Precisei redefinir as coordenadas do avião antes traçar os planos táticos com Triplett. Ele queria reorganizar os comboios e começar a trabalhar com os esconderijos internos para facilitar nossa atuação durante o dia e estávamos vendo os melhores lugares para montarmos essas trincheiras. Coulson parecia intrigado com a minha decisão de ir a campo, mas resolveu não questionar minha posição. Simmons estava no laboratório pesquisando sobre a composição química do solo e da vegetação, procurando traços de substâncias venenosas e ajudando a definir quais os lugares mais apropriados para montar os acampamentos logo abaixo das torres de Kremlin. Fitz estava estranho, sentado em frente ao monitor e com o radiocomunicador em mãos, mesmo sabendo que Skye não faria contato durante o dia. Ele estava mais quieto do que o normal e mais estranho ainda: estava sozinho.

Desde que Triplett se juntou a nós, Fitz tem estado diferente, pelos cantos... Ora super agitado ora quieto demais. Na verdade, todos nós mudamos muito depois que a HIDRA quebrou com a nossa organização infiltrando seus ratos imundos nas nossas instalações. Fitz está aprendendo a se defender e não aceita mais certas coisas como antes. Ele sempre esteve engajado na causa, mas atualmente, a S.H.I.E.L.D é muito mais do que o seu local de trabalho. Ele tem dedicado sua vida e se arriscado para salvar pessoas, tem reclamado e resistido como um homem, não como o garoto assustado que se formou com louvor na Academia. Simmons, por sua vez, tornou-se mais ousada, perdeu o medo de dizer o que pensa e de discordar com os outros, mesmo quando esses outros são Coulson e eu. Ela realmente cresceu muito na nossa equipe; não foi à toa que ela recebeu novas credenciais de nível 6 quando a S.H.I.E.L.D conseguiu se reestabelecer novamente. Ela foi uma grande parte disso.

Partiríamos logo depois das três, então propus um ultimo treino tático ao agente Triplett. Depois que Ward desapareceu, eu e Trip passamos a lutar pelo menos uma vez por semana. Ele não era tão bom quanto Ward, dava para perceber porque Garrett havia escalado Grant ao invés de Antonie. – Até porque Triplett não teve a infância dura de Ward. – Se ele tivesse voltado vivo há alguns meses, eu já o teria matado com as próprias mãos. Bastardo! Ou mínimo teríamos uma luta que faria aquele incidente com Lorelei parecer um leve treino. Como aquele desgraçado pôde brincar conosco, traindo Coulson? Skye? Nem me lembro de quantas vezes a vi chorando no quarto, sem saber exatamente o que estava sentindo. Nem ela mesma sabia se estava com ódio ou com saudades dele e a ideia de que ela nunca saberia a verdade a corroía por dentro, apenas acrescentando mais ódio ao que eu sentia dele.

– Use mais a direita da próxima vez, agente Triplett. – Disse, estendendo a mão para levantá-lo do chão depois de atingí-lo com dois socos transversais seguido de uma tesoura.

– Eu nunca vou conseguir te vencer?

– É só um treino. Para aperfeiçoar nossos pontos fracos. – Respondi, tentando fazê-lo se sentir menos pressionado a ganhar.

– Vai mesmo entrar no meio do fogo cruzado? – Ele perguntou, abrindo uma garrafa de água.

– Skye está lá. Preciso me certificar de que ela não vai se matar procurando pelo Ward.

– Você não está indo só por ela.

– Estou indo mais por ela do que pelo Ward, com certeza.

Ele deu dois longos goles, derramando o resto da água no rosto e enxugando com a toalha branca logo em seguida. Sentou-se no chão ainda ofegante devido ao esforço físico empenhado no treino.

– Olha – Ele disse, parecendo estar desconfortável com algo – Queria pedir desculpas... Pelo que você viu no outro dia.

– Você e Simmons? Não é da minha conta.

– Por termos perdido o foco da missão. Não era lugar nem hora para aquilo.

– Com isso eu concordo.

– É que... Eu não sei... Desde a primeira vez que eu a vi revivendo Skye, eu... Não sei. Me encantei por ela, ela é tão doce e... Determinada. Não consegui evitar aquele momento.

– Eu lhe aconselho a ir devagar com isso. Especialmente durante uma missão como essa. Não pode deixar seus sentimentos tirarem o melhor de você. Tem que estar focado. Precisaremos da equipe quando estivermos em campo. Não falhe conosco por estar focado em algo que não nos ajudará em nada.

– Eu sei manter o foco na missão, Agente May. Com todo respeito, não fui eu que deixei meus sentimentos me cegarem. Você foi quem dormiu com o inimigo. Literalmente.

Triplett saiu da sala e eu não pude evitar pensar sobre aquilo. Ward não teve o mínimo de consideração por nada que não fosse a “sua missão”. Ele não teve a decência nem a honra de valorizar a sua própria equipe. Aquele bastardo havia manchado o nome da S.H.I.E.L.D de vermelho. Não só com as cores da HIDRA, mas com o sangue dos nossos próprios agentes. Não acreditava que estava indo me arriscar para no fim das contas trazê-lo de volta ao Bus. Contudo, nossa agente nível 2 estava lá. Skye estava determinada a trazer o traidor de volta a casa exatamente como Filho Pródigo e por mais que eu não quisesse aceitar aquilo, eu seria parte da comissão que o receberia de braços abertos.

Terminamos o almoço e precisei revisar minhas coisas. Nada de mala, apenas um paraquedas e o básico para sobreviver por lá por uma semana ou duas: Um estojo de facas e uma pistola carregada; dois cantis cheios de água; algumas barras de cereal e o saco de rosquinhas que Skye esquecera no armário. Odiava aquelas porcarias, sabia que teria que caçar. Na verdade estava levando aquilo pra ela que já deveria estar surtando com a falta de açúcar, sem mencionar a crise de abstinência que ela devia estar tendo sem as rosquinhas que ela e Fitz-Simmons são simplesmente viciados. Depois de colocar as coisas na mochila, fui até o Fitz pedir por uma ou duas ICEs que com certeza me seria útil naquela missão.

– E essa daqui? – Segurei uma das ICEs que estavam sobre o balcão.

– Na verdade essa é perfeita pra você. Tem o tamanho e o peso ideal, você não pode levar muita coisa nessa mochila.

– Até porque não cabe quase nada.

– Isso! – Ele esboçou um falso sorriso, colocando as mãos no balcão, um pouco inquieto.

– Relaxe, nós vamos trazê-los de volta.

– Eu sei... Bom, eu acho que...

– O que há de errado, Fitz?

– Eu não sei se... Tudo bem... – Ele respirou fundo e ficou um pouco corado – Posso te perguntar uma coisa, May?

– O que é?

– Você acha que a Je-mma... – Ele começou a gaguejar e eu já estava prevendo o que ele queria dizer – Que a Simmons e... O Agente Triplett... Estão em outro nível?

– Outro nível? – Queria ver até onde ele teria coragem de ir com aquilo.

– Ahh... Não, sabe... Deixa pra lá, não é uma boa hora para...

– Fitz... – Dei dois passos na direção dele e ele recuou dois passos, assustado. – Se você tem alguma coisa a dizer, não acho que seja pra mim.

– Jemma.

– Se tem algo a dizer a ela, Fitz, Não espere muito tempo. Você não tem ideia do quão rápido as coisas podem mudar.

– Sim... Certo... Obrigada... May. – Ele ainda estava atordoado. – Você está certa... Eu não quero que as coisas mudem, mas... Eu preciso falar.

– Ótimo. Agora, preciso falar com Coulson. Com licença.

Deixei Fitz no laboratório e no caminho observei que Simmons estava subindo as escadas com o Triplett. Algo me dizia que as chances do Fitz estavam reduzindo a cada segundo, ele precisaria agir rápido se não quisesse perde-la de vez. Bem, isso era um problema que ele devia resolver, já eu teria que acertar as coisas com o Phil antes de ir.

– Você vai ficar bem?

– É claro que vou.

– Você sabe que eu estou indo pela Skye, não é? Ela não pode entrar lá sem apoio. Mesmo aquela equipe... Eles não a conhecem como nós... Eu não confio neles, Phil.

– Tudo bem, May. Já conversamos sobre isso. Estou feliz que esteja indo, você realmente se preocupa com a Skye... Meu único receio era...

– Ward? Você sabe que não vou mata-lo. Eu já tirei essa ideia da cabeça quando...

– Tenho medo de que ele a machuque. Ele é HIDRA. E depois de tudo que houve... – Phil aproximou-se de mim, respirando fundo – Tudo bem... Confiarei que você sabe o que está fazendo.

– Eu sei o que estou fazendo, Phil. Obrigada por confiar em mim. Terminaremos isso o mais rápido possível.

– Tudo bem. Mande um abraço a Skye por mim.

– Pode deixar.

Estávamos sobrevoando um terreno razoavelmente próximo à equipe tática da S.H.I.E.L.D e eu já podia visualizar o Kremlin de Moscovo. Não poderia pular ali –Pois ficaria muito visível – Então voltei à cabine para redirecionar o avião e diminuir a altitude. Quando ele desse a volta, estaria a uma boa distância de Kremlin e a altitude estaria dentro dos padrões para um salto com sucesso.

Estava pegando a mochila quando ouvi uma porta batendo há alguns metros de mim. Era Fitz trancando-se no quarto. Aproximei-me da porta e ouvi um choro quente e sufocado, seguido do que parecia ser murros no travesseiro. “Pobre Fitz” – pensava comigo mesma. Ao seguir para a rampa de carga, vi Triplett e Simmons se beijando, próximo às escadas. Quando ele me viu de paraquedas, acenou com a mão, mas aquilo me pareceu mais um tipo de insulto, ao contrário de Simmons que simplesmente sorriu e gritou: “Traga a Skye de volta!”.

Não foi preciso muito tempo para ligar uma coisa à outra: Fitz tinha visto os dois se beijando, antes mesmo de poder falar alguma coisa.