Simmons e eu estávamos na sala de espera, juntamente com Coulson e May, aguardando a liberação de Ward. Parecia que as coisas estavam voltando ao normal, mas, a tirar pelos últimos registros, isso geralmente envolvia alguma coisa ruim acontecendo. Não conseguíamos parar de pensar no que Skye acabara de dizer: “Miles é filho do Garrett.”

– O que vocês acham que aconteceria se o Miles descobrisse que o Ward, o mesmo cara que tomou a garota dele, também foi responsável pela morte do seu pai?

– Não faço a menor ideia, Fitz. – Jemma apoiou a cabeça sobre o meu peito, encolhendo-se de frio no sofá. – Só queria que isso tudo ficasse pra trás. Já foi difícil o ano que tivemos.

– Mas essa é a nossa vida agora. – respondi, beijando o rosto dela de leve. – Sempre foi um risco para nós. Precisamos aprender a viver dentro disso.

– Acho que precisamos de treinamento físico, querido.

Não pude evitar olhar para ela com uma expressão de estranhamento.

– Você está mesmo cogitando isso?

– Fitz... Não seria a pior coisa do mundo se nós aprendêssemos a nos defender sozinhos...

– Você não me pareceu nada indefesa quando atirou em Andrea...

Não era a hora certa para comentar aquilo. Muito menos naquele tom de julgamento, quase a condenando por ter salvado a todos nós. No momento em que me ouvi, senti o peso daquelas palavras penetrando no coração de Simmons. Como havia sido tonto! Estava magoando a pessoa que mais amava no mundo inteiro.

– Quando eu salvei vocês, você quer dizer, não? – ela afastou-se de mim e cruzou os braços, me encarando com uma expressão séria.

– Não, Jemma... Sinto muito, eu... Não quis...

– Você acha que eu simplesmente adorei fazer aquilo, Fitz?

– Não, eu só...

– Não precisa dizer mais nada. Você tem me olhado estranho desde que me viu fazer aquilo... Não sei o que você está pensando de mim...

Jemma levantou-se subitamente e seguiu em direção ao corredor, esbarrando com Skye pelo meio do caminho. Não era minha intenção magoá-la, nunca foi. Mas ela me devia alguma explicação sobre o ocorrido.

– Que bicho mordeu ela? – Skye apontou para trás com o polegar. – Fitz, você comeu todo o pacote de rosquinhas, não foi?

– Não! Eu não... Bem, isso também... – recordei envergonhado. – Mas não foi isso. Eu apenas comentei uma coisa e ela saiu chateada.

– Droga, Fitz! – Skye bateu no meu braço com um soco que me pegou de surpresa.

– Ai! Mas o que foi que eu fiz?

– Vocês homens são todos iguais! – ela balançou a cabeça negativamente. – Pensei que você seria diferente, Fitz!

– Mas eu...

– Eu vou atrás dela.

Skye não me deixou explicar o ocorrido. Seguiu o mesmo caminho que Simmons tomara e acabou por encontra-la numa ala quase vazia, três corredores à frente. Jemma estava praticamente encolhida no banco, com o rosto vermelho e os olhos marejados. Eu a havia feito chorar.

– Simmons? – Skye aproximou-se com cuidado ao notar o estado em que ela se encontrava. – O que aconteceu? A briga foi tão feia assim?

– Não, Skye. – ela ameaçava um choro. – Não foi culpa do Fitz.

Skye observou a amiga, com um olhar triste. Sentou-se ao lado dela e a envolveu com os dois braços num abraço confortante. Jemma não suportou as lágrimas que ameaçam descer a todo instante e desabou em pranto, segurando o braço da amiga. Skye apenas ficou em silêncio, pensando coisa demais. Já estava começando a ficar realmente preocupada.

– Skye... Eu não sou tão boa assim – ela começou a falar, soluçando. – Eu... Eu matei uma pessoa.

– Hey, Jemma. – ela levantou o rosto da amiga e limpou suas lágrimas, esperando um pouco até ela parar de chorar. – Você não é boa. Você é ótima. Simplesmente a melhor pessoa que eu conheci na vida. A cientista mais fofa e doce da S.H.I.E.L.D. – Simmons não pôde evitar um sorriso. – Mas você não é perfeita. Eu também tenho os meus erros, e acredite, eles são bem feios.

– Mas eu matei Andrea...

– Ela ia nos matar de qualquer jeito, Simmons! – Skye tentava convencê-la do contrário. – Pense pelo lado que você salvou seis vidas a troco de uma. E uma muito má, por sinal. Você nos salvou.

– É, parece que sim.

– O que você preferia? Uma loira oxigenada horrível com seus capangas disseminando morte e destruição ou seis mocinhos brigando pela paz mundial?

Simmons deu uma risada.

– “Seis mocinhos lutando pela paz mundial.” – ela respondeu, girando os olhos nas órbitas. – Obrigada, Skye.

– Obrigada? Mas eu não fiz nada...

Foi a vez de Jemma retribuir o abraço. Naquele momento ela percebeu o quanto havia sentido falta de Skye durante a missão no Kremlin e o quão assustada ela ficou no momento em que pensou que a perderia. Mais uma vez, Jemma trocava a dor pelo sorriso. E mais uma vez guardara seu segredo para si. A mancha de sangue ficaria lá atrás, como uma triste lembrança daquele dia. O dia em que ela teve seu currículo manchado.

(...)

– Como foi lá dentro?

– Normal.

– Conseguiu falar tudo o que queria?

– Em boa parte, sim.

Coulson parou de perguntar e simplesmente a encarou olhando para o vazio.

– Tem alguma coisa te incomodando, Melinda.

Coulson conhecia a May com a palma da mão. Desde o primeiro dia no Bus já havíamos percebido aquilo. O modo como se olhavam, a cumplicidade... Era algo parecido com o que eu e Jemma tínhamos, só que acrescido de uma carga maior de dores, desgastes e erros do passado. Ainda assim, eles pareciam estar se entendendo logo após a missão ter acabado, mas algo continuava perturbando os pensamentos de May.

– Não minta pra mim. – ele tocou o ombro dela e May deixou um suspiro cansado se esvair de seus pulmões.

– Garrett.

– Ele está morto.

– Miles – ela corrigiu. – Nós demos a ele a chave para o passado que ele tanto queria. E agora ele vai descobrir que o pai era o criminoso por trás dos dois tiros que Skye tomou no ano passado. Vai descobrir depois que o pai foi morto pelo mesmo cara que traiu a S.H.I.E.L.D. e que agora voltou para a Skye... As chances de ele se tornar um problema são exorbitantes.

– Estaremos preparados para ele.

– Será que a gente não vai poder ter um minuto de paz?

– Nesse emprego? – Coulson levantou-se ao ver Skye e Simmons voltando e seguiu em direção ao quarto em que Ward estava. – Dificilmente.

Coulson seguiu direto pelo corredor e as meninas pararam em frente a mim, trocando olhares de conspiração. Skye sentou-se numa poltrona ao lado de May e Jemma voltou a sentar-se ao meu lado; seja lá o que tivesse dito, Skye a tinha feito melhorar.

– Desculpe-me, Leo – ela beijou meu rosto delicadamente. – Eu apenas perdi o controle das coisas por um instante. É claro que você não teve a intenção de me magoar.

– E por que você não acreditou nisso quando eu...

Estava prosseguindo com a frase quando Skye fez sinal para que eu parasse de falar, em seguida gesticulou, como se estivesse fechando a boca com um zíper.

– Não... Nada – interrompi a mim mesmo. – Fico feliz que esteja bem.

Ela sorriu e me deu um longo abraço, atraindo os olhares de Skye e May. As duas se olharam e eu poderia jurar que vi um esboço de sorriso nos lábios da May.

Simmons ainda estava me abraçando quando o Diretor Fury, e a Agente Hand apareceram na sala de espera onde estávamos. O sorriso no rosto do diretor era quase radiante, a despeito da expressão entediada de Victoria Hand.

– Agentes, é com muita alegria que lhes apresento a nossa mais antiga agente viva. – ele apontou para o lado e acenou com a mão, fazendo a pessoa sair do anonimato. – Kate Neville.

– A mulher que nós vimos presa na banheira com o líquido verde? – Skye perguntou, pondo-se de pé; gesto que todos nós imitamos quase que involuntariamente.

– Ela mesma – Neville assentiu, não podendo deixar de sorrir com aquela pergunta. – Em carne e osso.

– Ela era agente da S.H.I.E.L.D. nos velhos tempos. Antes de passar décadas presa nessa gosma. – Fury explicou, passando um braço ao redor do ombro da moça.

– Costumávamos ser um quarteto – ela começou a lembrar-se. – Contessa, Fury, Pierce e eu.

– Você era de qual tipo de divisão?

– Divisão Parapsych.

– O quê? – Simmons, Skye e eu perguntamos ao mesmo tempo.

– Ela podia ler a droga das mentes de vocês – Fury explicou, quase rindo da nossa ignorância. – Ela teve a capacidade natural aumentada por implantes neurais.

– E já descobriram por que a HIDRA a mantinha presa naquele troço? – Skye perguntava, cruzando os braços e olhando para Fury e a Agente Neville.

– Eles queriam se aproveitar dos recursos que tínhamos, é claro. Alexander Pierce estava infiltrado na nossa equipe... Na época, o desgraçado deveria ter uns 22 anos no máximo – Fury continuou. – Acreditem ou não, Andrea Strucker queria casar Ward com Kate, para que eles assumissem os “negócios da família”.

– Com o vírus do Barão e as habilidades de Kate... – May começava a deduzir.

– Eles seriam imbatíveis. – Jemma e eu completamos o raciocínio.

– Exatamente. – Fury deu alguns passos aleatórios e acabou por sentar-se em uma poltrona. – Quero que Fitz-Simmons e Skye se encarreguem de reintegrar nossa agente aos novos recursos na área de ciências e tecnologia.

– Sim, senhor. – Nós três respondemos simultaneamente.

– Agora – ele olhou sério para todos nós. – Precisamos cuidar daquele garoto para que ele não tente nenhuma gracinha.

– Miles? – Skye perguntou assustada. – O que vão fazer com ele?

– Ele é um risco para nós agora, agente Skye. E se tem uma coisa que nós não podemos fazer agora é brincar com ameaças reais.

– Desculpe-me, mas o senhor não foi claro o suficiente – Skye temia o pior. – Miles é um garoto, ele não tem dinheiro, recursos... Ele não vai vir atrás disso...

– Garrett também era um garoto e olha aonde as coisas chegaram!

– Mas ele não vai...

– Agente Skye, devo lembra-la de que ele é um dos membros, e um dos bons, da Maré Crescente, que foi a sua entrada para a S.H.I.E.L.D. Esse garoto pode entrar nos nossos sistemas, descobrir coisas, vazar informações... Ele não é só um garoto Skye. Ele pode pôr nossa organização em risco e nós acabamos de nos reerguer das cinzas. – ele ficou de pé e Skye estava atônita ouvindo tudo aquilo. – Miles Lydon precisa desaparecer do mapa!

– Não podem simplesmente mata-lo!

– Podemos. E nós vamos fazer isso, Skye.

May desviou o olhar e focou em Skye que estava se segurando o máximo que podia. Ela não morreria se tivesse que ficar longe de Miles, mas concordar com o assassinato do seu amigo e ex-namorado de longa data lhe parecia uma medida drástica demais. Até para Fury.

– Não posso concordar com isso, Diretor. – ela pôs-se de pé e respondeu ríspida, enfatizando a palavra “Diretor.” – Estou deixando a S.H.I.E.L.D.

E colocando seu distintivo sobre a mesinha de centro da sala de espera, Skye pegou sua bolsa e rompeu marcha em direção à saída.