Branca de Niev escrita por Dark Cendrillon


Capítulo 2
A madrasta má




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Uma das rainhas mais jovens e amadas que o mundo já vira foi velada com pesar por Niev, Wint e outros pequenos reinos vizinhos recém-conquistados pelas guerras iniciadas por Francis. Mesmo os pais de Bianca deixaram as desavenças de lado para dar um último adeus à sobrinha. Bianca não tinha forças para levantar-se da cama, além de saber que se encontrasse Francis poderia cravar um punhal em seu peito sem pensar duas vezes e iniciar uma guerra sem precedentes entre os dois reinos, o que colocaria em risco a vida da pequena Branca.

Um burburinho começou a se espalhar em Niev. A ausência de Bianca no velório de Maya quando até mesmo o rei Ian estava presente fez com que o povo passasse a comentar que a inveja da princesa de Wint era maior do que o ódio entre os irmãos Kal e Ian. Lacunas começaram a ser preenchidas, e logo concluiu-se que Bianca nunca aceitou que sua prima mais jovem - e agora mais bela - conseguira casar-se, tornar-se rainha e mãe antes que ela pudesse encontrar um pretendente sequer. O isolamento da princesa nos meses seguintes reforçou a imagem que todos tinham dela, de uma mulher dura e fria, que passou a se consumir em sua inveja mesmo após a morte da rainha de Niev.

Passado o período de luto, Francis liderou um ataque a Wint. Ignorando qualquer negociação ou tratado de paz, o rei dizia que a guerra voltaria a unificar os dois reinos e invadiu com toda a sua força militar as terras de Ian. A resistência foi grande, mas em um golpe traiçoeiro em que fingiu tentar negociar uma trégua, Francis matou o rei e a rainha de Wint e manteve Bianca como prisioneira. Sem seus líderes, as tropas e o povo acabaram se rendendo e aceitando Francis como rei e o retorno de Ayer.

O tempo de paz durou poucos dias. O povo de Wint não conseguia aceitar a nova situação e boatos de uma revolução para salvar a princesa Bianca e expulsar as tropas de Francis do reino começaram a fervilhar em cada esquina. Os boatos chegaram aos ouvidos da princesa, que mesmo feita prisioneira, já começava a arquitetar uma fuga seguida da retomada de Wint.

Estava tudo pronto para que na manhã seguinte a fuga fosse realizada com a ajuda de alguns guardas comprados pelos rebeldes de Wint. Mas naquela noite Bianca recebeu uma visita inesperada. Levantou-se ao ver as chamas de uma tocha iluminando os corredores sombrios da prisão. O silêncio total foi quebrado pelos estalos do fogo e os passos lentos daquele que ela nunca mais gostaria de ter que encarar:

– Francis?

– Rei Francis de Ayer. Em pessoa, minha cara prima. Você acha que eu não ouvi falar sobre uma certa fagulha de revolução? Sobre meia dúzia de mortos de fome com ideais ambiciosos que querem tirar o que é meu? Pois eu ouvi sim, e vim aqui para dizer que perca as esperanças, porque isso jamais acontecerá.

– Em primeiro lugar: não há mortos de fome em Wint. Somos um reino próspero que dá condições de vida digna a todo o seu povo. Em segundo lugar: não há nada de seu aqui. Não ouse tocar em nada que é de meu pai com suas mãos imundas, imundas do sangue dos inocentes que você derrubou para chegar até aqui. E em terceiro lugar: não pense que eu sou tola. Se veio até aqui por simples rumores é porque está se sentindo ameaçado.

– Sempre querendo ser a espertinha, não é? O lado Wint da família sempre foi mais difícil, mas nem vocês e nem ninguém em Niev é capaz de deter a ascensão de um verdadeiro rei. Eu sou o grande conciliador que vai acabar com essa divisão estúpida e trazer Ayer de volta... e cada vez maior! Você não vai me deter, priminha. Pelo contrário, você vai ser a mesma coisa que a Maya...

– Não ouse mencionar o nome dela, seu imundo! - Bianca gritou, tentando enfiar as mãos pela grade que a aprisionava e alcançar o pescoço de Francis.

– Não ouse você, Bianca - Francis agarrou o braço de Bianca e aproximou a chama da tocha que carregava de sua pele - eu poderia te incendiar aqui, agora mesmo, sua bruxa! Vê-la queimar, gritar, finalmente se curvar diante de mim. Mas você seria uma mártir e eu um covarde - ele afasta o fogo do braço da princesa e a solta - como eu disse, quero que você seja a mesma coisa que minha rainha foi. Um degrau. Eu vou pisar em você, te usar para subir e depois te descartar.

– Eu achava que você era prepotente, mas agora tenho certeza que é completamente louco. Eu sempre vou me arrepender do dia em que disse para a Maya ser forte e casar contigo. Deveria ter fugido com ela, deveria ter impedido que você a matasse!

– Mas não impediu. E sabe o que sobrou da sua querida Maya? A Branca. A adorada princesinha Branca de Niev, como a chamam. Se essa revolução estourar, eu mesmo vou enfiar uma adaga naquele pequeno coraçãozinho e colocar a culpa nos rebeldes. Todos vão se levantar contra eles e prestar solidariedade a mim, o pobre pai que perdeu a mulher e a filha em menos de um ano. Eu serei o mais adorado e você e seus mortos de fome serão linchados em praça pública.

– Monstro! - Bianca tinha os olhos brilhando de ódio e lágrimas - eu não vou permitir que você a machuque, não vou!

– Eu sei que não. E é por isso que você vai se casar comigo.

Bianca se calou. Em um segundo tudo começou a fazer sentido e ela entendeu o objetivo daquela visita. Casar-se com ela seria a única forma legítima de unificar Wint e Niev e restabelecer definitivamente o reino de Ayer sem que Francis precisasse enfrentar revoltas pelo resto de sua vida. Encerrar a guerra era a única forma de manter Branca a salvo e cumprir a promessa que ela fizera a Maya. Aquele casamento representaria o fim da sua felicidade, o início de uma era de horrores sob o domínio de Francis, mas também seria um caminho para que ela pudesse cuidar de Branca de perto. A princesa de Wint precisaria fazer um sacrifício pessoal para que o desejo de Maya fosse concretizado e as vidas de Branca e de centenas de outras pessoas fossem poupadas evitando mais uma guerra.

Na manhã seguinte, o castelo de Wint tinha a bandeira de Ayer hasteada. Francis levou Bianca para fazer um grande pronunciamento e os rebeldes já preparavam uma forma de resgatar sua princesa. Entretanto, no momento em que ela apareceu com um manto das cores de Ayer, um profundo silêncio tomou conta do local até ser quebrado pela voz fria e potente de Bianca. Cada palavra trazia o peso e a dor dos milhares de destinos que estavam sendo selados naquele momento.

– Amado povo de Wint. Muitos de vocês, assim como eu, nasceram em um reino unido e próspero que acabou separado pois nossa família não sabia resolver suas diferenças internamente. O rei Francis, de Niev, trouxe de volta esta união e novos tempos virão sob o seu comando. Eu, a ex-princesa Bianca de Wint, hoje venho com orgulho declarar o fim da guerra, o fim das revoltas e o fim definitivo da divisão entre Wint e Niev. Qualquer tentativa de revolução será severamente punida para servir de exemplo aos que ficarem. Através da aliança mais forte e sagrada que duas pessoas podem estabelecer, eu declaro o fim do reino de Wint. Em breve eu serei esposa do rei Francis... e rainha de Ayer.

Indignação, desespero, revolta. O povo de Wint passou a nutrir ódio e temor por Bianca. Seu sacrifício era desconhecido por todos exceto Francis, e se os antigos moradores de Niev já a consideravam uma mulher fria e invejosa por causa de Maya, desta vez a jovem conseguira o desprezo até mesmo daqueles que a seguiam. Bianca passou a ser conhecida como uma mulher sem sentimentos, sem escrúpulos, capaz de tudo para conseguir poder, até mesmo unir-se ao suposto assassino de seus pais para aumentar seu domínio.

Francis, apesar de tudo, continuava sendo visto como um homem fraco, covarde e entojado, e não demorou até que se espalhassem rumores de que a própria Bianca havia sido a mentora do golpe e do assassinato de seus pais para tomar Wint. A firmeza, força e assertividade da jovem, incomuns para uma mulher em um meio machista, fizeram com que ela fosse vista como uma força sobrenatural, um símbolo de tirania e repressão, uma feiticeira talvez. E se tudo o que ela queria era proteger a filha de Maya, o que corria pelas ruas de Ayer era o lamento do povo por uma princesa tão adorável como a pequena Branca de Niev ter como madrasta a mais pérfida das mulheres.


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