A Lenda dos Corvos escrita por Matheus Hipolito


Capítulo 2
Capítulo 2 - Rei dos Corvos?




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Capítulo 2

— Então, o que o senhor sabe fazer? — Pergunta o Sr. Blaker, ele já não está mais com o corvo no ombro, ele o colocou em um poleiro ao lado da mesa onde estamos sentados.

— Eu sei fazer várias coisas — Respondo, tentando falar de maneira mais culta possível, sem linguagens de jovens, o que está me fazendo soar a camisa — Eu sei como administrar um caixa, pois já fiz um curso sobre lojas, também sei cuidar de pássaros, eu gosto muito deles...

— Corvos não são qualquer tipo pássaro — Diz Sr. Blaker, me interrompendo — Eles são criaturas diferentes, que devem ser tratadas com o máximo de cuidado, não é a toa que só existe esse viveiro para corvos, numa cidade tão grande quanto Nova York.

— Eu sei como cuidar deles, Sr. Blaker — Agora ele me passa a me olhar de forma cautelosa — E posso mostrar pra você, caso tiver dúvidas.

— Bom, Sr Rood, preciso de alguém que não só cuide deles, mas que cuide da loja também...

— Será um prazer...

— Espero que seja... — Sr. Blaker me lança um sorriso malicioso, mas que não combina nada com seu estilo: um homem baixo, um pouco gordo e com poucos fios brancos na cabeça. Espero que ele não seja tão mal quanto parece, não quero odiar meu primeiro patrão.

***

Volto para a casa com um sorriso radiante, que vai de orelha a orelha.

Quando chego, estaciono minha bicicleta na nossa garagem,oumelhor, jogo-a lá dentro, esperando que amanhã eu não tenha problema em acha-la.

— Roger? — Minha mãe está me chamando, não parece estar preocupada, somente curiosa.

— Sou eu mãe. — Respondo.

Entro na cozinha, e lá está ela sentada com uma calça nas mãos e alguns fios enrolado. Ela está usando um óculos que eu quase nunca a vejo usar, isso me desanima um pouco, não consigo ver minha mãe usando um óculos, sem pensar que ela poderá envelhecer, e um dia não estar mais aqui. Esse pensamento desaparece, quando eu vejo seu sorriso.

— E como foi seu dia, querido? — Helena pergunta.

— Agora sou um garoto empregado. — Digo sorrindo, mas sem felicidade nos olhos, como se eu estivesse feliz, mas só de pensar em trabalhar isso me desanima. É claro que eu estou feliz, só sou sarcástico.

— Se eu não conhecesse você tão bem quanto eu conheço — Diz ela — Pensaria que você foi obrigado a arranjar um emprego, enfim, parabéns, filho! — Ela se levanta da cadeira devagar, e vem me dar um abraço.

Eu sei que não fui obrigado trabalhar, mãe, mas se você não percebeu, sua perna está inchada! Penso em falar isso, mas talvez magoaria minha mãe, e deixo isso só na minha mente.

Logo depois, conto tudo a ela, e ela fica com um pé atrás sobre a Nightmire Crowns, mas mesmo assim, não diz para eu procurar outro emprego.

***

— Então quer dizer que agora você vai atender a pessoas demoníacas que precisam de corvos para seus rituais satânicos? — Pergunta Martin, no telefone — Prefiro comer carne de gato!

— Não seja idiota, Martin — Tento explicar a ele — Não é uma loja satânica, é só uma loja de um amantes de corvos, além do mais...

— Não precisa mais explicar, Sr. Rood — Fala Martin — Não quero pensar nisso antes de dormir. E nunca me chame para ir encontrar você depois do expediente, por favor.

— Boa noite, medroso — Digo, desligando o telefone e rindo, Martin é mesmo um idiota, mas um idiota engraçado.

Deito-me na cama, e deixo a luz fraca ainda acesa do corredor do lado esquerdo do meu quarto tentar penetrar nos meus olhos. Penso em apaga-la, mas só de pensar nisso, sinto meu corpo endurecer e grudar na cama, meus olhos já não suportam mais a luz e eu preciso fecha-los. Durmo ali mesmo, e deixo a luz acesa a noite toda. Pensando pelo lado bom de não ter ido apagar a luz, talvez precisarei dela todas as noites a partir de amanhã, pois corvos não são o melhor tipo de pássaros com que sonhar.

***

Martin deve a gentileza de espalhar para a escola toda que agora estou trabalhando em um viveiro de corvos, e com certeza, não vai ser fácil de esquecerem.

"Coveiro" "Limpador de Corvos" "Pesadelo" "Rei dos Corvos", são tantos apelidos novos que, nem sei se já ouvi todos, mas o importante é: eu não ligo pra nenhum.

Aprendi com o próprio Martin Alg que isso deve ser ignorado, pois Martin sempre foi um cara que sofria por apelidos, mesmo sendo ele que colocava-os nas pessoas, o que é estranho.

Como será meu primeiro dia de emprego?

Irei trabalhar das 13:00 as 17:00, 4 horas diariamente vivendo aos lados de corvos vivos e de mentiras, mas pelo lado bom, pelo menos não são 8 horas de serviço.

— Fala aí, Despachante de Corvos, dormiu bem? — Martin diz, colocando o braço sobre meu pescoço e andando comigo pelo corredor, na direção da primeira aula.

— Não acho tão engraçado como todos estão achando, talvez seja porque não ligo — Digo, tentando parecer calmo — Minha cabeça está ocupada demais com outras...

— Ah Meu Deus! Um corvo — grita Martin e aponta o dedo para o teto.

Como qualquer um faria se estivesse assustado, eu me abaixo colocando as mãos sobre o rosto, tentando cobrir, mas então percebo que Martin está rindo e todas as pessoas ao redor também.

— Panaca! — Exclamo, saindo pelo corredor em direção a minha sala, ouvindo as risadas e os gritos de escândalo de pessoas idiotas. Meu corpo treme de raiva, e está fervendo.

Entro na sala chutando a carteira da minha frente, os 4 alunos que estão na sala se assustam e olham para mim, percebo alguns cochichos, mas não vou ligar, NÃO VOU LIGAR.

O professor de química entra na sala, e Martin está atrás dele, imitando-o. Sorrio, não consigo sentir raiva dele para sempre.

***

— Solte-me! — Digo para um corvo que está tentando me bicar, suas garras estão fincadas sobre meu braço direito — Saia!

O corvo faz um barulho estranho, e quando olho para o alto, mais corvos estão a caminho. Dou um soco na pata do corvo, mesmo isso doendo em mim mesmo, e saio correndo, deixando os corvos para trás.

Corro o mais rápido possível, e quando olho para trás, vejo pelo menos 100 corvos voando na minha direção. Seus barulhos fazem meus ouvidos latejarem, estou em pânico.

Ao longe visualizo a estrutura de uma casa, a minha casa. Corro cada vez mais, por que não estou cansado?

Entro na casa chutando a porta, e tranco-a atrás de mim com um baque surto, e deslizo para o chão, com as costas sobre a porta. Mas então sinto algo cortar minhas costas, e quando vejo, bicos de corvos estão fincando na porta, tentando entrar na casa.

— Saiam! — berro — Saiam!.

— Sr. Rood? — Chama-me uma voz, mas quem poderia ser? Não tem mais ninguém humano além de mim, no meu sonho. — Sr. Rood?

A imagem dos corvos na minha cabeça some, e eu me encontro na mesa da sala de aula, com Martin me observando em silêncio. Devo ter feito algo bem horrível para até ele não fazer piadas sobre isso.

O sinal toca, e alguns ainda continuam nos seus lugares.

— Vão — Diz o Sr. Fligg — Vão, rápido.

Só restam eu, Martin e o Sr. Fligg.

— Me desculpe senhor, eu... — Começo, mas sou interrompido pelo Sr. Fligg.

— Pesadelos acontecem, Sr. Rood, acho que deve ir descansar...

— Ele só está nervoso com o primeiro dia de emprego, senhor... — Diz Martin.

— Não é isso — Digo — Só tive um pesadelo, cara.

— Claro, tudo bem Sr. Rood, agora vamos lá pra fora, o almoço já deve estar sendo servido... — Sr. Fligg fala, nos deixando para trás.

— Vamos, cara — Martin me chama, e caminhamos para fora da sala.

***

— Como você se chama mesmo, meu jovem?

— Roger Dennis Rood — Respondo.

— Ah, claro. Sr. Rood — Fala sorrindo, Sr. Blaker — Me acompanhe por favor.

A Nightmire Crowns está bem escura hoje, talvez em especial a minha visita.

Todos os corvos entalhados parecem me acompanhar com os olhos, como aquele da recepção, e agora vejo que há muito mais sujeira do que eu imaginava.

Todas as prateleiras subindo as escadas da recepção, dão a uma série de livros sobre corvos: Como transformar um corvo em seu melhor amigo, Como fazer um corvo buscar uma carta no correio, Corvos, você os conhece de verdade?, Leia e compre um corvo... São vários títulos, todos envolvendo corvos, e pelo que eu vi, são muitos.

***

Sr. Blaker, me mostrou cada parte do Nightmire Crowns, andei sobre o sótão, cheio de livros e várias gaiolas empoleiradas, vi a caixa registradora, e não soube como aquela "máquina mortífera" dos anos 20 ainda pode estar aqui. Ele também me mostrou onde ele entalhava os corvos, o que me assustou um pouco, pois sobre a mesa, na porta de atrás do balcão e a esquerda da escada que desce para o porão, estava uma enorme faca, um facão, na verdade, e um amolador do lado. Vi também algumas fotos e uma licença, bem velha, mas algo naquela licença me fez olha-la com mais cuidado, aquela licença eu nunca havia visto. Mesmo nunca tendo visto muitas licenças, aquela não era da polícia de Nova York. Tinha um selo escrito: "Delegacia Undercrown" aquilo não existia aqui... Gaspar? O Sr. Blaker se chama Gaspar. Está escrito em sua licença. É um nome estranho e soa tão engraçado que até me esqueço daquela delegacia.

— Gaspar Blaker? — Pergunto.

— Gaspar BORIS Blaker. — Completa Gaspar, rindo. — Bom, agora vamos, quero lhe mostrar o porão.

Algo naquilo me fez gelar, talvez eu não queira ir ver o que tem lá, talvez eu queira. Não sei o que quero, sou curioso e as vezes tenho medo. Não tenho vergonha de assumir.

— Tudo bem — Falo, mas Sr. Blaker já está descendo a escada do porão para me escutar. — Vamos lá.

***

O porão é tão assustador quanto eu imaginava.

Existem tantos corvos entalhados, que me sinto tão inseguro quanto estar pelado na frente de toda a escola.

Corvos presos em gaiolas, com o olhar frio, pronto para bicar o primeiro que chegar perto... Se fossem de verdade.

Existem materiais de construção, uma série de vassouras sujas num canto, e uma poltrona velha e acabada, com um abajur em cima de uma pequena mesa de centro. Presumo que o Sr. Blaker leia livros sobre corvos em uma noite macabra, enquanto os corvos o observam.

Penso em Sr. Blaker, ele não tem a cara de quem faz isso, mas mal o conheço. Quem poderá me falar se isso é verdade, ou não?

No fundo do porão, há uma outra porta, uma porta de metal, com quatro vidros formando um quadrado, mas é como se ele fosse repartido em quatro partes iguais, mas isso não importa, pois o vidro das quatro partes está todos foscos, não dá para ver o outro lado, nem se a pessoa chegar muito perto.

— A partir daquela porta — Diz Gaspar — Estão os corvos.

Meu coração dispara, e eu consigo ouvir o bater forte dele.

— O.k. — Falo, tentando parecer calmo, mas com certeza o suor na minha testa me entrega, e o Sr. Blaker parece perceber isso, pois hoje está muito frio, e ninguém ia soar por calor. — Só estou ansioso, não com medo.

— Relaxe meu jovem — Diz Sr. Blaker, olhando para mim, enquanto destranca a porta com um molho de chaves todas prateadas — Não foi fácil para mim no primeiro dia, ah, não foi fácil.

— Como assim? — Pergunto, espantado — Pensei que a loja sempre fora do senhor...

— Não, não, não, meu jovem — Diz ele — a Nightmire Crowns é muito mais antiga do que você pensa — Ele me lança um sorriso malicioso, como se eu fosse tolo o bastante para não entender tudo o que ele entende.

A porta se abre, e o som invade meus ouvidos como um tapa.

Corvos não piam, eles gritam, gritam como pessoas, o que é bem estranho.

Preciso tampar os ouvidos para passar entre um corredor, onde aos meus dois lados, está um tipo de cela, e nela se concentra muitos corvos. Não pergunto porque estão aqui, só sei que quero chegar a parte em que não escute mais esses gritos.

E então chegamos.

A princípio, achei que estava tudo ao ar livre. Que quintal lindo a Nightmire Crowns tem, mas então, um corvo vem voando sobre minha cabeça e pousa no ombro de Gaspar Blaker.

— Olá Torn — Diz Sr. Blaker, gentilmente olhando para o corvo, que bica o nariz dele, amistosamente, não sei como ele consegue reconhecer um corvo, e por que diabos ele dá nomes as corvos?— Ah, esse é nosso novo ajudante, Roger Rood.

— É... oi — Digo timidamente, olhando diretamente para o corvo.

Ele parece me olhar nos fundos dos olhos, me analisando, e então voa, gritando tão forte quanto um bebê recém nascido pode gritar quando nasce.

E então, descemos os poucos degraus, e eu consigo sentir a grama fofa na sola do meu tênis.

***

Tudo está bem, por enquanto.

De repente, uma chuva de corvos surge de um buraco no fim da parede a minha frente. Lembro-me do meu sonho hoje na escola, e viro-me para trás para correr, mas primeiro penso: ei, isso não é sonho, e o Sr. Blaker não irá deixa-los me atacar... Pelo menos é isso que eu espero.

Sinto o cheiro de algo sem aroma, mas que não é bom, e aquilo embrulha meu estômago.

Preciso trabalhar aqui mesmo?

Sim, eu preciso. E eu vou amar aqui.

A chuva de corvos voa bem perto das nossas cabeças, mas sinto meu pavor se esvaziando. Talvez eu tenho um jeito de olhar errado para os corvos.

E daí que parecem maus, e daí que gritam alto, e daí que as vezes nos encaram analisando-nos. Nós, humanos, não somos tão diferentes deles.


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