Obsession escrita por Clara Abrahao


Capítulo 4
Capítulo III: Surpresa




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Capítulo III: Surpresa

 

                Durante toda a semana que se passou, eu não consegui dormir. Não de ter insônia, não de ficar noites inteiras acordadas fitando o teto. Foram noites em que seus olhos inundados de desespero me chamavam, clamavam por mim. Foram noites em que sua voz serpenteava por meus ouvidos, indo e vindo quando queria, apenas para me lembrar da cena ocorrida com Neji.

                Afinal, o que estaria acontecendo de tão grave que não pudesse ser dito? O que havia naquelas entrelinhas que ambas as partes queriam esconder? Eu tinha que saber, eu precisava de saber.

                Revire-me na cama, encarando a luz que já se formava no céu escurecido. Ter uma cama ao lado de uma janela tinha lá suas vantagens. Ficar acordado também, se quer saber. Já sabia que faltavam duas horas para eu precisar acordar e me arrumar, como se eu realmente fosse conseguir dormir com esse frio que dominava minha barriga. Limitei-me apenas a observar as estrelas cintilantes que pareciam responder meu olhar lá de cima, tão pequenas e insignificantes que quase não eram avistadas. Tão brilhantes e intensas que faziam qualquer um querer observá-las.

                Estrelas que lembravam seus olhos.

 

 

 

 

-              Bom dia. – Ela falou a meu lado, andando silenciosamente.

                Nossa situação já não era das boas mesmo, então contanto que Sakura não começasse a dar um show, ela podia andar a meu lado que eu não me importaria. Na verdade, qualquer pessoa que falasse o máximo de cinco palavras por frase era bem vinda e digna de minha companhia. Por isso quase ninguém se encaixava em meus padrões naquele colégio, a grande maioria das pessoas queria ser notada por mim. Como se isso fosse realmente possível.

                Adentrei a sala em silêncio, juntamente com Sakura.

-              Bom dia! – Berrou Kiba ao lado de Sasuke e Ino, que eu ainda não descobri o que fazia na sala do segundo ano. – Novidades, Naruto!

                Ótimo. Mais uma de suas aventuras sem noção com alguma menininha.

-              Foram na Lótus ontem? – Cortei, tentando inutilmente apagar aquele sorrisinho besta que Kiba ostentava.

-              Fomos sim. – Ino cruzou as pernas sobre a mesa, encarando Sakura de soslaio. – Sasuke e Shikamaru tentaram te ligar, mas você não atendia.

-              Eu estava dormindo. – Menti. – Basicamente é isso o que se faz no final de semana.

-              Quem é você e o que você fez com meu amigo? – O babacão do Sasuke sempre tinha que mandar uma de suas pérolas.

                Deixei o bando rir um pouco, enquanto meus olhos vagavam inutilmente pela sala apinhada de gente. Morenos, ruivos, loiros, altos, baixos, magros e gordos. Não que eu me importasse com as características de cada um, mas apenas um canto isolado na sala prendia minha atenção.

                Lá estava ela.

                Minha ilustre desconhecida, com seu casaco de lã – provavelmente feito por sua mãe -, na cor bege, encolhida num canto qualquer que ninguém dava atenção. Eu não entendia o motivo da garota estar de casaco todos os dias, mesmo com o sol queimando lá em cima e os meros terráqueos cozinhando aqui embaixo.

                Na semana passada eu havia percebido que não era raiva que eu sentia daquela Hinata. Bom... Não mais, mas mesmo assim a raiva havia desaparecido. A raiva e a ignorância tornaram-se algo mais peculiar... Mais para interesse, eu não sabia dizer. Curiosidade.

                Nenhuma garota em meus dezesseis anos de vida havia conseguido fazer isso comigo. Nem as mais bonitas, nem as mais inteligentes, nem as que tinham apenas o corpo de bom. Eu não entendia, aquilo não fazia sentido. Ela era apenas um vulto branco que não se comunicava com ninguém além de um emaranhado ruivo que parecia guardá-la, e de uma loira que parecia não ter nada a dizer. Como se fossem seu refúgio, seu mundo.

                Ela correspondeu a meu olhar, corando levemente.

                Parecia que tudo à minha volta tornava-se um campo sem gravidade. Sentia-me flutuar quando isso acontecia, quando suas pequenas bochechas pálidas assumiam o tom rosado que tanto me fascinava. Sim, afinal de contas, a raiva havia tornado-se fascínio. Um sentimento de poder, um sentimento de querer tocá-la, de abraçá-la e defendê-la...

-              Naruto? – Chamou Ino, vendo meu total desinteresse.

                Ela era só uma bolsista, afinal...

-              Fale.

-              Vamos sair hoje, mas queremos que vá conosco.

                Ergui a sobrancelha. Esse pessoal não podia passar um dia sem sair de casa?

-              E onde vocês iriam?

-              Estávamos pensando em ir na Mary’s. Sabe, beber alguma coisa. Sakura já se responsabilizou a nos levar pra casa sãs e salvos.

                Olhei para o resto do grupo, que parecia me abocanhar com os olhos vorazes. Sorri triunfante.

-              Não sei... Aqueles guardas da Mary’s são antipáticos demais. – Dei de ombros.

-              E você tem algo melhor para fazer? – Perguntou-me Kiba, o olhar curioso.

-              Não.

-              Estamos combinados então. – Kiba sorriu vitorioso, encarando-me.

                Sair mais uma vez naquela semana não seria problema, meu maior problema seria arrumar uma desculpa plausível para que Jiraya e Tsunade me deixassem ir. O tolinhos ainda pensavam que eu era aquele garotinho de nove anos, não um completo fracassado e fumante obcecado por uma garota que mal conhecia. Eu não mentalizei essa última parte, mas a cada dia que se passava eu me tornava mais consciente disso.

                Estava tão à deriva com pensamentos aleatórios que a aula de Biologia I passou correndo por meus olhos. Tudo que eu me lembro foi de ter visto Shizune entrando com um livro do tamanho de um adulto e saindo, deixando um quadro cheio de anotações que para mim pareciam inúteis. O recreio se aproximava e eu nada mais estava fazendo a não ser consultar meus próprios pensamentos.

                Um rosto loiro apareceu à porta. Tsunade.

-              Hyuuga Hinata? – Ela sibilou casualmente, percorrendo a sala com os olhos. – Alguma Hyuuga Hinata?

                Demorou um tempo até que minha sina levantasse timidamente uma das mãos branquíssimas, a face escarlate feito um rubi. Devia ser proibido para uma pessoa daquele tipo precisar chamar tanta a atenção assim.

                Tsunade caminhou a passos lentos até ela, seguida de olhares curiosos e murmúrios inacabáveis. Mesmo imperceptivelmente, a esposa de meu tio lançou-me um olhar fraternal, e eu sorri para ela como resposta. Eram poucas as vezes que eu a via fora de sua sala, quanto mais adentrando a minha para falar com... Uma bolsista.

                Meu espírito de porco se enfatizou quando as duas saíram da sala, e eu mentalizei Hinata sendo finalmente convidada a se retirar do colégio. Um calafrio percorreu toda a extensão do meu corpo debilitado pelo cigarro, e então eu suspirei.

                Se Hinata realmente fosse expulsa do colégio, minha vida voltaria a ser como antes. Não teria que me preocupar com mais nada, nem com segredos de ninguém. Voltaria a ser o mesmo Naruto popular e descolado que todos morreriam para manter contato, voltaria a ser o namorado da garota mais cobiçada do colégio, voltaria a ser eu. O domador de palavras, o ser ignorante que não ligava para ninguém.

                Mas então, porque raios meu intelecto dizia que ela precisava de mim?

                Talvez eu agora precisasse dela para respirar. Talvez aquela garota misteriosa houvesse tomado minha atenção de tal forma que meu mundo apenas pertencesse a ela.

                Não.

                Não, não. Absolutamente não.

                Eu não podia deixar minha mente ser dominada por aquela garota. Qualquer uma, menos por Hinata. Eu não podia decair por causa dela, não eu.

-              Professor. – Gritei, erguendo um dos braços e vendo todos os olhares se voltarem diante mim. – Preciso ir ao banheiro.

                Kakashi apenas me encarou, talvez percebendo minha aflição momentânea por nenhum motivo aparente. Assentiu com a cabeça e voltou sua atenção para a estrutura molecular que detalhava no quadro.

                Eu precisava de um cigarro.

                Corri a plenos pulmões para qualquer lugar afastado de pessoas. Era nessas horas que se amaldiçoava um colégio tão grande, de corredores tão enormes e exagerados. A primeira janela desprovida de atenção que eu encontrasse seria minha cúmplice para algo que poderia me prender. O ar começava a me faltar quando avistei minha sina, uma janela aberta, com vista quase que monumental para o prédio do ginásio.

                Acendi o cigarro antes mesmo de finalizar meu trajeto torturante até a janela. Inspirei rapidamente a fumaça venenosa, meu pulmão enriquecendo-se com ela e finalmente expelindo-a, fornecendo-me um prazer massivo. Cães não são os melhores amigos de um homem, mas sim os cigarros. Eles sim conseguem nos acalmar quando precisávamos, em troca de uma vida curta e sem saúde. Era um bom negócio.

                Recostei a cabeça na parede branca que se encontrava ao lado da janela, sentindo minhas mãos tremerem e minhas pernas fraquejarem. Eu não podia perder a compostura e estava agindo como um idiota por causa de uma garota que sequer tinha motivo de existência. Naruto, você é um idiota. Idiota. Idiota. Traguei o cigarro mais uma vez, finalmente olhando o pátio que ficava no andar debaixo.

                Havia uma loira lá, que eu reconhecia como ninguém. Ficara marcada em minha mente quando a vi pela primeira vez, junto com o ruivo e Hinata. Recostava-se em uma das árvores estrategicamente posicionadas lá embaixo, e parecia deliciar-se com a brisa que passava. Não percebeu minha presença.

                Eu devia estar pálido, pois sentia que a qualquer momento poderia desmaiar. Meu maxilar tremia, enquanto eu tentava inutilmente acender mais um cigarro. Tudo por culpa daquela garota infernal, aquela tal de Hinata que merecia sofrer o pior tipo de castigo possível.

                Minha raiva havia voltado.

                Pior do que antes.

-              ... – Eu ouvi passos singelos parando atrás de mim, mas nem sequer virei-me pra ver. Continuei encostado na parede, tentando recobrar os sentidos. – V-você... Está bem...?

                Sim, eu reconhecia aquela voz infernal.

                Hinata.

-              Você está branco... Quer que eu chame a enfermeira?

                Suspirei uma vez, percebendo que dessa vez Hinata não havia gaguejado para falar. Devia realmente se importar, ou devia estar se divertindo com isso.

                Não ouvi mais nada depois disso, sua voz sibilante e baixa havia desaparecido de meus ouvidos por alguns segundos. Segundos esses que me fizeram perder a razão, suplicar por sua voz calma e agoniada novamente.

                Uma mão quente pousou em meu ombro, enquanto a outra me fazia escorar em seu corpo pequeno.

                A mão pálida tomou o cigarro delicadamente de minha mão, apagando-o com os pés pequenos e jogando-o no lixo. Não me virei para encará-la, sabendo que quando chegasse em seus olhos, era capaz de desmaiar.

                Hinata me acompanhou em silêncio até a enfermaria, trajeto que demorou uns vinte minutos àquela velocidade. Eu não tinha condições de andar mais rápido que isso, e a bolsista que me tocava parecia perceber e acompanhar minha velocidade.

                As poucas pessoas que jaziam no corredor nos olhavam curiosas e zombeteiras. Naruto, o cobiçado, o rico, sendo escoltado por uma bolsista. Ela devia perceber, pois suas bochechas adquiriram o tom de vermelho doce, como se uma criança houvesse passado por ali e pintado sua face com giz de cera.

                Seus cabelos cheiravam como chocolate, emanando seu perfume suave pelas proximidades. Sua pele era quente, macia. Suas formas eram escondidas por um casaco grosso demais e uma calça larga demais, como se implorassem para não serem mostradas. Eu sentia seu olhar sobre mim de vez em quando, um ato preocupado, talvez. Talvez ela fosse usar isso contra mim mais tarde. Talvez eu estivesse delirando.

                Ouvi seu suspiro aliviado quando a enfermeira nos encontrou.

-              Meu Deus! – Gritou Anko, correndo para nos socorrer. – O que aconteceu com ele!?

                Hinata ficou em silêncio por alguns segundos, talvez pensando em como me dedurar à ponto de me expulsar do colégio e me deserdar.

-              E-ele... estava passando m-mal quando eu o encontrei... No b-bebedouro, e estava pálido demais... Eu r-resolvi t-trazê-lo pra cá...

                A mulher nos encarou de cima abaixo, talvez tentando digerir a mentira desesperada de Hinata. A mentira. Ela não disse simplesmente que eu estava numa crise existencial e acabando com meus pulmões na janela mais próxima. Agora a versão tornava-se apenas mais uma queda de pressão normal.

-              E o que fazia fora de sala, garota?

-              T-tsunade me p-pediu para entregar uns pap-péis para meu pai...

                Anko pegou-me pelo braço e me deitou em uma das três macas que residiam ali. Lembro da última coisa que vi, a luz industrial brilhando acima de mim. Ou seriam os olhos de Hinata? Apaguei ali mesmo, sem me importar com nada.


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