Todos permanecemos estáticos diante daquela cena.

Skye havia deixado a unidade, praticamente sem levar nada que a mantivesse salva ou aquecida. Ou simplesmente viva.

Direcionei meu olhar para Fitz por um instante – como se estivesse pedindo aval para alguma coisa – e ele acenou com a cabeça, indicando que concordava com a minha atitude. A despeito dos olhares de reprovação que Fury e os outros lançaram em minha direção, saí em passos apressados na direção dela, esperando alcança-la antes que ela pudesse sumir das minhas vistas.

Um corredor. Dois. Três. Virando à esquerda. A porta de vidro ainda se movia lentamente, indicando que ela havia acabado de passar por ali. Só conseguia pensar na confusão que estava se formando na sua cabeça com toda essa história de matar Miles Lydon. E para ser honesta, também não estava nada confortável com a ideia de assassinar um pobre rapaz que ainda por cima, havia nos ajudado a trazer Skye, May e Ward de volta.

Corri para fora da unidade e parei no meio da calçada, quase caindo sobre uma senhora que andava com dificuldades. Pedi desculpas umas cem vezes e fiquei apenas olhando ao redor, procurando por algo que me desse alguma pista. Ela não poderia ter simplesmente desaparecido.

Forcei a vista para enxergar através da enorme quantidade de veículos que circulavam por aquelas avenidas congestionadas. O restaurante chinês. É claro! Como podia ter descartado essa ideia? Prendi o cabelo em um rabo de cavalo enquanto esperava o sinal ficar verde e respirei fundo, desejando que ela não tivesse ido muito longe sozinha.

– Mesa pra duas? – apareci ao lado dela e apenas olhei para a outra cadeira vazia.

– Se eu disser que quero ficar sozinha...

– Você não quer ficar sozinha, Skye – a interrompi, tocando o assento e a encarando, esperando que ela consentisse. – Eu te conheço.

Skye olhou para o lado e encarou a janela por uns três segundos. Voltou seu olhar para mim e acenou com a cabeça, com aquele olhar de que está fazendo o melhor que pode para segurar as lágrimas. Ela nunca concordaria com aquilo. Na verdade, sabia que Fitz também não gostaria de ser parte de um ato tão grotesco.

– Eu não posso concordar com isso, Simmons. – ela disse sem cerimônias, agora, encarando um desenho de pêssego que ficava no centro da mesa. – Miles é meu amigo! Ele foi meu namorado, pelo amor de Deus! Não posso concordar com uma medida dessa natureza!

– Eu sei, Skye – segurei a mão dela que estava trêmula sobre a mesa. Seus olhos ameaçavam chorar a qualquer instante. – Eu também não estou de acordo com isso. Fitz com certeza também não queria que Miles acabasse numa vala... Mas... Você não está pensando direito... Você não pode deixar a S.H.I.E.L.D.!

Skye apertou minha mão com mais força, como se minhas palavras tivessem acionado algum gatilho dentro dela. Olhei para o lado de fora, as ruas continuavam tão movimentadas como sempre ficam naquele horário em particular. Não queria pressiona-la a ficar e participar daquilo, mas a ideia de vê-la partir me era dolorosa demais.

– Jemma, eu... A S.H.I.E.L.D... Devia proteger as pessoas. E não assassiná-las quando acham que elas podem vir a ser um problema. O projeto Insight não era exatamente sobre isso? A H.I.D.R.A. é que faz esse tipo de coisa. Mata primeiro, pergunta depois. Miles é um cara legal... Só precisamos arranjar um jeito de tira-lo dessa.

– Precisamos?

– Desculpe – ela olhou para o garçom e sorriu para ele, agradecendo pela comida. – Não vou te arrastar pro meio disso, dessa vez. Por isso preciso sair. Preciso ajudar o Miles. Não posso deixa-lo morrer.

– Mas fora da S.H.I.E.L.D. você não terá por onde começar. Se sair agora, Miles é um cara morto.

– Jemma Simmons? – ela parou o hashi no meio do caminho até a boca e depositou o alimento de volta no prato, me olhando com um olhar espantado. – O que exatamente você tem em mente?

– Você , Fitz e eu vamos dar um jeito de salvar o Miles.

– A gente... Você... – ela estava perdida no assunto, não acreditando no que eu havia dito. – Nós vamos fazer o quê?

– Então, você fica? – sorri, enquanto brincava com o hashi como se fosse uma pinça. – Quem mais iria pedir comida chinesa comigo às sextas?

– O Fitz. – ela respondeu com um ar de tédio.

– E com quem eu brigaria pelas rosquinhas?

– Com o Fitz. – ela voltou a responder com tédio, revirando os olhos, com a boca cheia de comida.

– Com quem eu conversaria sobre as coisas mais bobas possíveis?

– Adivinha? – ela repetiu a expressão pela terceira vez, me fazendo rir da situação toda.

– E quem seria minha melhor amiga, com quem eu posso conversar e me abrir como nunca consegui com ninguém? Quem iria me acordar no meio da madrugada, dizendo que falou o nome do cara errado? – Skye abaixou a cabeça e sorriu, talvez querendo me matar por eu ter lembrado daquilo. – Quem mais iria me ensinar a quebrar as regras?

Skye sorriu. Ela sabia que eu não a deixaria partir. Sabia que eu estaria ali para lutar por ela. Sabia que eu não poderia perdê-la logo agora que tínhamos conseguido sair daquela enrascada. E eu estaria disposta a fazer qualquer coisa por ela.

– Vamos fazer assim: terminamos a comida e voltamos para a unidade, você diz que surtou com a ideia, mas ainda é uma agente da S.H.I.E.L.D. e entende a gravidade do caso e todo mundo fica bem. Depois nós levantamos uma pesquisa sobre Miles pra saber se realmente ele não vai vir atrás da S.H.I.E.L.D. quando descobrir sobre Garrett. Se ele reagir como um psicopata, nós abortamos. Se ele reagir como um ser humano controlado...

– Nós descobriremos uma forma de livra-lo disso.

– Exatamente. – respondi, sem esconder uma ponta de orgulho de mim mesma.

– Uau – Skye terminou a comida e largou o hashi sobre o prato, com os olhos arregalados. – Quem diria que algum dia eu veria Jemma Simmons conspirando contra o próprio conselho, contrariando ordens diretas de um superior... Ou melhor, do próprio diretor da S.H.I.E.L.D.? Isso vai ser épico!

– Espero que o Fitz não surte com a ideia, precisaremos dele.

– Você topou, Jemma – ela me olhou com um olhar malicioso. – Qualquer coisa você seduz ele com esse charme britânico e ele estará em suas mãos.

– Skye! – senti meu rosto queimando.

– Para com isso... Você não é tão santa assim, nem vem!

– E quando foi que o assunto passou a ser eu?

– Ah, não fica enrolando! Você e o Fitz estavam escondendo esse namoro aí de mim há não sei quanto tempo...

– Skye, vamos focar no plano – tentei contornar o assunto – O caso aqui não é sobre mim e o Fitz...

– Vocês já tiveram um encontro decente, pelo menos?

– Como assim? – perguntei, realmente sem saber o que aquilo significava.

– Ah, não sei... Vocês conversaram direito a respeito, ou ficaram só naquela lenga-lenga e não resolveram nada?

– A gente... Bem... A gente tá namorando... Sério.

– Okay – ela me olhou desconfiada, apertando os olhos. – Tem mais alguma coisa que eu deva saber?

– Acho que não – levantei-me da cadeira e apontei para a saída. – Fury e Coulson vão cortar nossa cabeça quando chegarmos lá, você sabe, não é?

– E eu vou cortar a sua se eu achar que tá me escondendo alguma coisa.

– Tudo a seu tempo, Skye – arrisquei. – Agora vamos. Precisamos pensar em alguma coisa, e rápido.

– Miles – ela suspirou, pegando a bolsa e deixando o dinheiro em cima da mesa – Vamos salva-lo.

(...)

– Sarah Lydon.

Miles lia o arquivo que possivelmente se tratava de sua mãe biológica.

– Ela é professora em Londres. – ele se permitiu uma lágrima ao ver a foto sorridente da mulher no monitor.

Havia dedicado todo o tempo para procurar por ela no banco de dados, usando o programa que Coulson havia disponibilizado para ele. Miles havia descoberto porque nunca tinha conseguido acesso àquilo antes. Os arquivos pessoais de sua mãe na época de seu nascimento haviam sido escondidos e classificados pela S.H.I.E.L.D.

– Eu vou encontra-la, mãe. Eu prometo que vou. Você precisa me contar o que aconteceu... Quem é o meu pai... Onde posso encontra-lo – o garoto falava cada vez mais alto e com mais convicção, enquanto as lágrimas iam banhando seu rosto. – Eu não vou descansar até ter minha família reunida novamente. Skye se foi... Tudo o que eu tenho é você agora, mãe.

Ele apoiou o braço sobre a mesa do computador e repousou a cabeça, chorando alto e amargamente. Miles sentia seu coração ardendo, a solidão roendo seus ossos. A ideia de ficar completamente sozinho no mundo, ironicamente lhe dava arrepios.

Limpou as lágrimas e olhou mais uma vez para o monitor. Pegou o celular e digitou o número que estava disponível para contato. Seus dedos nervosos estavam suando, mesmo que a temperatura ambiente estivesse baixa. Segurou o telefone e engoliu em seco, sentindo seu coração parar por um instante.

– Alô – uma voz feminina respondeu no quinto toque.

– Oi – Miles respondeu com uma voz trêmula e assustada. – Gostaria de falar com Sarah Lydon.

– É ela que está falando. Quem gostaria?

– Meu nome é Miles. Miles Lydon. Seu filho.