Obsession escrita por Clara Abrahao


Capítulo 5
Capítulo IV: Certezas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/49590/chapter/5

Capítulo IV: Certezas

 

                Acordar com a sensação de que levou uma pancada na cabeça não é uma das melhores sensações possíveis. Principalmente quando se está para explodir em mil pedacinhos e nada possa ser feito para amenizar a dor, apenas esperar o tempo fazer seu trabalho. Eu não creio no tempo, por isso preferi olhar para os lados e procurar algum sinal de vida.

                Anko estava a meu lado, arrumando uma pequena prateleira de remédios e utensílios que poderiam ser utilizados mais tarde. Seus instrumentos brilhavam de tão limpos e transmitiam uma sensação de desgraça. Imagino a dor que aquilo não causaria contra o corpo de alguém.

                Gemi com a dor de cabeça e ela finalmente me percebeu acordado.

-              Seja lá o que você estivesse fazendo – Ela começou, sem tirar a atenção de suas tarefas. – Aquela garota te salvou de um problema que não envolvia apenas o colégio, Naruto.

                Olhei bobamente para a mulher, ainda com minha cabeça querendo desgarrar-se de meu pescoço e sair correndo corredor à fora.

-              Como assim? – Perguntei, só então notando minha voz fraca.

-              Se você fosse pego fumando, além de ser expulso do colégio e levar um bom processo, poderia arrumar uma pneumonia.

                Anko encarou-me, os olhos frios e preocupados. Como uma mãe que adverte seu filho, sem deixar de ser amável.

-              Seu pulmão é uma massa preta que ocupa espaço, Naruto. – Ela abaixou a cabeça, em sinal de lástima. – E fumar só piora a situação.

-              Ela me dedurou, não é? – Perguntei, mordendo o lábio inferior. – A menina que me trouxe.

                Anko suspirou uma vez, encarando a luz que jazia acesa sobre nós.

-              A menina ficou aqui até que você parasse de tossir. Primeiro você teve uma reação lógica, desmaiou. Logo depois estava dormindo e tossindo como um carro velho em decomposição. Ela não saiu de seu lado.

                Permaneci calado, vendo o olhar da enfermeira percorrer o pequeno estabelecimento. Talvez estivesse pensando no que falar exatamente, ou esperando alguma reação minha. Continuei quieto, esperando que continuasse.

-              Você conhece essa menina, Naruto?

-              Não. – Respondi sinceramente.

-              Ela já passou por aqui duas vezes. Sabe, tenho pena dela...

                Encarei Anko dessa vez.

-              Quais os sintomas?

-              Seu estômago, seus órgãos condutores. Estão... Como dizer... À beira da desintegração. Uma úlcera enorme no estômago, marcas roxas e ferimentos por toda a extensão do corpo.

-              Alguém bateu nela? – Levantei rapidamente, arrependendo-me em seguida ao sentir o latejar na cabeça.

-              Se você se refere às marcas roxas, é uma doença psicológica. Chama-se Melancolia. O que o psicológico não expele por si mesmo, é revelado pelas partes do corpo... Já vi casos piores que o dela, mas suas pernas estão de dar dó. Dúzias delas. Os ferimentos, acho que são causados por giletes e outras coisas mais. A maioria infeccionada.

-              E seus órgãos internos? – Perguntei, ainda tentando digerir as informações.

-              Bulimia. – Anko disse simplesmente. – Umas três pessoas já passaram aqui informando que a nova menina não comia no recreio, comprovei isso semana passada por mim mesma.

                Eu já deveria saber que aquela garota tinha problemas, mas eu não podia nem imaginar o que realmente se passava. Bulimia, melancolia... Esse tipo de coisa só acontecia em novelas e filmes, nunca na vida real.

-              Hinata é depressiva, Naruto. – Anko notou meu olhar perdido, provavelmente. – Daquelas que provavelmente já tentou se matar. Ao olhar para ela você percebe.

                Eu não havia percebido. Na verdade, acho que fiquei tão desgostoso com aquela situação que me limitei a odiá-la, invés de tentar arrumar um motivo para que a menina agisse do jeito que agia. Naruto, você é um demente.

-              Já posso ir embora? – Perguntei, aflito. – Não consigo mais ficar aqui.

                Anko assentiu lentamente, enquanto eu me levantava com algum esforço. Minha mente doentia já começava a vagar por cogitações e idéias bizarras que dariam nojo até aos mais completos idiotas feito eu. Imagens de Hinata.

Seus ferimentos, suas manchas. Seu corpo pequeno e frágil dobrado em frente a algum lugar, onde ela depositaria todo o seu ódio e desespero. Aquela menina tão linda e tão amedrontada que precisava de ajuda, que precisava de mim.

                Hinata precisava de mim.

                O ódio afinal, não passava de obsessão. E raiva misturada com frustração não eram nada mais. Eu precisava saber quem era Hinata, eu precisava proteger Hinata, eu precisava de Hinata. Ajudá-la, abraçá-la, saber o que fazer para salvá-la.

                Aquele colégio de corredores enormes e inacabáveis nunca me pareceu tão inútil como hoje. Assim como as pessoas, os objetos e afins. Tudo para mim não passava de um nada naquele momento, apenas a moça de olhos brancos que parecia tão indefesa necessitava de mim.

                Eu precisava ajudá-la.

                Mas como?

                Nunca em minha vida eu havia falado com ela, sequer dirigido a palavra. Ela não sabia meu nome, ela não sabia a qual motivo eu estava vivo. Eu deveria ser apenas mais um ser abandonado na terra para ela, ou menos que isso. Eu precisava me aproximar dela, eu precisava conhecê-la. Não só de vista, mas de história.

                Minha primeira providência deveria ser a mais difícil, falar com ela. Coisa que talvez eu devesse deixar para mais tarde, mas minha mente cheia de dramas psicológicos não me permitia pensar em nada mais útil. Como me aproximar dela?

                ... A loira.

                Sim. Me aproximaria de Hinata por terceiros. Conheceria sua história, saberia exatamente como chegar a ela sem machucá-la ou assustá-la. Eu precisava de alguém que me ajudasse e o casal que estava com ela naquele dia parecia ter saído de um pote de ouro. Completamente aproveitável.

                Da última vez que a vi, estava sentada embaixo de uma árvore próxima ao prédio do ginásio. Devia ser do terceiro ou primeiro ano, se fossemos usar minha lógica furada. Ela devia saber de coisas importantes sobre Hinata, coisas que podiam, ou não, ser secretas e produtivas. Eu precisava encontrá-la.

                Percorri todo o colégio à procura da moça que acompanhava Hinata e seu amigo ruivo por aquele dia, sem muito sucesso. Todas as pessoas a quem eu me referia pareciam tão abobadas a ponto de não lembrarem seu próprio nome. O que há com esse pessoal, afinal?

-              Naruto. – Sasuke parou a meu lado. – O que pensa que está fazendo?

-              Procurando alguém.

                Sasuke me olhou com uma cara interrogativa, mas vendo minha expressão deve ter desistido de perguntar alguma coisa. Resolveu dar de ombros e começou a falar coisas sem sentido.

-              Hoje vamos nos encontrar às onze da noite, na porta da Mary’s. O Shikamaru vai estar esperando por nós lá.

-              Foda-se. – Falei, vendo a revolta subir à face de Sasuke.

-              Seu doente, - Ele começou, puxando-me pela gola da camisa. – Eu não faço idéia do caralho que você se meteu. Não vou dizer que não me importa, porque realmente me importa. Mas se você vai ficar dando uma de espião da FBI, o problema não é meu. Agora, se for pra ficar tratando todo mundo pior do que você já tratava, eu prefiro me retirar.

-              Eu não me lembro de ter te chamado aqui e muito menos de ter te pedido ajuda, verme. – Falei, segurando-me para não cuspir na cara de Sasuke. – E o que eu menos preciso agora é de um sermão. Se vai ficar putinho porque eu não estou te dando atenção, o azar é seu.

-              É, Hinata? – Sasuke caçoou. – Não sabia que uma bolsista ia mudar tanto a sua vida, viu? É uma pena. Passar bem, lixo.

                Em um segundo, Sasuke havia partido para a outra direção. O que eu mais queria no momento era segurá-lo e socá-lo até a morte, se possível até depois dela. Mas eu não tinha tempo, eu tinha coisas mais importantes a fazer.

                Corri para a sala da diretoria, meus pensamentos aflorando. Eu tinha que aproveitar os pequenos minutos do intervalo para conseguir algo e não pensarem que eu estava matando aula. Com certeza eu estaria encrencado se isso acontecesse, portanto tinha que agir rápido.

                A diretora estava na sala, lógico, assinalando alguns papéis.

-              Kurenai, preciso de sua ajuda.

                Ela espalmou a mão desocupada no ar, dando sinal para que eu esperasse. E eu esperei, cruzando os braços, recostando-me à parede e treinando minha cara de impaciência. Tempo era uma das coisas que eu não podia perder.

-              Sim? – Ela perguntou finalmente, sem nem sequer olhar para mim.

-              Preciso de um telefone. De um endereço, qualquer coisa.

                O movimento de vai e vem que sua caneta fazia parou repentinamente. Kurenai finalmente desprendeu a atenção do monte de papéis que assinava sem nenhuma emoção e me encarou, uma sobrancelha erguida. Lá vem coisa...

-              Sabe que é proibido fornecer endereços e telefones para alunos, Naruto. Você deveria saber disso mais do que ninguém.

-              É uma questão de certa urgência, diretora. Por favor, preciso que coopere.

-              Lamento, mas é impossível. Nem Tsunade que é a dona do colégio pode fornecer essas informações. Sinto muito, Naruto.

-              Ninguém vai precisar saber! – Supliquei. – Kurenai, preciso do telefone de uma aluna. Ou do endereço, qualquer coisa.

-              Eu já disse que-

-              Por favor, não me faça reportar a seus superiores.

-              Está me ameaçando, Naruto? – Kurenai ergueu novamente a sobrancelha, ainda me fitando.

                Agora que eu percebia o tamanho do problema em que estava me metendo. E o pior: me metendo num problema por uma pessoa que eu sequer tinha contato. Uma pessoa que sequer sabia de minha existência, talvez uma pessoa que sequer quisesse existir.

                Nenhum aluno que tenha um pouco de juízo na cabeça chegaria na metade do que eu estava enfrentando para conhecer Hinata. Nenhuma pessoa com inteligência faria o que estou fazendo, muito menos iria se expor daquela forma. Mas nem de longe eu era uma pessoa normal, sequer inteligente e com juízo. E agora que as coisas haviam chegado nesse ponto, eu não ia desistir.

-              Kurenai... – Suspirei, tentando me acalmar. – É sobre aquela bolsista que lhe falei. Ela passou mal, duas vezes. E preciso levá-la para casa, é urgente.

-              Ela está passando mal?

-              Sim. – Menti. – Ela tem que ser retirada daqui imediatamente.

-              Se o caso fosse tão grave, Anko teria me avisado diretamente.

-              Esse é o problema, ela está tão mal que Anko não pode vir aqui para avisá-la. Não podem deixar Hinata sem vigilância durante um minuto sequer.

-              E o que ela tem, então?

-              Epilepsia. Está tendo convulsão nesse exato momento.

                Tudo bem, eu admito que aquela não foi a melhor mentira que eu já havia dito, mas foi a única coisa que consegui calcular. Pela cara que Kurenai me olhou, metade de sua razão havia caído em minha mentira, enquanto a outra metade lutava para decifrar meu olhar.

-              Se quiser ir lá para ver... Só espero que quando chegue lá não seja tarde demais. A moça tentava morder a língua como se fosse a coisa mais importante do mundo a ser feita.

                Desafio. Esse era o princípio para uma boa lábia. Instigue uma pessoa para saber se ela acredita em você ou não. Peça-a para fazer exatamente o que você não quer que ela faça. É tudo psicologia, é tudo bem calculado.

-              A menina mora na Green Boulevard, número 37. Não possuem telefone.

-              Deus lhe pague, Kurenai!

                Ia correr dali para longe, quando Kurenai chamou por meu nome novamente.

-              Por sua mentira, Naruto, eu deveria te suspender, quem dirá te expulsar. Mas vejo que está realmente preocupado com essa menina. Portanto, se vier com mais uma furada de aluno com epilepsia, saiba que não haverá outra chance para você.

                Eu assenti sorrindo e deixei a sala da diretora.

                Aquela deveria ser a primeira vez que eu deixava um sentimento me dominar, chegando a ponto de por tudo a perder. A primeira vez que as palavras me traíam, deixando visíveis apenas minhas emoções, meu desespero. A primeira vez que eu desejava mover céus e terras por alguém que eu nem sequer sabia que existia há poucas semanas atrás. Foi ali que eu descobri que os sentimentos são tão ou mais expressivos que palavras.

                Foi com esse pensamento que adentrei o táxi e me dirigi à Green Boulevard número trinta e sete, sem me importar se estava fugindo do colégio ou não.

 

 

 

 

                O celular vibrava frenético em meu bolso, e nas duas únicas vezes que resolvi pegá-lo e ver quem me importunava, o nome “Shikamaru” fez-se presente no visor. Provavelmente estaria ligando à mando de Sasuke, que por uma criancice lógica estaria tentando fazer uma cena e tentando me comover. Patético.

                Eu já havia mandado uma mensagem pouco amistosa avisando que eu os acompanharia na Mary’s hoje, mas aqueles idiotas que se titulavam meus amigos pareciam não entender. Não acreditava que fizessem tanta questão de falar comigo, portanto não iria atender. Tive que me segurar para não quebrar o celular e jogá-lo no lixo mais próximo.

                A Green Boulevard era uma pequena ruazinha, situada há umas quinze quadras de nosso colégio e que não fazia jus ao nome “animado”. As casas e prédios eram cinzas, o chão era cinza, quase que as pessoas também. Como se alguém houvesse passado por ali e jogado um balde de tinta cinza em tudo o que pudesse ser considerado importante.

                Encontrar o número trinta e sete também não foi uma das missões mais difíceis resignadas a mim. A pequena casa de quatro cômodos situava-se há uns dois minutos da esquina principal, uma construção quadrada e de aparência morta. A tinta no extremo das paredes descascava-se, formando sorrisos tristes e confortando as pessoas que passavam.

                Apesar de tudo, a Green Boulevard parecia feliz.

                Crianças corriam pela rua, animadas, com suas bonequinhas de pano e – algumas vezes -, com algum carrinho de controle remoto usado e recém adquirido. Adolescentes passeavam sorridentes, enquanto adultos conversavam em suas varandas, sem se importar com seus vestidos surrados e sua aparência desgastada.

                Cômico, eu diria.

                Uma pessoa daquele lugar com certeza não se encaixaria em nosso perfil. Nós possuíamos as roupas lavadas e perfumadas diariamente por terceiros, nós usufruíamos do bom e do melhor. Aquele pessoal lavava suas próprias roupas e não fazia questão do melhor, apenas do útil.

                Não que eu me importasse com nada disso. Eu só queria saber de onde ela vinha.

                Apinhada juntamente com mais cinco crianças, uma imagenzinha vestida de verde chamou minha atenção. Seu vestido florido caía até abaixo de seus joelhos e seus pés descalços corriam desenfreados pelo chão, despistando o menininho que vinha acelerado logo atrás dela. Tinha os mesmos cabelos escorridos e escuros de Hinata, os mesmos olhos e o mesmo semblante abatido. Porém, portava um sorriso no rosto que deixava a mostra todos os seus dentes.

                A menininha encarou-me, percebendo o interesse por sua casa. Não, ela não veio até mim e agradeci por isso. Uma garotinha tão linda não devia falar com estranhos “mal intencionados”.

                Naruto, seu porco sujo e baixo.

                As outras crianças aproximaram-se da garota de olhos brancos e me fitaram, atônitas. “Quem é ele?” Ouvi o garoto que corria atrás da menina dizer. Os olhares curiosos dirigiam-se a mim, como se fossem me engolir.

                Sorri, interior e superficialmente.

-              Ei. – Chamei a garotinha que parecia com Hinata, sentando-me na calçada. – Pode vir aqui um minuto?

                Ela recuou um passo, olhando as outras crianças que estavam à sua volta.

-              Não vou te fazer mal. É estranho uma pessoa completamente desconhecida falar com você, eu sei, mas não precisa ter medo.

-              Quem é você? – A voz jovial ecoou por meus ouvidos, fazendo-me novamente lembrar de Hinata.

-              Estudo na sala de Hinata Hyuuga. Conhece?

-              O que aconteceu com minha irmã?! – Ela berrou, os olhos assumindo a expressão de desespero que eu conhecia tão bem.

                Eu devia ter imaginado que eram irmãs, não só pela semelhança física, mas pela expressão. A voz era quase idêntica, a mesma forma de suspirar e de se desesperar com os fatos. Sorri mais uma vez, tentando demonstrar confiança.

-              Nada menina, não precisa se preocupar. Só preciso falar com sua mãe. Ela está em casa?

-              Mamãe morreu. – Ela disse, emaranhando-se no pequeno bolo de crianças novamente.

-              E seu pai?

                Os olhos brancos pararam sobre os meus novamente, atônitos. Chame seu pai, pequena, confie em mim. Mal senti o telefone vibrando novamente em meu bolso.

                A garota sussurrou algo para os outros do grupo e correu para dentro de casa.

-              O que foi, merda? – Atendi o celular finalmente, ignorando o número do visor.

-              Seu retardado, te liguei umas vinte vezes e nada. – Shikamaru parecia impaciente do outro lado.

-              Eu já disse que vou com vocês caralho, não precisa desse alarde todo.

-              Só pra confirmar, Sakura, Kiba e Ino vão no seu carro. O meu está cheio.

-              Ah, claro, eu tenho que ficar com o cachorro no meu banco de trás.

-              Pode levá-lo no da frente, se quiser. – Ele caçoou. – Onze horas, em frente à Mary’s.

                Concordei, desligando em seguida.

-              Com licença...

                Virei-me para trás, num susto repentino. Tudo o que avistei foram dois pés calçados em um chinelo simples, e os pés descalços da garotinha que havia desaparecido.

-              Hanabi me disse que é amigo de Hinata. – A voz grave parecia temerosa, e seus olhos brancos e idosos refletiam seu asco.

                Aquele deveria ser o pai, lembrei-me. E um pai não era muito receptivo para com um “amigo” da filha. Se é que eu poderia ser chamado de amigo.

                Levantei-me rapidamente quando o homem mandou a pequena voltar a brincar. A menina Hanabi encarava-me de baixo, a cabeça erguida e os olhos voando com seus pensamentos. Talvez ela se perguntasse o que eu fazia ali, o que eu queria. Sorri para ela e ela sorriu em resposta, correndo novamente para o bando de amigos.

-              Pois não? – O homem alto cruzou os braços, categórico.

                Eu fitei seus olhos brancos por um longo momento, imaginando como começar um diálogo pacífico. “Oi, eu sou Naruto e quero conhecer a história de Hinata.” Optei por uma apresentação formal.

-              Prazer, senhor...

-              Hiashi.

-              Prazer, senhor Hiashi. Sou Uzumaki Naruto e estudo na mesma sala que sua filha, Hinata. Sabe, o que ela ganhou uma bolsa...

                Hiashi concordou com a cabeça, o olhar fixo em mim. Resolvi continuar.

-              Eu... Eu meio que percebi que... Ela não fala muito com as pessoas e... Sabe, não acho um meio de me comunicar com ela...

-              Hinata não precisa de você.

                Pigarreei, engolindo minhas palavras.

-              C-como?

-              Você não é a primeira pessoa que passa por essas bandas querendo saber de Hinata, seu engomadinho de merda. Ela não precisa de você, ela não precisa de ninguém, nenhum lixo feito vocês.

-              Desculpe, mas está me ofendendo. – Falei, fingindo ressentimento.

-              Ótimo, essa era a meta. Agora, por favor, não volte mais aqui.

                Tentei abrir a boca para falar quando o homem virou-se de costas e adentrou a casa. Eu fiquei ali, parado feito um idiota, olhando a pequena janela suja que provavelmente já fora a tela de Hinata para a rua.

                Hinata não precisa de ninguém.

                Não precisa de ninguém.

                Aquilo soava como música fúnebre para mim. Pela hora, a aula já devia estar em seus finais e logo eu teria que me retirar dali. Logo eu veria Hinata romper o horizonte cinza da Green Boulevard e corar ao me ver sentado ali. Logo eu sentiria meu coração palpitar ao saber que ela estaria se aproximando de mim, sem novamente me dirigir à palavra.

                A mãozinha macia tocou meu ombro e eu dei um pequeno pulo, assustado.

-              Desculpe o papai. – A menina dos olhos brancos sorria para mim. – Ele é assim com todos que vem por causa da maninha.

                Respondi Hanabi com um sorriso amistoso e agradecido. Ela sentou-se a meu lado na calçada, os pezinhos arrastando levemente pelo chão.

-              Você é amigo da Hinata?

-              Não exatamente um amigo. Sou apenas um... “admirador”, acho que posso me referir a mim mesmo assim.

-              Então, gosta dela. – Aquilo saiu mais num tom de afirmação que num tom de pergunta.

-              Não sei. Antes eu não gostava dela, e agora estou diante da porta da casa dela.

                A menininha riu, fitando seus amigos que corriam sem parar, uns atrás dos outros.

-              Sabe, o papai tem medo das pessoas que convivem com Hinata... Na verdade, ele tem medo de todos.

                Encarei Hanabi, que agora abraçava as perninhas miúdas.

-              O que aconteceu com ela?

-              ... Eu não sei. – A voz de Hanabi saiu fraca, porém verdadeira. – Ela é assim desde que eu nasci.

-              Quantos anos você tem?

-              Onze! – Ela abriu um sorriso enorme para mim, que me fez sorrir também.

                Pela primeira vez em toda a minha vida, senti pena. Pena de Hinata, pena da pequena Hanabi de pés descalços. Pena de uma história que poderia ser a mais linda possível e fora despedaçada por um fato oculto que ninguém saberia dizer qual foi.

-              E o que aconteceu com sua mãe?

-              Morreu quando eu nasci. – Ela disse simplesmente.

                Arregalei os olhos. Aquela garota falava de um assunto tão delicado de uma maneira tão... Normal. Como se não fizesse tanta diferença, como se não houvesse saudades ou ressentimento.

-              E como era sua mãe?

-              Eu não me lembro. – Ela sorriu para si mesma. – Tudo o que eu me lembro, quando falo de mamãe, é do rosto de Hinata. Sabe, ela que sempre cuidou de mim. Me educou, me ajudou, me criou como filha e como irmã.

                Permaneci em silêncio, dando sinal para que continuasse.

-              Senhor loiro de olhos bonitos, eu posso realmente confiar em você?

-              Meu nome é Naruto. E sim, pode confiar em mim.

                Ela sorriu mais uma vez e esticou os bracinhos para a frente, se espreguiçando.

-              Cuida da Hinata pra mim. Minha irmã é uma das melhores pessoas que já existem nesse mundo, e eu não me perdoaria se algo de ruim acontecesse com ela.

                Dizem que quando um garoto realmente sente vontade de chorar pela primeira vez, é porque ele está se tornando um homem de verdade. A primeira vez que eu ameacei derramar uma lágrima foi naquela tarde cinzenta, quando a garota de olhos brancos proferiu aquelas palavras. Eu não sei se Hanabi havia visto o que causou em mim, mas seu sorriso continuava intacto em sua face branca demais.

                Sorri e peguei sua mão.

-              Eu vou proteger Hinata, seja lá do que for. Posso ser um estranho, Hanabi, mas pode confiar em mim. Dou minha palavra.

                Ela aproximou-se de mim e beijou minha bochecha. Sim, eu sabia que Hiashi estava em uma das janelas, observando a cena pavorosa, mas não me importei. Eu devia estar assinando meu tratado de morte naquele dia, mas não me importei. Não me importava com mais nada.

-              Hanabi, a Hinata tem algum amigo ou amiga que confie mais que na própria vida? – Perguntei casualmente.

                Seus olhos brancos subiram na direção do céu, enquanto seus dentes alcançavam seu lábio inferior. Ficou assim durante alguns minutos, relembrando, pensando, meditando. Corou instantaneamente quando olhou para mim novamente.

-              Uma moça ruiva que as vezes vem aqui. Se chama Tayuya, eu acho. Nome complicado... – Hanabi suspirou, derrotada.

-              E onde posso encontrá-la?

-              Não faço idéia. Mas acho que sei o lugar onde ela trabalha. Uma tal de Mary’s... Um bar bem freqüentado, não sei. Ouvi esse nome quando ouvia a conversa por trás da porta. Não fale para ela, por favor!

                Ri com vontade daquela vez, beijando a bochecha da menina. Despedi-me e caminhei em direção ao lugar onde o táxi havia me largado.

                Nunca em minha vida eu agradeci tanto por meus amigos bizarros gostarem de uma farra. Nunca em minha vida eu quis tanto visitar um puteiro como naquele dia, não pelo prazer carnal ou coisa parecida.

                Nunca em minha vida eu tive certeza que estava apaixonado por uma pessoa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Obsession" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.