Obsession escrita por Clara Abrahao


Capítulo 3
Capítulo II: Fuga




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Capítulo II: Fuga

 

                Eu não podia mais permanecer naquele lugar infernal.


                Não que correr pelo corredor fosse uma vantagem. Talvez fosse até pior, comparado às pessoas e o ambiente. Mas com certeza, aquela bolsista imunda havia algo de tão podre que conseguiu me afetar.


                Quem era ela?


                As bochechas corando-se tão rapidamente a ponto de dar um ar angelical àquela pálida que eu sequer conhecia. Os cabelos escorrendo por seus ombros e chegando até o final de suas malditas costas, os lábios pequenos numa tentativa frustrada de sorriso. Cigarros, eu preciso de cigarros, urgente.


                Eu deveria ser um inútil que sequer conseguia dividir um ambiente normal com uma pessoa quinhentos níveis abaixo que o meu. Eu precisava fazer alguma coisa, ninguém mexia com Naruto e saía impune.


                Maldita.


                Caí sentado na grama do pátio, a fumaça do cigarro percorrendo o caminho de meus pulmões. Sentir aquele gosto amargo fazia-me tão bem quanto mal. Era como... Não, não era como ela. Aquela bolsista não me fazia bem, de forma alguma. Era apenas mais um toco em meu caminho, uma pedra em meu sapato, mais uma pessoa para eu tirar de vez da minha vida.


                Foram três cigarros seguidos até que eu me acalmasse por completo e resolvesse que ficar deitado naquela grama completamente verde não resolveria meus problemas. O que extinguiria por completo aqueles olhos de meu pensamento tinha igualmente a cor verde, mas era bem mais proveitoso que um punhado de grama. O que acabaria completamente com minha “visitante” não seria uma fuga plausível de quarenta minutos até o pátio do colégio, mas sim uma fuga diretamente para a dona do colégio. E aí entrariam minhas tão leais palavras.


                Sorri sozinho para o céu azul, jogando o filtro do cigarro no chão. Quando percebi, meus pés me levavam quase que sozinhos até a secretaria do colégio. O corredor estava vazio, o que me fazia lembrar que deveria estar atrasado para a aula. Dane-se mesmo, eu tinha minhas fontes.


                Avistei uma sombra conhecida no fundo do corredor, próximo ao bebedouro e com mais um celular diferente na mão. Se Neji não fosse alto o suficiente para eu reconhecê-lo, seria facilmente conhecido com a droga que invadiu meu mundo de perfeições.


-              Hei, onde vai com tanta pressa? – Comentou, um sorriso abobado nos lábios.


-              Desfazer a merda que você fez.


                As sobrancelhas de Neji se levantaram, expressão que eu reconhecia como um “hãn?”. Odiava leitura facial, principalmente quando estou com um conhecido. Amigos são palavras profundas demais para mim.


-              Como assim? – Ele me encarava, confuso e frustrado.


-              Aquela coisa na minha sala, é sua parente, hãn? – Meu tom frio não saiu como esperado, mas o resultado foi, no mínimo, recompensador.


                Neji baixou os olhos pálidos, fitando os pés e desligando o celular rapidamente. Até hoje eu não sei o que se passava naquela cabeça de vento que só pensava em tecnologia.


-              A Hinata é... Minha prima... De segundo grau.


-              Explicado. – Cruzei os braços, encarando-o.


                Ele voltou seu olhar para mim, desafiador.


-              Não entendo qual o motivo dessa merda toda por causa de minha prima.


-              Eu que não entendo mais nada por aqui! – Gritei. – Você é um merda podre de rico, Neji! Porque ela é uma... Bolsista... Mas que droga!


-              Nossos pais são irmãos e não se dão, Naruto. É só isso.


                Suspirei, tentando me acalmar.


-              Explica. Se estava aqui fora por causa desse celular, pode perder mais tempo explicando essa história.


                Neji fechou os olhos e suspirou uma vez, guardando o celular no bolso. Isso era um sinal de que a conversa seria longa, pelo que conhecia.


-              Meu pai, Hizashi. Sempre teve uns... Problemas com o pai dela, Hiashi. Papai sempre foi esforçado para com tudo, e Hiashi simplesmente queria tudo à tempo e a hora. Quando enriquecemos, Hiashi ficou uma fera. E não aceitou ajuda, por mero motivo de orgulho. Hoje, se estão onde estão, a culpa não é nossa.


                Ergui uma sobrancelha.


-              Acho que isso está mal contado.


-              E eu acho que você precisa se tratar. – Neji puxou novamente o celular do bolso, apertando botões aleatórios. – É o que realmente aconteceu. Hinata é complexada, Naruto. Não fale com ela que ela não lhe causará problemas.


-              Ela já me causa problemas pelo simples fato de existir.


                Neji disse mais alguma coisa que eu não consegui ouvir. Tudo o que consegui fazer foi me dirigir novamente até a sala, a vontade do fumo correndo novamente por minhas veias.


                Aquela maldita garota, em menos de dois tempos de aula, conseguira fazer algo que nenhuma havia conseguido fazer. Tirou minha paciência, esgotou com ela de tal forma que considera-se ser humanamente impossível. Ela não falava, ela não se expressava, não fazia porra nenhuma! Parecia um bicho, algo de outro planeta. Apenas limitava-se a apontar as respostas no livro, coisa que nem Sakura conseguia localizar, e voltava a fechar-se em seu casulo particular.


                Um inseto. Era isso que ela era.


-              Naruto. – O professor de português chamou-me, a voz repreensiva, assim que abri a porta e adentrei a sala. – Está quase no final da aula.


                Ah, vá pro inferno você também.


-              Só estava um pouco indisposto. – Falei, fingindo a voz.


-              Passou na enfermaria?


-              Aham, já estou bem professora, obrigado por perguntar.


                Senti que todos os olhares se voltavam para mim enquanto eu me dirigia à minha carteira, para esperar os últimos quinze minutos de aula e partir para o recreio. Danem-se todos eles, que caia um meteorito do tamanho de Marte na cabeça de cada um.


                Porque ela não me olhava, junto com as outras pessoas? Porque ela simplesmente fingia que o resto do mundo não existia? Porque ela se limitava a encarar o chão, corar e novamente encarar o chão? O que tinha de tão legal no chão a que ela tanto dava atenção?


                Sasuke materializou-se a meu lado, colocando um fone em meu ouvido.


-              Olha só o que peguei a Sakurazinha ouvindo! – Ele caçoava de Sakura, que continuava impassível.


                A música começou a soar lenta, tornando-se algo mais animado para o meio. A voz era feminina, provavelmente mais uma dessas cantorazinhas de meia-boca que não faziam nada além de cantar por alguns trocados.


-              Dá pra desligar esse caralho antes que eu te enfie a mão na cara? – Falei, rabugento.


-              Já de TPM, Naruto? Chegou rápido dessa vez. – Sasuke sentou-se a meu lado, aquele sorriso irritante no rosto.


-              Vá procurar uma vadia pra pegar e me deixa em paz.


-              Wow, cara, então o troço foi sério. Fala, o que te incomoda?


                Minha reação foi encarar os olhos de Sasuke, querendo quebrar a mesa à minha frente de qualquer forma. Como se pudesse ler meus pensamentos, o moreno colocou a mão em meu ombro e deu leves tapinhas.


-              Pode falar, você sabe que eu to contigo. – Ele hesitou ao falar, mas parecia seriamente preocupado.


                Sasuke poderia ser o ser mais fútil, egoísta e nojento que pisasse sobre esse chão chamado vulgarmente de Terra, mas quanto mais eu convivia com ele, mais eu descobria que havia sim um cérebro enterrado naquele monte de sucata que ele chamava de cabeça. Agora faltava encontrar seu coração, se é que isso era possível.


                Mordi o lábio inferior, derrotado.


-              É essa garota nova, essa tal de Hinata. Quem ela pensa que é!?

                Sasuke me encarou, curioso.


-              O que ela fez afinal?


-              Tudo, porra! – Explodi. – A garota não fala com ninguém, sequer fala! Não fez amigo nenhum, não olha pra mim quando todos deveriam olhar! Mas que merda!


                A expressão preocupada de Sasuke tornou-se, então, cômica. Um sorriso zombeteiro brincava em sua face, e seu olhar não expressava mais a preocupação desejada. Aquele traidorzinho.


-              O que tem de tão engraçado nisso? – Virei-me para frente, evitando encará-lo.


-              Síndrome de Atenção. Ou “mamãe, ela não falou comigo”. Seja pelo que for, deve ser a primeira pessoa que não te dá atenção nesse lugar todo, huh? Ora, o que há, Naruto. É só mais uma garota, que no caso, você não sabia da existência até antes de duas horas atrás. Haja como se ela não existisse.


                Voltei-me novamente para o moreno, que sorria abobado para mim. Abaixei um pouco a face, como se fosse o observar de baixo.


-              Que está fazendo? – Ele perguntou, cético.


-              Vendo se encontro algum resquício de cérebro. O que você falou, deve ter queimado a mufa pra conseguir algo assim.


-              Seu corno. – Ele riu e me deu um soco de leve no ombro.


                Era isso o que eu faria. Rejeitaria permanentemente aquela garota estranha que não queria manter nenhum contato aparente com ninguém. Como se ela não existisse, como se ela fosse apenas um lixo encostado em uma parede, onde pessoas jogam papéis e cospem. Algo irrelevante, algo que não merece minha atenção.


                Foi com esse pensamento que fomos despachados para o recreio.

 


 

                A cada dia que se passava, mais eu conseguia cobrir a existência daquela garota, como se um pano negro a escondesse de mim. Aquela maldita menina estranha já não fazia mais tanta diferença em meu cotidiano, fazendo-se já uma semana que eu permanecia com meu comportamento normal.


-              Podemos fazer assim, - Sasuke comentava a meu lado no corredor. – Saímos de casa umas 23:00 e voltamos quando Deus quiser.


                Concordei, prestando atenção no corredor à minha volta. Nenhuma cara nova, nenhum rosto bonitinho, apenas os constantes. Tedioso... Precisava de algo para me distrair, urgente.


                Foi quando eu percebi que havia sim caras novas no colégio.


                Lá estava ela, minha sina de olhos brancos, recostada à parede. Seu sorriso estava escondido talvez por sua história, talvez por sua mente. Ninguém nunca havia visto aquela garota sorrir, em uma semana inteira, e aquele esboço era quase que um tesouro desenterrado.


                E mais.


                Conversava.


                À sua frente, um ruivo permanecia solene e sério, uma versão masculina de quietude e solidão. As palavras eram ditas lentamente e quase inaudíveis, eu mesmo não fazia idéia do que estavam conversando. Ao lado dos dois, uma loira de penteado a desejar permanecia, encarando o nada.


                Não era a melhor hora para filosofar, mas o que eu entendia daquele trio era uma pintura abstrata, tão perfeita a ponto de ser reconhecida apenas com o olhar. A comunicação era silenciosa, simples e constrangida demais para ser elevada ao público. Sim, ao público. A grande maioria do corredor era testemunha ocular do fato mais estranho ocorrido na primeira semana de aula.


                E então, seus olhos brancos fitaram os meus.


                Demorou uma fração de segundos para que toda a raiva, toda a frustração e toda a revolta de semana passada voltassem à mim, como ímãs. Aquela garota era um ímã para sentimentos homicidas, dos piores possíveis.


                Suas bochechas adquiriram aquele mesmo tom de vermelho vivo que me... Revoltava. Depois, voltou-se novamente para o ruivo de olhos verdes que permanecia como um muro humano à sua frente. A loira nada falava, apenas observava o corredor.


-              Você ouviu alguma coisa que eu falei? – Sasuke perguntou, emburrado.


-              Aquela maldita... – Murmurei entre dentes.

-              Hãn?


-              Nada, nada. Que se dane também.


                Comecei minha caminhada rápida pelo corredor, colocando a culpa nas aulas que já iriam começar. Passei por uma infinidade de rostos conhecidos e não cumprimentei nenhum, inclusive Sakura. Não estávamos nos falando muito durante a semana, portanto não fazia muita diferença.


                Sentei-me em qualquer cadeira que vi pela frente, afundando minha face nas mãos. Eu não conhecia aquela garota, eu mal sabia de onde ela tinha vindo, e mesmo assim ela mexia comigo de uma forma tão avassaladora a ponto de acabar com meu dia. Devia ser uma praga, alguém posto exatamente naquele lugar apenas para infernizar o resto da minha existência.


 

 

-              E então eu disse “cara, qual foi!”, e o infeliz veio todo se crescendo pra cima de mim!


                Aguentar os absurdos que Kiba dizia era quase tão doloroso quanto segurar ferro quente em punho. Aquele animal não tinha nada de mais interessante a dizer, apenas confabular sobre suas saídas banais com pessoas mais banais ainda.


                Sakura estava inquietantemente quieta, acompanhada de Ino e Tenten, uma mesa à nossa distância. A morena e a loira conversavam sobre algo em segredo, Ino com seu olhar furtivo percorrendo a sala. Como se um segredo de estado pudesse vazar a qualquer momento, por qualquer motivo.


                Suspirei, derrotado.


-              Vem. – Puxei Neji pelo braço, que parecia se divertir às custas de um iPhone de aparência desgastada.


-              O que?

-              Tenho que fazer algo para manter a cabeça no lugar.


                Eu sabia que Sasuke odiava agüentar Kiba em mais um de seus avanços literários, mas alguém tinha que agüentar o tranco e alguém tinha que me dar explicações. A única pessoa que conseguiria arrancar informações sigilosas seria dele, de qualquer forma.


                Nossa caminhada reduziu-se a apenas alguns passos lentos, Neji caminhando a meu lado e minhas mãos puxando um fio qualquer de meu jeans.


-              O que aquelas três andam cochichando? – Perguntei, encarando o chão.


                O garoto ficou em silêncio, fitando um ponto inexistente no final do corredor.


-              Fale logo, Neji. Não ando em meus melhores dias e não quero me estressar mais.


-              Não sei se devo contar... – Ele parecia receoso. – E também não sei mais o que isso tudo quer dizer.


-              Conte logo, merda! – Explodi, mais uma vez.


-              A Sakura. – Neji parecia escolher bem as palavras, dando pausas pouco demoradas durante as frases.  Ela... Não quer mais você.


                Então, era isso.


                Haruno Sakura queria dar o toco em Uzumaki Naruto.


                Quem aquela mulherzinha pensava que era?


-              Sabe, - Neji continuou, talvez prevendo meus pensamentos. – Ela diz que você está diferente. Na verdade, todos nós percebemos isso.


-              Como é? – Virei-me rapidamente para encará-lo. – Diferente?


-              É a Hinata, Naruto. Você parece obcecado por ela.


                Obcecado.


                Por Hinata.


-              Vocês são doentes ou o que? Puta que pariu, me deixem em paz de uma vez! Eu nu-


                Mordi minha língua ao tentar falar, quando algo atravessou nosso caminho e nos fez cair. Bom, eu caí. Neji apenas recostou-se na parede, pegando impulso.


-              Olha por onde anda! – Berrei, afagando a cabeça com fúria. Seja lá quem fosse, estaria encrencado.


-              D-d-d-desculpa... Eu-eu... D-desculpa...


                A voz era de uma doçura tão inimaginável que eu me permiti vagar por ela um pouco mais. Como sinos badalando, eu não saberia dizer. Em dezesseis anos dessa vida maldita, aqueles poucos segundos que levaram para que aquela voz chegasse a meu cérebro mostraram que talvez todo o sofrimento fizesse sentido.


                E então, eu recobrei os sentidos.

 

                Seus olhos brancos fitavam o chão, a face tão mais corada que a deixava com um ar angelical. As mãos, trêmulas e urgentes, tentavam em vão arrumar a pilha de livros que jazia espalhada pelo chão. Hinata era tão mais branca de perto que parecia quebrada.


                Ela olhou para mim, o ar arrependido.


-              Eu... Não t-te vi... Desculp-pa...


-              Pense mais antes de andar distraída. – Falei, recobrando a consciência e assumindo minha antiga postura de dureza.


                Ela assentiu uma vez, ainda caída no chão. Seu olhar dirigiu-se de mim para Neji, e vi algo que talvez nunca pudesse ter presenciado na vida.


                Seus olhos eram suas janelas, tive certeza disso naquele momento. Quando os pares brancos de orbes encontraram o mesmo eixo, a face de Hinata caiu num pânico silencioso que poderia amargurar a qualquer alma que estivesse presente, inclusive a mim. Tive a ligeira impressão que a garota começaria a chorar do nada, desesperada. Seu olhar não era raivoso, não era revoltado. Era medo... Era necessitado. Ela precisava de ajuda, ela tinha horror em seu olhar.


                O garoto ruivo materializou-se a nossa frente, os olhos verdes encarando Neji com ódio.


-              Você está bem? – Ele perguntou.


-              Sim. – Respondi simplesmente.


-              Não você, acéfalo. Ela. – Seu olhar encontrou Hinata caída no chão, e o ruivo abaixou-se para ficar à sua altura. – Está machucada?


-              G-gaara...


-              Quem você pensa que é pra falar assim comigo? – Cruzei os braços, ignorando completamente os olhares curiosos que vinham em nossa direção.


                Ele não respondeu. Tudo o que se limitou a fazer foi escorar Hinata em seu próprio corpo e cambalear com ela pela extensão do corredor.


                Durante todo o trajeto, eu ainda consegui ver o olhar de ódio que o ruivo lançou para Neji, que se encolheu, num ato mecânico.


                Foi só então que eu percebi que uma semana pode mudar toda uma história a longo prazo.


                Havia algo ali que não queriam que eu soubesse. Havia um mistério que envolvia Hinata e Neji de tal modo que cruzar o olhar dos dois era de se fazer arrepiar. Algo de muito grave havia acontecido – ou estava acontecendo. E como se já não bastasse, como se tudo mais não pudesse piorar minha situação, eu não odiava Hinata como pensava.


                Eu havia me viciado nela.


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Notas finais do capítulo

Prontinho pessoal , agora vou responder os reviews. q
Obrigada mais uma vez



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