Doze anos depois

Em Frömming, uma das datas mais importantes é o aniversário de vinte anos do herdeiro do trono. Não é apenas uma passagem dos dezenove para os vinte, mas é um sinal de que o herdeiro está preparado para assumir o trono, onde ele é apresentado oficialmente ao povo e é onde ele mostrará se realmente é maturo e forte o suficiente para ser rei ou rainha.

Katerina havia preparado o seu discurso há meses atrás e o modificava a todo o momento. Pediu para seu professor de literatura para ajudá-la e ele dava várias dicas, mas ela havia escrito tanto que todos se cansariam, então a futura rainha decidiu riscar boa parte dele.

Enquanto uma das criadas ajeitava as barbatanas do seu espartilho, ela se olha no espelho pela última vez. Os seus cabelos ruivos estão naturalmente ondulados, caindo pelos ombros até o peito como cascatas, os olhos azuis foram destacados com um delineador e os lábios carnudos receberam um forte batom vermelho, que contrastou muito bem com a sua pele clara como a neve que caia do lado de fora do palácio.

– Como estou? - ela pergunta a criada.

O vestido azul claro se arrasta levemente pelo chão. Ele tem a camada debaixo e um tecido fininho e branco por cima. O espartilho não está apertado demais, porque ela mesma havia pedido para que assim fosse. Katerina rodopia levemente sobre os saltos claro e sorri quando vê que a criada está sorrindo também.

– Linda, minha senhora. Deslumbrante.

A criada avisa para Joffrey que a sobrinha dele está descendo e ele faz a música parar.

– Esta é uma noite muito especial não só para mim, mas para todo o nosso país - ele sorri. - Com vocês, a futura rainha Katerina Archiberz.

A ruiva segura um pouco do vestido e seu tio segura sua mão enquanto ela desce os últimos degraus. As pessoas aplaudem e ela vê todos os presentes vestidos elegantemente. As mulheres usam vestidos coloridos e brilhantes, com muito laque no cabelo e saltos finos, enquanto os homens vestem ternos, smokings, muitos com os cabelos para trás com a ajuda de gel e sapatos escuros e lustrados. Os seguranças circulam perto da parede, sempre murmurando algo no pequeno rádio que carregam junto consigo como se a vida deles dependesse disso.

A vida não, Katerina se corrige, mas o emprego sim.

Katerina gostaria de agradecer, mas Joffrey fala antes:

– O discurso ocorrerá antes do jantar - ele levanta a sua taça de champanhe e as pessoas fazem o mesmo. Assim que todos recebem as taças ele volta a falar. - Um brinde a minha sobrinha, a qual em breve será a rainha de vocês, a qual vocês deverão respeitar, ajudar, se espelhar e amar.

Ela sorri para ele, feliz por ter tanto carinho. Depois disso, o filho mais velho de Joffrey, primo de Katerina, vem cumprimentá-la.

– Parabéns - ele a abraça e o cheiro do seu perfume masculino atinge o nariz da ruiva. Cheiro bom. - Futura rainha, então?

Ela sorri.

– Pois é. Bom, ainda não conheço meu noivo.

Os olhos verdes de Michael logo perdem o brilho e a luz reflete em seus cabelos loiros, deixando-os mais claros ainda.

– Mike, pare com isso - ela pede. - As pessoas vão perceber.

Katerina já havia ficado uma vez com seu primo Michael. Foi durante um jogo, uma brincadeira entre ela e alguns amigos. Nada demais. Acontece que desde aquele dia, há alguns meses atrás, ela não conseguia tirar o beijo da sua cabeça e parece que ele também não.

– Kate, nós temos que conversar sobre isso em algum momento.

– Olha só quem está aqui - Joffrey está com a mão apoiada no ombro de um garoto loiro, olhos azuis e uma linda covinha no queixo. - Katerina, esse é o seu noivo. Erik, esta é Katerina.

Ele pega a mão dela e a beija delicadamente, mantendo seus lábios ali durante um bom tempo.

– Sua sobrinha é ainda mais bonita pessoalmente, Regente - ele fala e Joffrey sorri.

– Podemos conversar mais no jantar, mas agora Katerina tem que discursar.

Depois de Joffrey chamar novamente a atenção de todos, a ruiva sobe no tablado marrom escuro e por mais que haja muitas pessoas, ela não precisa de um microfone na sua frente, então ela fica só com os que estão nos cantos do salão.

– Eu queria agradecer a todos por estarem aqui - ela começa. - Muito obrigada por terem vindo e estarem compartilhando comigo esse momento tão feliz e especial.

Quanta falsidade. Se Katerina disser que conhece metade das pessoas que estão ali é muito. Ela não conhecia nem o cara com quem iria casar, dividir o palácio, a cama e o trono, ter filhos e viver até a morte. Sua vida toda foi assim, afinal, e ela suportou tudo até ali. Tinha que suportar mais um pouco, porque logo o discurso acabaria.

– Eu perdi meus pais quando eu tinha oito anos e meu tio Joffrey, o Regente, cuidou de mim e da minha irmã, Hana, com todo o amor e carinho que poderíamos ter recebido - pelo menos isso é verdade, ela constata mentalmente. - Agradeço a ele todos os dias por ter me ensinado meus valores, por ter me ajudado sempre que precisei, por ter me dado tudo o que eu sempre quis e por ser não só uma pessoa maravilhosa, mas também um excelente rei.

Os olhos de Joffrey estão marejados, ela vê isso, mas quando ele percebe que ela está o olhando ele passa a manga no rosto rapidamente. Uma lágrima também brota no seu olho direito quando ela lembra da fotografia dos seus pais abraços que está no seu criado-mudo. Os dois ruivos, seu pai com a barba e o cabelo no mesmo tom, um pouco mais escuro, com os olhos verdes quase castanhos. Já sua mãe tinha os cabelos ruivos claros e os olhos azuis. Não é surpresa para ninguém que a filha mais velha havia puxado a mãe a mais nova ao pai. Se eles estivessem ali...

– Fui treinada para ser a melhor monarca que vocês já tiveram. Prometo seguir o exemplo do meu falecido pai e do meu tio, que também é como se fosse o meu pai. Serei forte por vocês, farei o juramento de fidelidade ao meu país no dia da minha coroação e ficarei ao lado do meu povo até o meu último suspiro. Eu prometo a todos vocês...

As portas do salão são abertas. Os seguranças sacam as armas enquanto pessoas mascaradas entram no local. Antes que Katerina possa dizer ou fazer qualquer coisa, um tiro a atinge.

Seu corpo se choca contra o chão, mas ela não sente a dor do impacto, porque tudo o que sente é a dor insuportável na região do seu colo. As lágrimas finalmente escorrem dos seus olhos e um grito escapa dos seus lábios.

Erik, Michael e Joffrey correm até ela. Três homens diferentes, de idades diferentes, estão ali, atendendo ao seu apelo.

– Me ajudem - ela sussurra.

Pelo canto do olho, Katerina vê os mascarados atirando em outras pessoas e decide olhar para o outro lado, mas tudo o que vê é o seu vestido azul claro, quase branco, manchado de sangue.