumarem com seu ambiente particular e minimalista.

– Muito bonito o seu quarto – Stefan elogiou caminhando ao redor do cômodo.

– Eu prefiro você – a líder rebateu atrevidamente.

Analisando-os, Ás Constanza corou ao sentir o clima da luxúria se formando. A cama colonial de Valentina tinha dois lugares - dois lugares muito bem aproveitados, pois ás vezes nos finais de semana ela saía do castelo para seduzir os homens do vilarejo e os trazia para "dormirem" com ela; pelo jeito que cortejava Stefan desde o primeiro momento que o viu, ele seria o próximo sortudo a foder alguém da realeza. Na penteadeira jaziam seus perfumes, joias e papeis. Seus livros preferidos estavam nas prateleiras da estante. Em uma das paredes havia um crucifixo enorme, ela achava que esse símbolo era perfeito para enfeite porque a lembrava de antigos símbolos pagãos e já que nasceu menos de um século antes da caça às bruxas começar na Europa havia estudado tudo relacionado ao assunto de religião e magia negra, as outras paredes eram pintadas de púrpura, a cor da intuição. Ás Constanza sentou-se no tapete e Stefan fez o mesmo.

A líder arrastou uma cadeira e ficou à frente deles. – Como seu nome começa com A, na ordem alfabética você é a primeira!

Ás assentiu e desviou os olhos para um canto do quarto. – Nasci em El Salvador. À beira do famoso Lago Ilopango fui criada por minha mãe. Nós nunca tivemos uma relação muito saudável, nos encontravámos apenas durante as refeições. Meu único prazer na residência pequena em meu país eram as visitas do meu tio russo, Sergei Alexeiev Ivanovitch. Em uma dessas visitas, fugi com ele para Moscou. Lá fui criada mais rigidamente, frequentando uma escola militar. Apesar de toda a seriedade e das privações, o ambiente era muito cômodo. Minha mãe abriu um processo contra meu tio e eu tive que voltar para El Salvador. Como um ato de rebeldia e recusei a ter cabelos parecidos com os dela, a cor original deles é um ruivo vivo, então descolori meu cabelo e passei a recusar a ter qualquer conversação que durasse mais de um minuto com minha mãe. Por isso, nunca fui muito boa em me relacionar com outras pessoas.

Como Obel não demonstrou muito entusiasmo quando Valentina o sugeriu as anotações, ela não estava anotando nada. – E quais são suas habilidades?

– Devido ao meu tempo em uma escola militar, desenvolvi diversas habilidades que eram cobradas. Gosto de pistolas pequenas, podendo estas estarem carregadas com veneno ou balas comuns. Costumo esconde-las em lugares inesperados e não me arrepende depois de um tiro. Confesso que sou excessivamente segura de mim mesma, por isso ataques inesperados costumam me desorientar, além disso golpes nas costelas costumam me afetar com bastante intensidade.

– Estou contente de ter alguém a Ás como aliada – ele disse e depois começou a revelar seu passado. – Nasi no século dezenove no meio da maior guerra civil já vista, mas tive uma infância normal apesar de os meus pais nunca me cederem atenção. Acho que tinham mais orgulho de minha irmã que era bailarina e musicista enquanto eu não tinha especialidade nenhuma além de tirar boas notas na escola. Quando fiz dezesseis anos conheci uma garota "diferente" e atraente no internato católico onde decidiu morar depois que fugi de casa. Ela era uma vampira, nunca se misturava com os outros e estava sempre estudando na biblioteca. Quando começamos a andar juntos Serena me levava para passeios noturnos onde ela caçava animais. Todos nossos encontros foram desse jeito, ás escondidas. Certo dia uma perseguição se deu início em minha pequena cidade e os padres descobriram de que Serena era uma sangue-suga. Com tochas e foices, ameaçaram matá-la então nós fugimos. Depois disso, ela me transformou. Vivemos anos felizes nas florestas de Vancouver, mas Serena conheceu outro clã de vampiros e me abandonou, nunca mais voltou ou deu notícias. Ressentido, resolvi largar toda a minha bondade para trás e me tornar um assassino com o intuito de caçá-la e me vingar.

Por isso Stefan havia sido tão educado com o Imperador, um vampiro experiente sabia controlar seus impulsos, era uma regra fundamental para viver na sociedade. Embora tivesse passado muito perto de esmagar seu crânio, controlou seus instintos primitivos. Valentina sentiu certa pena dele, mas isso não impedia de sentir uma atração fatal.

– Por hoje é só. Boa sorte lá na cabana – desejou ao se erguer e abrir a porta do quarto para eles saírem.

Ao deixarem o castelo, foram para sua cabana pelas sombras dos becos. Ás compreendia que Stefan não poderia se comprometer em futuras missões durante o período diurno ou matutino e que deveria auxiliá-lo a conseguir sangue quando precisasse, assim diminuiria as chance de ser acidentalmente devorada. Tentaria não ser desastrada, pois se qualquer arranhão que expelisse sequer uma gotícula de sangue era um risco. Ao chegarem à nova moradia, encontraram suas malas em cima do sofá. Seu aliado pôs a bolsa em que portava seu rifle ao lado da mesa do abajúr e abriu a outra mala, retirando uma bolsa de sangue que havia furtado de um hospital antes de vir. Havia umas vinte bolsas estocadas entre suas roupas, maior parte da tipagem era A, mas ele achava a tipagem O mais suculenta. Esticando o plástico, o furou com seus caninos pontudos e se alimentou.

Do outro lado da sala, ela esboçou uma expressão de pavor. – Há algum risco de você me atacar se o sangue acabar?

– Talvez, se não arrumarmos uma vítima antes de eu perder o controle. Uma vez eu estava numa lanchonete com Serena e entrou um garoto que havia sido recém-operado. Os pontos abriram e o vermelho manchou sua camiseta. Saltei por cima das mesas e torci seu pescoço antes de mordê-lo. Tivemos muito trabalho para escapar quando a polícia chegou. Não quero fazer isso com você.

– Ah sim... – Ás forçou um sorriso e deu as costas encabulada. Na cozinha, percebeu que sentia fome, mas não havia nenhum alimento nos armários. Chamou-o dali onde estava, elevando a voz. – Você sabe em qual horário vamos para o refeitório? Ouvi dizer que é por lá que nós almoçamos e jantamos, não sei se tem um horário específico.

– Não – Stefan respondeu baixo.

– Você quer vir? – ela perguntou quando voltou para a sala.

Ele lambia os dedos por onde o sangue escorria, o canto de seus lábios também estava sujo. – Sim, vai ser legal.

– Eu não tenho tanta certeza, mas você estranhamente faz eu me sentir segura.

– É por que ninguém mexe com um vampiro – ele passou um braço ao redor de seus ombros e saíram.

Seguiram outra dupla de aliados que descia a ladeira em direção ao refeitório dos cidadãos comuns, foram barrados pelos guardas que indicaram um outro refeitório ao leste. Andando mais alguns metros, finalmente encontraram o local. Passaram por catracas e antes de escolherem a mesa se introduziram na fila que se formava no balcão do self-service. Era um ambiente limpo, inodoro e abastecido com cores frias; o que não era agradável, porém transmitia um aspecto de credibilidade quanto à comida. Ás pegou um cappuccino e um sanduíche de frango com pão integral. Ela não queria se empanturrar, apenas fazer com que seu estômago parasse de roncar. Ao aquietarem-se à uma mesa longe da luminosidade das janelas, analisaram os outros assassinos que iam chegando.

Na mesa vizinha estavam Anna e Kenshin, conversando sobre quais eram seus planos para o resto do dia. Eles não estavam comendo nada, haviam acabado de voltar da torre no parque onde bateram de frente com a hospitalidade dos fugitivos Ian e Rebeca.

– Vou treinar um pouco – ela impôs.

– Eu estou com preguiça, mas se você quiser posso ir te assistir – Kenshin sugeriu com sua cabeça deitada sob a mesa. Estava bem abatido de sono.

Anna dispensou. – Não, obrigada. Não preciso de plateia.

E na mesa logo atrás haviam Jinx e Jadine discutindo.

– Estão todos nos observando com desprezo porque sabem que fomos nós. Eu nunca me arrependi tanto na minha vida – ela resmungava como fosse chorar, escondendo o rosto entre as mãos.

Jinx a puxou pela gola da blusa, tentando silenciá-la. – Cala a boca, ninguém suspeita de nada, então relaxa.

– É engraçado como você acredita que não vão acabar descobrindo –retrucou, dando-a um empurrão.

– Quer saber? É melhor você trocar de aliada logo, eu não aguento mais você – admitiu grosseiramente.

Jadine pegou seu copo de milkshake e se levantou para trocar de mesa. Resolveu juntar-se à Dorothy e Maisha. Ás Constanza sentiu um pouco de pena de Jinx, mas não quis fazê-la companhia, preferiu saborear sua bebida cremosa com seu vampiro guardião.

– Essas pessoas se odeiam – Stefan comentou um pouco indignado. – Não tenho certeza se não vão se matar até o fim desse ano.

– Seria unânime se não fosse por nós, ainda bem que nos demos bem.

– Até eu estourar sua jugular e te deixar aos pedaços.

Ela arregalou os olhos. – Não seja um babaca.

– Estou brincando Ás, você é uma exceção.

– Conto com isso.

Nas catracas, Jean e Sydney chegaram aos risos. Suas vozes preencheram o refeitório, o que amenizava o clima constrangedor e de rivalidade entre as duplas, fortalecendo a ideia de que mesmo em meio aos problemas a alegria deveria prevalecer, mas era somente uma máscara; eles estavam disfarçando o quanto estavam tensos pelo fato de terem abrigado Greta. Escolheram uma mesa ao canto e no instante em que começaram a devorar os biscoitos que compraram voltaram a ser tão discretos quanto sempre.

***

Jinx se levantou para jogar seu copo descartável de café na lixeira e encontrou Maisha. Elas se fitaram e não puderam evitar de conversar.

– Bom dia – a cumprimentou.

– O que você fez ontem foi muito corajoso, eu não tenho palavras para dizer o quanto sou grata. Se não fosse por você, eu teria sido expulsa.

– As pessoas não são expulsas daqui, elas são eliminadas. Depois que entram aqui, não podem mais sair. O imperador leva isso à sério.

– Por quê você não vem se sentar conosco?! – Maisha sugeriu, dando uma rápida espiada na mesa onde Jadine e Dorothy conversam intensamente como se estivessem bolando um plano.

– Não, eu estou bem sozinha – recusou, se locomovendo de volta ao lugar onde foi abandonada.

– Vou ficar aqui com você – ela afirmou, botando uma de suas mechas rosas atrás da orelha.

Jinx não conseguia parar de olhar para Maisha. Talvez fosse seu cabelo ou o jeito como se vestia, ainda não tinha descoberto o que havia de tão interessante na garota circense.

– O que você tinha dentro da mochila que eles não podiam ver? – questionou e depois refletiu "Será que são bombas? Se o guarda tivesse visto a culpa pela explosão da fonte teria caído toda em cima de você".

– Não sei se posso te contar – sussurrou.

– Fui eu quem explodiu a fonte, trouxe bombas caseiras comigo. Fiz elas com um cano de PVC e pólvora, então o resultado é similar com o do dinamite.

Ficou encantada. – Sério?!

– Um segredo em troca de outro. Agora me conte o seu – manipulou.

– Isso não foi um jogo justo!

– Não sou justa, baby.

– Ok... – Maisha suspirou, sem saída. Acabou se rendendo. – Eu trouxe um pequeno filhote de leão.

Jinx primeiro hesitou e depois selecionou as palavras minuciosamente. Não queria parecer que estivesse o rejeitando ou disposta a denunciá-la. – Como você teve coragem de trazer um inocente para esse lugar?

– Ele é tudo o que me resta, não podia deixá-lo sozinho!

Jadine e Dorothy se viraram para a mesa delas. Sabendo o que elas queriam, Jinx e Maisha interromperam a conversa sobre segredos de imediato.

Sua aliada se aproximou, determinada. Pôs uma mão sob seu ombro e sorriu falsamente. – Eu e Dorothy estivemos conversando e como ambas não estávamos contentes com nossas aliadas, entramos num acordo e resolvemos trocá-las.

Jinx se exaltou, empurrando-a entre as cadeiras. – Você não pode me deixar na mão assim, sua cretina.

– Eu estou falando sério Jinx, me deixe em paz. Você é muito irresponsável para mim – Jadine disse com firmeza, cambaleando e se afastando alguns metros. – Se me fizer algo de ruim, vou te fazer pagar e você vai se arrepender.

E depois de dar uma breve espiada ao redor, se retirou do refeitório como se tivesse vencido a discussão.

– Aproveite seu tempo com ela, Maisha. Acho que vocês vão se dar muito bem - Dorothy disse um pouco envergonhada e cabisbaixa, antes de correr atrás de Jadine como seu novo cachorrinho. Temia Jinx.

De volta á mesa de Ás e Stefan, eles compartilharam suas ideias.

– Você tem razão, estamos de volta ao colegial – ela confirmou, frustrada. Deu uma última mordida em seu sanduíche antes de finalizar. – E de uma maneira mais vocífera. Eu estou com medo do que está por vir.


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Notas finais do capítulo

Como vocês perceberam, esses são os últimos assassinos a serem apresentados.