Era uma vez, há muitos e muitos anos, um reino grande e próspero chamado Ayer. O local era comandado por uma família em crise e com a morte do rei, os dois príncipes herdeiros - que sempre se odiaram - partiram o território em dois: Kal ficou com Niev e Ian passou a reinar em Wint.

Apesar do passado conturbado e das brigas familiares que continuaram mesmo após a divisão do reino, Maya e Bianca, as filhas de Kal e Ian, sempre encontravam um jeito de estarem juntas. As meninas eram mais do que primas e mantinham uma relação de profunda amizade e proteção mútua, contornando todas as dificuldades para se verem e compartilharem seus segredos, angústias e alegrias. Quando eram crianças, elas descobriram uma pequena cabana pouco distante dos limites de Wint e Niev e a tornaram seu ponto de encontro.

Em uma tarde de inverno, Bianca esperava por Maya na cabana e já começava a se preocupar com a demora da prima, que quase nunca se atrasava. Andando ansiosa pela sala, Bianca pensava no que de ruim poderia ter acontecido e mil ideias brotavam para aumentar ainda mais seu desespero: "Ela é muito ingênua, confia em todo mundo, pode ter sido raptada", "Terá tentado pegar um atalho e se perdido no bosque? Eu já a alertei tantas vezes sobre os perigos de lá...". Os pensamentos de Bianca foram interrompidos pelos passos apressados do galope de um cavalo. Ela correu até a janela e respirou aliviada ao ver Maya surgindo ao longe e foi até a porta para receber a prima.

– Bianca! - a princesa de Niev desceu do cavalo aos prantos e se jogou nos braços da prima.

– Maya, o que houve? Por que você está chorando? Vamos, entre, não podem nos ver por aqui - disse Bianca, conduzindo-a para dentro e entregando uma caneca de chá quente que tinha feito enquanto a esperava.

– Papai quer que eu me case, minha prima. Com aquele nojento do primo Francis. Bianca, eu não quero!

– Mas casar? Já? Você é mais nova do que eu, o tio Kal só pode estar louco de te entregar para aquele pedante ambicioso que quase nem é da família. Não faz sentido.

– Faz sim, Bianca. OFrancis sempre quis governar Wint, mas o tio Ian nunca o achou um bom sucessor, então em vez de investir em você, ele começou a cercar meu pai com a desculpa de que havia rompido relações com o meu tio e quando conseguiu a confiança dele, pediu minha mão em casamento. Ele não é confiável, eu não quero me casar, mas não há nada que eu possa fazer.

– É uma boa estratégia, de fato. Até porque o Francis sabe que eu sou a herdeira de Wint e não me dobraria para um marido estúpido como ele. Ele te subestima, Maya. Ele acredita que você é manipulável e poderá ter o caminho livre para comandar Niev se casando com você. Mas ele não sabe o quanto você é forte, minha prima... o quanto é sensível e inteligente. Não há o que você possa fazer para impedir este casamento, mas você pode ser a rainha que Niev merece e não permitir que Francis arruíne tudo aquilo que seus pais lutaram para conseguir.

– Você tem razão, Bianca. Eu vou ser diplomática e deixar meus sentimentos de lado desta vez, guardar minhas energias para lutar quando for preciso. Tenho que ser sábia para ser uma boa rainha.

– Você é sábia, meu bem. Sua sensibilidade sempre te guiou para as melhores decisões, por isso você sempre foi meu coração...

– E você a minha força. Obrigada, Bianca.

O casamento de Francis e Maya aconteceu em pouco tempo. Por mais que tentasse, ele não conseguia se tornar o braço direito de Kal, que sempre acabava ouvindo Maya para resolver as questões diplomáticas e comerciais do reino. A perspicácia e inteligência emocional da jovem eram fundamentais nas decisões do rei e fizeram com que Kal resolvesse pequenos conflitos internos e melhorasse suas relações econômicas com reinos vizinhos. A princesa, apesar de ter apenas dezesseis anos, já era admirada pelo Conselho e pelos grandes nomes da corte, enquanto Francis parecia desmoralizado aos olhos do povo e era motivo de chacota pelo seu jeito arrogante.

Certo dia, cansado de ser sempre preterido por sua mulher, Francis convidou Kal para um jantar íntimo e envenenou o rei, assumindo assim o controle sobre Niev como sempre sonhou. Maya imaginava que o pai não tinha morrido por causas naturais, mas não tinha provas contra Francis e enquanto via o marido gastando todos os recursos do reino com grandes banquetes e guerras desnecessárias, ela descobriu que estava esperando uma filha. Conseguiu, pela primeira vez em muito tempo, marcar um encontro com Bianca na velha cabana.

– Maya, que bom te ver! - Bianca a abraçou - queria ter ido até você no velório de meu tio. Meu pai não permitiu que eu fosse, já que eles sempre se odiaram, mas eu dei um jeito e fui disfarçada, só não pude te abraçar. Eu sinto tanto.

– Também sinto muito, e sei que Francis teve alguma culpa nisso tudo, mas não tenho como provar. É horrível viver com ele, Bianca. Ainda mais agora que eu estou grávida.

– Grávida? E você está bem?

– Estou. Ela é a minha única esperança de um futuro com um pouco de alegria. Eu sinto que é uma menina, uma menina maravilhosa que herdará a sua força e o meu coração. Ela reinará com muita sabedoria quando tiver idade. E ela vai se chamar Branca, em sua homenagem. Será a princesa Branca de Niev.

Em poucos meses houve uma grande festa no reino para comemorar o nascimento da princesa Branca de Niev. Maya parecia ter os olhos cansados e uma aparência abatida apesar de estar feliz com a sua filha, e Bianca, que sempre conseguia uma forma de driblar os guardas da fronteira, a via de longe, preocupada com a saúde da prima.

Chegando a um encontro marcado na cabana onde sempre se encontravam, Bianca se viu diante de um dos criados de Maya no lugar da prima.

– Nicolaj? O que faz aqui?

– Alteza, bom saber que vim ao local certo. A rainha está muito doente, não conseguiu se levantar da cama esta manhã e pediu que eu viesse em seu lugar e entregasse esta carta.

Bianca sentiu um aperto no peito e, trêmula, abriu o envelope entregue pelo criado.

"Minha querida prima,

Sinto minhas forças indo embora a cada dia. Temo que Francis esteja me envenenando, como fez ao meu pai, mas com doses mais brandas, talvez para não afetar o bebê. Isto me preocupa, pois apesar de nunca termos nos entendido, esta atitude deve estar por trás de algo muito maior, muito maior do que eu. Poucos são os criados de minha confiança e nem sempre Nicolaj está por perto para me trazer o que comer e beber. Eu confio nele, por isso pedi que lhe entregasse esta carta. Prima, sinto que morrerei logo e sinto ainda mais que não tenha tido tempo de me despedir de você, mas antes que eu morra, imploro que cuide de Branca por mim... encontre uma forma de ficar perto dela custe o que custar, mas proteja minha pequena filha deste demônio que ela tem como pai. Eu sei que você vai encontrar um jeito, eu confio em você mais do que confio na volta do sol aos céus em cada amanhecer. Como não pude dizer adeus, estou mandando por Nicolaj também o colar que foi de minha mãe. Quero que um dia você o entregue a Branca, quando ela estiver segura. E nunca esqueça o quanto eu a amo.

Adeus,

Maya"

Bianca estava aos prantos quando terminou de ler a carta. Saiu em disparada da cabana direto para o palácio de Niev, passando por cima de guardas e soldados com a fúria de uma verdadeira fera, mas acabou capturada e levada de volta a Wint antes que pudesse dizer qualquer coisa a alguém. Seus pais a trancaram em uma torre e seus gritos pela prima puderam ser ouvidos por todo o reino durante sete dias e sete noites seguidas. No amanhecer seguinte, Bianca se calou.

Maya estava morta.