Ali, bem na frente de Chihiro estava Sem-Rosto. Aquele sorriso arredondado, o corpo que mais parecia uma sombra disforme. Ele estava ali, como se fosse completamente normal.

—Sem-Rosto... o que... o que faz aqui? — Ela perguntou se aproximando da beirada da cama.

—Hum... — Ele não falava. Apenas grunhia. Era um bom sinal... sinal de que não havia comido ninguém no caminho.

—Você não devia estar aqui. Devia estar no mundo espiritual. —Ela fala pra ele, sem acreditar totalmente no que via.

O sorriso de sem rosto desapareceu, e sua boca se curvou para baixo deixando em seu rosto uma expressão de sofrimento.

—Hum, hum... —Ele emitia aqueles sons bizarros.

—Certo... certo. Calma... você deve estar aqui por um motivo... Como estão todos? Vovó Zeniba está bem? — Ela indagou preocupada.

—Hum, hum. — Ele fez sinal afirmativo com a cabeça, sorrindo.

—E Haku? Sabe como ele esta? — O sorriso de Sem-Rosto sumiu novamente, e ele afirmou com a cabeça. — O que isso quer dizer?

—Hum... hum... hum. — Sem-Rosto bem que podia falar!!

—Haku está bem? — Chihiro perguntou, o coração apertado, se enchendo de medo.

O amigo espiritual de Chihiro fez que não com a cabeça, as feições de sua mascara eram de tristeza, sofrimento. A Jovem mulher viu os braços surgirem do corpo negro de Sem-Rosto, ele os estendeu a ela e segurou suas mãos.

—Hum! Hum! — Ele puxava-a em direção a porta do quarto. Queria que fosse com ele.

—Sem-Rosto! Não posso ir assim! Tenho que avisar meus pais que estarei fora! E... e... tenho que me preparar para ajudar Haku... — Ele disse. — Espere só um pouco, depois vamos até o túnel, está bem?

Sem-Rosto assentiu, mas começou a andar de um lado para o outro, parecendo ansioso. O que será que Kohaku tinha? Chihiro se apressou em escrever um bilhete para sua mãe, sabia que fazia isso mais por si do que por ela. Sua mãe não se conformava que Chihiro ainda morava com ela e o marido, e queria muito que a filha saísse de casa, para que então fizesse a sua “viagem dos sonhos com o marido”. Ficaria feliz de ler o bilhete que a filha havia deixado.

A garota arruou uma mochila com roupas e coisas que imaginou que poderia precisar, como lanternas, ataduras, pomadas para ferimentos, etc. Trocou-se, se iria ver Haku, mesmo que ele não estivesse bem, estaria ao menos com uma boa aparência. Pegou seu melhor vestido, colocou um short por baixo, pois odiava vestidos, mesmo aceitando que valorizavam seu corpo. Ela calçou uma rasteirinha confortável. Escovou os cabelos, e enfiou a escova na mochila. E então tocou o pulso, onde estava aquele pequeno laço de cabelo que tornara-se um amuleto importante, mesmo antes de se lembrar do significado dele. Era o laço que Zeniba dera a ela... Ela já o tinha como amuleto antes de se lembrar que tinha sido feito por seu amigos queridos. Estava pronta. Se Haku precisava dela, ela estaria lá.

—Sem-Rosto? Estou pronta... — Mas não houve resposta. Ela já não achava mais ele. —Onde ele se meteu? — Ela procurou pela casa, e depois de um tempo, decidiu que não teria problemas em começar a seguir para o túnel sozinha, certamente, era isso que Sem-Rosto havia feito.

Saindo para a rua hesitante, Chihiro se preparou para começar a corrida, mesmo que seu corpo ainda doesse da queda no túnel. Respirando fundo ela iniciou seu percurso. Desta vez, prestou mais atenção no caminho. Quando entrara na pequena estrada de terra. As árvores, grandes e majestosas, estendiam seus galhos acima de sua cabeça formando uma agradável sombra na estrada. As cigarras faziam sua sinfonia rotineira, podia-se ouvir uma pássaro cantando em algum lugar. Era uma bela estrada. Então ao canto dela, dava pra ver uma daquelas pedras com face sorridente, aquelas, que assustavam Chihiro até a alma.

Ela seguiu seu caminho. Assim que avistou o túnel, viu també Sem-Rosto, que a esperava ao lado da pedra.

Chegando ao lado dele, ela parou para respirar. Ofegante, colocou as mão nos joelhos e tirando uma garrafa de água da bolsa (a única que trouxera), esvaziou-a rapidamente.

—Aqui estamos nós... — Ela sorriu.

Sem-Rosto sorriu também. Parecia feliz em ter ela ali.

—Finalmente verei todos novamente... — Ela disse. Seu amigo concordou com a cabeça. — Bem... finalmente... verei Haku de novo...

—Hum... — O sorriso daquela máscara desapareceu, mostrando novamente aquela expressão de sofrimento. — Hum. Hum. — Ele começou a caminhar em direção ao túnel. Entrando e desaparecendo nas sombras, deixando Chihiro só.

Ela caminhou até a boca do túnel e parou. Todo o seu corpo tremia. Estava ansiosa, com medo, feliz... Era uma confusão de sentimentos, de sentidos. Era uma sensação conhecida e ao mesmo tempo tão nova!

Ela respirou fundo e adentrou nas sombras do túnel. “Vá e não olhe para trás”, a voz de Haku preencheu sua memória. Esse conselho devia contar para a entrada no túnel também... Ela caminhou até o campo aberto do outro lado. O sol brilhava forte, as casas de que se lembrava ainda estavam ali, junto com mais daquelas estranhas pedras. Mais adiante, Sem-Rosto a esperava. Ela caminho alegremente até ele. Ele mostraria o caminho... seja lá para onde ela tinha de ir...

Andando atrás dele, Chihiro só pensava em Haku. Devia estar muito bonito...

Perdida em seus devaneios, ela não notou quando a sombra mascarada parou de andar e esbarrou nele.

—Desculpe... — Ela disse simplesmente e ficou ao lado dele.

Estavam em uma estação de trem. Ele devia estar levando-a até Vovó Zeniba. Em silêncio, eles esperaram.

O trem veio, Sem-Rosto entregou as passagens. Agora, tudo o que tinham que fazer, era sentar e esperar.

Assim que chegaram, Sem-Rosto guiou-a até a casa de Vovó Zeniba, que já estava a porta esperando.

—Chihiro! — A velha bruxa gritou animada em ver a garota. —Como você cresceu! Está tão bonita!

—Vovó! — Ela gritou, correndo de encontro a senhora e abraçando-a bem apertado. — Me desculpe a demora para voltar!! Eu não sei porquê, ou como, mas eu tinha me esquecido de todo o tempo que passei aqui! Só lembrei hoje cedo, quando vim até o túnel por acidente.

—Aah minha querida. Isso aconteceu pois há magia no túnel. Ao passar pelo portal, suas memórias ficaram para trás. Você achou o caminho de volta a elas porque eu te guiei. — A senhora sorriu. — Através disso. — Ela apontou o lacinho de cabelo no pulso da garota.

—Ah! Então foi por isso que esqueci! — Isso fazia muito mais sentido.

—As coisas aqui mudaram um pouco, e talvez você não goste pequena... Mas exatamente por isso que está aqui.

Chihiro parou e pensou por um instante. Por que a chamariam para resolver um problema? Bom, o que importava é que estava aqui. Ainda era dia, e poderia ver Haku. Mesmo se as coisas fossem diferentes. Chihiro sentia que na verdade, aquele sempre fora o seu lugar.

—Chihiro? — Zeniba chamou. — Chihiro minha querida, por que não entramos em casa, assim podemos conversar melhor enquanto tomamos um chá. E onde você pode estar sentada, para ouvir as notícias que a trouxeram de volta ao mundo espiritual.

—Ah, sim. — A garota concorda.

Zeniba e Sem-Rosto entram na frente. Chihiro olha para trás e sorri, contente. Entrando na casa da bruxa, completamente feliz, sem saber ainda o que lhe aguarda nesta nova jornada.