Fabrizio olha para Katerina e ela sente que não pode sustentar o olhar dele por muito tempo. Erik a ajuda a levantar e simplesmente sai dali. Ela viu que ele percebeu que havia algo de diferente entre os dois ali.

– Kat...

– Não é seu - ela afirma com uma certeza pouco convincente.

– Como você pode saber?

– Eu sei.

Eu sei que, neste momento, eu não quero que esse filho seja seu, é o que ela quer dizer.

Porém outra parte dela queria. Ter algo de Fabrizio perto de si, e não de Francis, seria bom demais para ser verdade. Para ela, os dois eram pessoas totalmente diferentes.

– Eu vou para Altulle, mas eu vou voltar - ele diz. - Quando você tiver esse filho, faremos o exame.

Se ele quisesse, eles poderiam fazer o exame neste exato momento, a tecnologia atual permite. Katerina percebe que ele quer dar um tempo para processar a ideia de que tem chance de ser pai.

– Mesmo que esse bebê seja seu filho biológico, nunca vai ser seu filho afetivo - ela rosna. - Esse filho é meu e você não vai tirá-lo de mim.

– Eu nunca pensei em tirar nada de você.

Mas você tirou, ela quer dizer. Você tirou o meu coração.

– Vá embora e nunca mais volte.

Ele sorri. Deus, que sorriso esse homem tem...

– Eu sei que você não quer isso de verdade.

– Você não sabe de nada - ela retruca.

– Eu sei de muitas coisas - ele a olha pela última vez. - Eu sei que esse filho é meu e que nós vamos ficar juntos no final.

Então ele vai embora, simples assim. Ele não lhe dá nem a oportunidade de dizer outra coisa e as palavras ficam engasgadas na garganta de Katerina. Ela sente que vai vomitar tudo aquilo em algum momento.

Então ela se lembra de Erik.

Está na hora dele saber, ela decide.

+++

– Que indelicado - Melanie reclama. - Os anfitriões deixarem os selvagens do norte tomarem conta da sala de jantar.

– Provavelmente eles foram fazer uma multiplicação - Savannah dá de ombros.

As pessoas só entendem alguns segundos depois.

– Katerina não parece o tipo de pessoa que sai da mesa de jantar para dar para o marido - Melanie retruca. - Mesmo assim, foi totalmente deselegante.

Melanie sempre fora a pessoa mais sincera de todos do grupo. Ela sempre disse o que pensava e não escondia os seus pensamentos de ninguém. Quando ela queria dizer algo, por mais vulgar que fosse, ela dizia com as palavras exatas que vinham a sua boca.

Quando Melanie se levanta, todos se surpreendem.

– Eu já volto.

Ela retira o guardanapo do colo e joga-o em cima da mesa de qualquer jeito e sai da sala.

– Como vocês se apaixonaram por essa selvagem? - Savannah pergunta a Josh e Andrew. - Eu nunca vou entender os motivos de vocês. Sempre achei que os irmãos Duninghan tinham um parafuso a menos na cabeça, mas depois disso...

– Ela é incrível - Josh solta e todos na sala sorriem ao ver como ele é apaixonado pela morena, menos Andrew.

Os dois irmãos já haviam disputado o coração de Melanie por muito tempo e quando ela decidiu entregar o seu para Josh, Drew não ficou satisfeito, mas também não insistiu mais.

Eu a respeito, foi o que o irmão mais novo disse a Josh quando ele o questionou sobre isso. Se um dia ela quiser ficar comigo, ela sabe que eu estarei a esperando.

Ele admirou a atitude de Drew. Quando Melanie pensou em desistir do relacionamento deles, Josh insistiu bastante. Ele tinha uma noiva e casamento marcado, mas mesmo assim não deixou com que isso o impedisse. Josh amou Melanie desde o momento em que ela foi apresentada a ele como namorada do irmão.

Eram tempos difíceis e uma guerra é impossível de ser evitada. Ela pode ser detida por um tempo, mas não pode ser esquecida. O povo está abrindo os olhos no norte e logo abrirá também a boca, fazendo com que os sulistas percebam quem os seus governantes são e pensem em como eles querem que as coisas sejam. Josh pensa que Katerina pode ser uma líder diferente, mas também pensa em como se enganou a respeito de Vincent, o cara que ele considerava ser o melhor exemplo e governante. As coisas mudaram e hoje ele sabe que não deve confiar em alguém que pensa que conhece.

Josh decidiu lutar pela causa dos Apátridas desde antes de receber o convite da parte do líder deles. Desde que ele descobriu que todas aquelas coisas horríveis aconteceriam no norte... Não, ele não podia suportar. Josh sabia que poderia morrer em uma batalha e que Melanie podia ficar sozinha, então achou, de certa forma, bom que tenha outro homem que a ame. Alguém como Andrew, que Josh tem confiança plena e sabe que é o melhor para ela.

Prometa-me, ele insistiu ao irmão antes de aceitar a oferta dos Apátridas. Prometa-me que se algo acontecer comigo, você vai cuidar dela.

Você não precisa pedir, Andrew falou na ocasião. Eu faria qualquer coisa por Melanie. Eu sempre vou protegê-la.

Eu não quero que você apenas a proteja, Josh disse. Eu quero que você a mantenha viva.

Ele havia prometido. Andrew prometeu e teria que cumprir, porque Josh sentia que a hora estava chegando e junto com a guerra, a morte.

+++

– Então você vai mesmo para Altulle?

– Sim - Alison afirma. - Está na minha hora.

– Então acho que nos vemos em breve - Valerie fala enquanto olha para os próprios pés balançando no ar.

– Eu gosto de você, Vale, mas eu já disse o que eu penso sobre isso. Eu não quero que Hec...

Valerie coloca o dedo indicador sob os lábios de Alison.

– Eu sei, mas não vamos falar sobre isso hoje.

A morena a beija e depois sorri.

– Vamos aproveitar essa última noite antes de você partir.

Alison concorda e deita a cabeça no ombro de Valerie.

– Como o seu pai reagiu quando você contou a ele a verdade?

Valerie dá risada.

– Ele viu em um programa de televisão - a morena conta. – Eu estava em uma festa e estava meio bêbada. Eu beijei uma garota e a imprensa estava lá. Bom, imagine a reação de Heinz Le Lëuken ao saber que a sua filha caçula é lésbica.

A morena olha para a loira.

– Meu pai e o seu acham que podem resolver isso - ela diz. - Sabe, a questão da minha sexualidade. Eles acham que isso é um problema que será esquecido com um casamento.

– Eles acham que é uma fase.

– Exatamente! Eu não consigo entender o que eles tem na cabeça, porque eu simplesmente não concordo com isso. Eu sou uma mulher que gosta de mulheres, entende? Isso deveria estar claro. Eu por acaso sou menos humana do que eles pela minha opção sexual? Por que o meu pai me repudia tanto?

– Vale, ele não entende...

– Ele vai perder todos os filhos. Leona nunca o suportou e Erik é um retardado que faz tudo o que ele manda. Mesmo assim, Leona e Erik estão em Frömming e é aqui que eles vão ficar. Eu vou ser despachada para Altulle e ele ficará com Ahnmach só para ele.

A morena olha para o céu escuro.

– Me pergunto se esse não era o plano dele desde o princípio.

– Como assim?

– Erik é considerado o rei de Ahnmach, mas estando aqui em Frömming com Katerina, não tem como reinar de verdade. Meu pai é, então, o rei. Quando ele morrer ou simplesmente abdicar, Leona terá que ir para Ahnmach reinar. Erik não fez nada pelo nosso país e nem parece muito interessado nisso.

– E se fosse você? - Alison pergunta. - Haveria algo de diferente para fazer?

– Ahnmach é o país mais homofóbico do continente Manske - Valerie fala. - Você entende como é difícil para mim lá? Discriminação contra homossexuais não é crime, como se fossemos outra raça. Quando você vai fazer uma queixa de calúnia em alguma delegacia, eles perguntam a sua opção sexual e se você for homo, eles o mandam para casa sem nem registrar o boletim de ocorrência. Para mim, esse é o maior pecado do meu país.

– Você deveria fazer alguma coisa - Alison diz. - Falar com Erik, por exemplo.

– Depois de Fleur Hallaya, não, obrigada.

– Como assim?

– Erik e Fleur - ela sorri maliciosamente. - Estavam juntos até semana passada. Eu os flagrei uma vez no Palácio Le Lëuken...

Ela olha para a loira.

– Não conte para ninguém.

Alison concorda, mas algo em sua mente faísca. Seu irmão ama Katerina e ela é casada com Erik, irmão de Valerie... Alison precisa ajudá-lo.

Desculpe Vale, ela pede mentalmente. Mas Francis precisa saber disso.

+++

Melanie caminha pelo palácio a procura de Katerina. Ela pergunta a alguns seguranças onde está a rainha e eles indicam direções diferentes. Há um momento em que ela vai parar na Torre Vermelha. Ela havia lido sobre o local no quarto de Andrew. É chamada assim porque durante a guerra foi onde houve um grande banho de sangue. Todos os arqueiros se posicionaram lá e atiraram mais de duzentas flechas no primeiro grupo de rebelde que atacou Frömming, mas a primeira geração dos Apátridas revidou com o elemento surpresa: uma bomba. Atualmente, a Torre Vermelha está em ruínas.

Cansada de pensar nessas velharias, Melanie decide voltar para a sala de jantar quando ouve vozes.

– Eu gosto de você, Vale, mas eu já disse o que eu penso sobre isso. Eu não quero que Hec...

Melanie se aproxima e vê Valerie Le Lëuken colocar o dedo indicador sob os lábios de uma garota loira que a rebelde rapidamente reconhece como Alison Kionbach.

– Eu sei, mas não vamos falar sobre isso hoje.

Valerie a beija e depois sorri.

– Vamos aproveitar essa última noite antes de você partir.

Melanie sente algo revirar dentro de si. Não é preconceito, mas sim uma ideia. Os Apátridas precisam de algo como isso. Se ela contasse...

Vários planos começaram a surgir na sua cabeça e acabaram criando o seu próprio corpo, fazendo-se criar forma e estar completamente formado. Eles pediram ajuda a todos os países do continente Manske, mas nenhum se dispôs a se colocar contra Frömming. Katerina teve a oportunidade de mudar o jogo ao seu favor e nem para isso ela prestou. Frömming, Altulle, Ahnmach, Hahle, Las Mees e até uma parte de Meurer está contra os Apátridas. Eles estão em guerra.

Eles tiveram a chance de ajudar por bem, mas não aceitaram. Agora ajudarão por mal.

Começarei por Altulle, ela decide. Alison fará Jean-Pierre se juntar a nós.

– Você deveria fazer alguma coisa - as palavras de Alison entram por um ouvido de Melanie e saem pelo outro. - Falar com Erik, por exemplo.

– Depois de Fleur Hallaya, não, obrigada.

– Como assim?

De repente, a morena fica tão interessada quanto a loira.

– Erik e Fleur - Valerie abre um sorriso malvado. - Estavam juntos até semana passada. Eu os flagrei uma vez no Palácio Le Lëuken...

Melanie quase urra de felicidade. Tudo está ao seu favor.

Obrigada, Deus! ela agradece.

As coisas correm tão bem que enquanto ela desce as escadas para a sala de jantar já vai com um segundo plano em mente.

Derrubarei um gavião e uma serpente de uma vez só, ela sorri diante da ideia.

Melanie aprendeu muitas coisas com Andrew e a maioria delas foi sobre o mundo além de Meurer. A simbologia das famílias do outro lado do país, como eles viviam, como a política era e tudo o mais. Ela sente a memória pinicar a sua mente quando as imagens dos animais estampados nos livros de Andrew entram na sua cabeça. Um leão de juba avermelhada é o símbolo dos Archiberz, gavião é dos Kionbach, serpente dos Le Lëuken, coruja dos Hüfner e búfalo dos Hallaya. Esses são os principais, ela se lembra.

Lembrar que Andrew também está na sala de jantar a aperta o peito. Ela gostou dele desde o momento em que ele a achou nas ruas e a ajudou como se já a conhecesse a anos. Ele a amou intensamente e ela queria sentir o mesmo.

Melanie chegou a conhecer os irmãos dele antes do PMI e brigou com Joshua desde o primeiro dia. Foi durante o programa que ela se viu apaixonada verdadeiramente por ele e não pelo seu namorado. Tudo mudou desde então.

Mesmo assim, muitas vezes a morena se culpava por ter acabado com a ligação que existia entre eles. Ela percebeu como Josh era insuportável e como Andrew o ajudava com a família que o rejeitava. A amizade e o companheirismo dos dois era admirável, Andrew sempre saia para buscar o irmão de volta, apesar das brigas constantes. Era como se ele o trouxesse de volta a vida e isso é algo que nem mesmo ela poderia fazer.

Porém quando sentou-se no seu lugar a mesa de jantar, Melanie esqueceu de tudo o que havia pensado porque agora ela tinha um assunto mais importante. Ela tem um novo foco.

– O que aconteceu? - Josh pergunta. - Você achou Katerina?

– Melhor ainda - ela diz aos amigos. - Achei a nossa saída.

– Como, princesa? - Matthew se interessa rapidamente. - Saiu pelo castelo descobrindo podres reais?

Melanie sorri.

– Foi mais ou menos isso. Bom, saibam que eu tenho um plano.