As Crônicas de Astra escrita por Fantasius


Capítulo 6
Memórias - Joanis


Notas iniciais do capítulo

Nada a declarar



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Joanis entrou nos aposentos de Alminus. O quarto era muito grande, divido em três patamares. O teto era oval e feito de vidro, de maneira que se podia ver o céu. Os moveis, apenas olhando, podia se observar que eram nobres. Ali no térreo, no fundo, onde havia um grande vitral, representando cenas de luta em meio a um mar de luz, havia um grande trono branco, onde estava sentado um velho. Sua longa barba branca, que chegava à altura do peito e estava trançada nas pontas, se mesclava com as vestes também alvas. Segurava um grande cetro dourado na mão esquerda e na direita uma bela taça cravejada de cristais.

– Bem vindos – disse Alminus, sua voz embora cansada, ecoou firme por todo o salão – Por favor, se sentem. – ele sorriu de forma doce, enquanto gesticulava na direção de duas cadeiras de cristal que surgiram ali – Não tema milady Joanis, minha magia não fere inocentes.

Então aquele senhor era também um mago, além de senhor de Garidis. Idrian fez uma reverência antes de se sentar na cadeira da esquerda e Joanis repetiu o gesto, de maneira errada, pois não estava acostumada a frequentar casas nobres, e assumiu o outro banco. Alminus apoiou a taça em uma pequena mesa de vidro que ele fez surgir ao lado dele.

– Aceitam algo? – perguntou o mago – Por favor, milady Joanis, não se assuste se eu usar muito meu sangue mágico; sei que tem um pouco de receio das artes mágicas.

A menina suspirou, não queria demonstrar medo, havia dito que seria forte, independente do que acontecesse. Não demonstraria fraqueza perante nenhum mago.

– Realmente senhor, – respondeu, tentando não mostrar tristeza na voz – por anos magia me fez mal, mas foi magia que me trouxe até aqui. E vejo que nem toda magia é feita para o mal, depende de quem usa.

Ele riu. Do vidro da mesa se materializaram duas belas taças já com vinho, os quais Alminus estendeu a Idrian e a Joanis.

– Senhor – começou Idrian – Creio que não é necessário...

– Calado Idrian. – disse de forma rígida e seus olhos azuis cintilaram – Eu sei o que faço. Sei que a verdade pode machucar, mas é o melhor.

O homem se calou e abaixou a cabeça. “Verdades?” se perguntou Joanis, tomando um gole de vinho.

– Milady Joanis – falou Alminus – Eu vejo suas correntes. E vejo aquilo que ela esconde. – por instinto a menina levou a mão ao pescoço – Sim, uma coleira negra.

– Senhor, foi minha madrasta, ela era uma bruxa. – respondeu sem traspassar medo – Ela usava para me controlar e quem conhece as palavras pode me controlar. É marca da minha escravidão.

– Milady – o mago tomou um tom triste – Essa coleira não está ai apenas para te escravizar, mas para esconder uma coisa. Eu sei o que é, e você também deve ver. – ele tocou a ponta do cajado na garganta da menina, e uma grossa coleira negra surgiu – Aqui está... – o pescoço da menina se iluminou e a coleira se desfez numa poeira dourada – Agora milady é livre. – disse, com um sorriso.

A menina levou a mão ao pescoço, acariciando-o, sem tocar o ferro negro. Anos com aquela coisa, sofrendo e obedecendo, e agora: enfim livre. Seu coração batia rápido de tanta felicidade.

– Obrigado senhor! – exclamou, enquanto lágrimas de felicidade brotavam de seus olhos – Muito obrigado!

Alminus sorriu de maneira triste. Idrian apenas esboçou um sorriso.

– Agora vamos a assuntos um pouco sérios. – falou o mago, colocando o cajado no lugar – Olhe para seu pescoço milady.

A menina olhou para baixo e no lado do pescoço se deparou com uma pequena marca no formato de dragão. A jovem acariciou o símbolo com um dedo.

– Isso é uma marca de nascença milady – o mago se levantou e desceu do trono – Vou lhe contar uma historia. Você deve saber dela, pois ela é sua. Conta sobre seu nascimento, sobre sua vida e nela é onde as respostas estão encontradas.

Enquanto o mago caminhava para o centro, Idrian aproximou a boca do ouvindo de Joanis, fazendo ela se arrepiar, então ele sussurrou:

– Seja forte. Pode ser chocante.

– Serei forte.

Alminus parou no centro da sala e bateu o cajado no chão, chamando a atenção dos dois. O chão emitia uma luz azulada no lugar que ele havia batido o cetro. Essa luz se intensificou, tomando a forma dum belo castelo com mais torres que Garidis. Um sol se punha nas montanhas da imagem, enquanto aves voavam no fundo. As janelas do salão pararam de iluminar e o cômodo ficou totalmente escuro, apenas com a luz da esfera que projetava o castelo, agora se aproximando, mostrando os belos vitrais. Joanis, agora já acostumada com magia, estava encantada.

– Essa visão é minha – o velho estava em tom melancólico, como se aquele lugar não mais existisse – Ela mostra o grande castelo de Pandorian, no auge de seus dias. Milady Joanis, creio que não sabe nada sobre esse lugar. Pandorian foi o mais prospero reino, , ele foi fundado nos dias antigos, o primeiro reino, e enquanto milhares de reis e seus reinos caíram, os reis de Pandorian fizeram seu reino prosperar e perdurar. É em Pandorian que sua historia começa.

“ Os últimos reis de Pandorian se chamavam Turin Goldragon e Anastácia Dragomir. Eram bons, como seus antecessores. Por anos eu os aconselhei, da mesma forma que fiz com seus avós. Pandorian tina tantos magos de luz que o lugar era impenetrável pelas forças das trevas. Porém, uma guerra explodia nas terras mais ao leste, uma guerra contra as artes das trevas. Magos malignos e demônios se agrupavam num exército colossal, tentando eliminar toda forma de vida que não tivesse sangue mágico, ou que se opusesse aos seus princípios, ao seu Movimento, como chamavam. Por vinte anos o céu sempre ameaçava tempestade e o clima era mais frio que o normal. Foram tempos difíceis, para todos. Eu, ao lado dos Pandorianos lutei em diversas batalhas, que sempre vencíamos. Éramos o exército mais odiado pelo seguidores do Movimento Escuro. Por anos eles tentaram furar as defesas do castelo de Pandorian, mas nada surtia efeito, sempre conseguíamos expulsá-los. Com o tempo começamos a juntar todos os cavaleiros e magos, ou pessoas que podiam lutar, num grande Exército nos portões do reino. E naquela época o Movimento ficou ainda mais forte, destruindo e queimando tudo que encontrava pela frente. Foi naquela época que a rainha Anastácia teve sua primeira filha. A criança nascera com uma marca no pescoço, uma mancha no formato do dragão que era símbolo de Pandorian. Aquele bebê, era você Joanis.”

O coração de Joanis parou por um momento. Ela uma princesa perdida dum reino poderoso? Impossível. Ela era apenas uma ex-escrava. A jovem encarou a imagem da criança na esfera de luz, tinha os mesmos olhos castanhos e a mesma marca no pescoço. Então, antes que ela, ou Idrian, pudessem dizer algo, Alminus voltou a falar:

– Ela foi à alegria do reino, embora ele estivesse em guerra. E a guerra aconteceu nos portões de Pandorian. – a imagem mudou para um campo de batalha, onde magos, cavaleiros e feras demoníacas se enfrentavam – Foi uma das batalhas mais sangrentas, milhares de mortos para ambos os lados. O próprio Exército de Pandorian quase fora dizimado naquele dia, onde aparentemente todas as forças do Movimento caíram sobre eles, porem vencemos. – a cena agora mostrava um campo cheio de mortos, com pessoas levantando armas para cima, enquanto gritavam – Assim achávamos.

“Na noite seguinte, após as pessoas se recuperarem e os feridos forem totalmente recolhidos do campo, ouve uma grande festa, para comemorar a vitoria sobre as forças sombrias. Anastácia e Turin dançaram como nunca no grande salão dourado. As pessoas comemoram e beberam a noite inteira. E com a aurora veio a maior surpresa que poderíamos ter.” a imagem mudou para as planícies de Pandorian, onde uma grande mancha negra se deslocava em direção a cidade e ao castelo “Nos não havíamos vencido a guerra, apenas uma grande batalha. O exército do Movimento era maior do que poderíamos imaginar. Milhares e milhares de demônios, em meio a muitos magos, como se o inferno tivesse vindo ao mundo. Naquele dia fomos dizimados. O céu escureceu, pois o Senhor do Movimento estava entre eles, o homem mais próximo dos diabos estava naquela luta. Sabíamos que tudo que fizéssemos seria inútil contra Ele e seu grande exército. Mas lutamos, os feridos se levantaram de seus leitos e avançaram, os bêbados se apoiaram e seguraram suas armas e juntos avançamos contra a morte.”

Uma lágrima escorreu pelo rosto de Alminus. O coração de Joanis batia rápido. Que historia era aquela? Era ao mesmo tempo em que fantástica, era triste. E o mais incrível, segundo o mago, se tratava dela.

– Fomos massacrados. O chão se tingiu de sangue e Pandorian ruiu. – a imagem mostrou o castelo desmoronando, enquanto queimava – O Senhor havia vencido e pessoalmente ele entrou no castelo de Pandorian e matou seus pais Joanis. Você estava no colo de sua mãe naquele dia e chamou a atenção Dele. Sua marca representava poder, representava o sangue de Pandorian, o sangue dos reis antigos. E o seu sangue continha poder, ele apenas tinha que esperar ele se amadurecer. Com isso, Ele lhe pegou e te levou para longe. Parte do exército de Pandorian conseguiu fugir e começou a montar uma resistência. Estávamos em menor número e com medo. Nosso mundo, tudo que conhecíamos se despedaçava sobre a ameaça do Senhor. Mas tínhamos que tentar, tínhamos que salvar nosso mundo das garras daqueles demônios. Agimos em segredo por dois anos, até que recebemos uma noticia que nos alegrou: as criaturas do submundo haviam se rebelado e estavam destruindo tudo ao seu redor, inimigo ou aliado. Em poucos dias, o exército do Movimento estava diminuído e enfraquecido, quase dizimado. Foi nesse momento que atacamos e derrotamos eles. Foi uma luta difícil, pois estávamos em menor numero e com poucos magos, mas vencemos. Naquela noite nem mesmo o Senhor pode fazer frente contra o ultimo exército de Astra. Encurralado, quase morto, ele resolveu fugir, levando você Joanis. Obviamente que foi perseguido, mas não capturado. “A pobre criança se perdeu, e quando ela tivesse idade, o sangue dela iria reerguer o mais temido monstro que Astra já viu.”

Alminus deu uma pausa. Joanis suava frio, seu coração batia rápido, porem ela não demonstrou nenhum sinal de medo, embora quisesse gritar e sair dali. Ela olhou para Idrian, ele estava com cabeça abaixada, como se fosse culpasse de algo. A marca em seu pescoço ardia levemente. Então o mago tornou a falar:

– Demos a guerra por acabada. O Senhor, como tínhamos visto na ultima luta, estava destruído. – a cena mostrou uma cidade em ruínas, milhares de mortos pelas ruas e um castelo destruído com suas torres no chão – Isso é Pandorian hoje. Sem herdeiros o reino pereceu, não foi reerguido. O mundo depois da guerra estava diferente. A magia havia desaparecido, seus praticantes tinham medo de serem julgados, os seres mágicos se ocultavam, mas ainda existiam. O tempo passou, anos de paz, sem a ameaça Dele. – a imagem mostrou a cidade de Garidis – Eu voltei para meu lar, Garidis, casa de meus antepassados, onde podia praticar magia sem medo. – a luz retratou alguns vilarejos de Astra, normais, sem magia – A magia nesse dezoito anos de paz foi esquecida, sendo lembrada apenas nas lendas antigas. – a luz então se apagou e as janelas voltaram ao normal, revelando um céu estrelado. A sala estava escura, sendo iluminada levemente por uma luz fraca que saia do cajado de Alminus – Joanis, agora nos conte como chegou às posses daquela demônia.

Joanis não queria chorar, não podia chorar, havia dito que seria forte. Tentou falar, mas as palavras não saíram. A marca do dragão queimava com força, como se estivesse sendo marcada com fogo. Sua visão estava embaçada, sua mente confusa e sua alma despedaçada.

– Senhor – disse ela entre lágrimas – Não pode ser verdade! – exclamou a menina, se levantando – Sou uma escrava! Não uma rainha!

Ela tentou correr pelo salão, em direção à porta, porém antes que desse dois passos, Idrian já estava de pé, segurando-a e encarando-a com olhos severos. Alminus, caminhava lentamente em direção a menina que chorava com a dor no pescoço.

– Eu não estou mentindo Joanis – falou o mago e a ponta de seu cajado se iluminou, e uma coroa apareceu pairando entre eles – Essa é a coroa da Senhora de Pandorian e este é a corrente de Pandorian, que a senhorita recebeu quando nasceu – um colar com elos dourados, segurando um dragão de diamante, surgiu nas mãos de Alminus, que colocou no pescoço da jovem – Esse colar está ligado a sua marca, que está ligado ao sangue de Pandorian, que por fim está ligado ao sangue dos primeiros reis.

Os elos dourados entraram em contato com a pele de Joanis, tocando a marca e fazendo-a emitir um brilho dourado. Sua visão nublou e ela viu uma mulher sorrindo, viu castelos e guerras, gloria e dor, então a visão voltou ao normal e ela se viu olhando dentro dos olhos azuis de Alminus,

– E então? – perguntou o mago – Menti?

– È verdade. – respondeu a menina, tentando não chorar mais – Meus pais, minha família, meu reino, tudo queimado... Mas, quem foi o homem que cuidou de mim, aquele que eu chamava de pai?

– Milady, isso não posso responder, pois não sei de tudo. – falou Alminus – Embora eu saiba de muito.

Idrian abraçou Joanis, que se soltou e se afastou.

– Eu não preciso disso Idrian – falou ela, tentando se manter firme, embora o dragão no pescoço ainda ardesse, mas com menos intensidade – Disse que seria forte.

Alminus riu.

– Você tem sangue forte, sangue dos primeiros reis – falou – Mas, não podemos simplesmente te esconder aqui em Garidis, temos que anular o poder na sua marca. Não aquele que lhe liga aos reis antigos, mas a parte que alimenta as trevas.

Então era isso: fora levada até ali para ser morta para impedir que um poderoso tirano se reerguesse e acabasse com Astra.

– Sim senhor – começou Joanis – pode me matar pelo bem de Astra – ela fechou os olhos, esperando um raio de fogo, ou coisa assim. Mas nada aconteceu – Senhor?

– Eu não vou te matar – Alminus riu – Não faria isso com a herdeira de Pandorian. È algo mais complexo, para que ninguém morra. Mas será arriscado...

– Não me importo – interrompeu Joanis – Irei até o Fim do Mundo se necessário.

– Digamos que isso que terá que fazer. Existe um lugar no extremo oeste, onde o mundo acaba, as terras do poente, depois de lá e só escuridão e morte, lá poderes tão antigos quanto o tempo estão lacrados, poderes que conseguiriam anular parte do poder contido no seu sangue. Seria perigoso e uma jornada demorada. Ninguém nunca voltou vivo do Oeste, mas creio que você conseguirá, pois tem sangue daqueles que vieram do Oeste. – Alminus suspirou – Infelizmente não posso dizer que pode negar...

– Eu irei – falou Joanis com firmeza – Mas, - ela olhou para Idrian – desde que Idrian vá comigo.

O rosto de Idrian se iluminou.

– Sim eu irei contigo – concordou ele.

– Evidente que não iria desacompanhada! – exclamou o mago – Com vocês irá também Thor e quem mais quiserem. Não irei exigir que partam agora, mas o mais rápido possível. – ele olhou para cima, para o teto estrelado – Podem se retirar. Tenho que consultar os astros antes de dar inicio ao festival de inverno.

Alminus faz uma reverência para Joanis. O coração da jovem batia rápido, tanta coisa, em tão poucos dias. Um dia era uma escrava, no outro herdeira dum reino acabado. Saiu a passos largos do salão junto a Idrian.

– Milady Joanis – disse o homem, quando já estavam no pátio – irá dar tudo certo.

A jovem arrumou o cabelo atrás da orelha.

– Me chame apenas de Joanis – respondeu – Que os deuses lhe ouçam Idrian...

Joanis levou a mão para seu colar. Passou os dedos pelo relevo do dragão e olhou para as estrelas. “Será que tudo isso é realmente verdade?” Um vento frio vindo do mar passou por eles, fazendo os pelos dela se arrepiarem. Seu mundo havia mudado, não havia duvidas. “Verdade ou não, irei fazer isso...”

Uma pequena estrela cintilava de maneira estranha naquela noite e como um pressagio de morte, ela se apagou.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capitulo e da capa nova. Até sexta.



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