Quem vai ficar com Celso? escrita por Aquela


Capítulo 9
Capítulo 9 - Doença do pai




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Priscila podia dizer que estava doente. Podia dizer que tinha um compromisso inadiável. Podia dizer que acordara mal pela manhã, ou que tinha que terminar um trabalho de faculdade. Não importa que desculpa iria inventar, porém, sabia que não estava pronta para enfrentar Otávio naquele dia.

A aula passava rápida demais, só que chata demais. Mesmo assim, ela simplesmente não conseguia prestar atenção. Também, como poderia? Com os acontecimentos de ontem, nem dormir conseguira, quanto mais ir a aula. Estava a pulso. A mãe perguntou os motivos, mas como ela poderia dizer?

Estava pensativa sobre isso. Repassava a todo instante aquela frase: "Sério? Eu notei.".

Afinal, o que ele queria dizer com isso?

Depois ele se desculpou, contudo, a conversa parou naquela hora. Falar o que mais?

Por mais que tentasse adiar aquele reencontro, mais depressa ele se aproximava. O ônibus não se atrasou, o trânsito estava ótimo, os passarinhos estavam cantando e a gasolina estava barata. Tudo era perfeito, até seu cabelo estava domado.

Cumprimentou o porteiro e seguiu no elevador, rezando para não dar de cara com Otávio. Respirou profundamente três vezes antes de adentrar no apartamento. E feliz e decepcionantemente ele não estava lá. Apenas seu pai, assistindo a um documentário qualquer.

Após cumprimentá-lo, sentiu-se tentada para perguntar sobre Otávio, todavia, estava muito envergonhado para isso. Por esta razão, preferiu apenas seguir para o quarto de Eduardo, que estava em algum jogo violento em seu mais novo PSP, importado de Não interessa, ou camelô da esquina, como ela brincava às vezes, sabendo que aquela família não comprava nada que fosse mais barato que o seu salário.

– Oi, menino violento. - diz ela, sentando-se ao lado dele na cama, que estava bagunçada, repleta de livros escolares, além de roupas e objetos quaisquer.

– Oi, menina chata. - responde, sem nem encará-la nos olhos.

– Já terminou o dever de casa? - continua, abraçando-o de lado, esfregando a não direita em suas costas.

– Já, meu pai me ajudou.

– Sério? - e ele assente com a cabeça afirmativamente. - Então o que eu estou fazendo aqui?

– Também não sei por que minha mãe te paga pra ficar aqui. Deveria dar esse dinheiro pra mim. E evitar gastos.

– Olha só! Que pimentinha! E eu fico como? Peço dinheiro no semáforo pra pagar minhas contas?

– Acho que ganharia mais do que aqui.

– Tem razão. Aqui ta osso. Por que você não fala com a sua mãe pra me dar um aumento?

– Um aumento? Antes de três meses? Nem pensar, gatinha!

– Ah, é assim? - e afasta o corpo levemente, para conseguir olhá-lo nos olhos. - Malvado! Faz mais uma piada dessas, que eu vendo esse tijolo que você ta segurando e todos os seus jogos de Ps3.

– Aí eu mando te prender!

– Você não vai conseguir. Com esse dinheiro eu compro uma passagem pra Austrália e você nunca mais vai ouvir falar de mim.

– Feia!

Ela ri, e carimba suas bochechas gorduchas.

– Já tomou banho?

– Não. Daqui a pouco eu tomo.

– Daqui a pouco quando?

– Quando eu chegar na fase 20.

– Em que fase você está?

– Eu estou na fase 14.

– Mas não vai mesmo! - fala, puxando o aparelho da mão do menino, cuidando em pausar seu massacre. - Vai agora. - o menino forja um choro, gritando com ela. - Eu mesmo que não vou esperar! Até você chegar na fase 20 eu já vou estar casada e com filho! - e põe o PSP sobre o guarda-roupa do garoto recostado a parede ao lado da janela, lugar inacessível para o pequenino.

– Ah! - lembra-se de algo, acalmando os nervos - falando nisso, você já beijou o meu irmão?

– Quê? - pede repetição, sem conseguir reagir.

– Eu perguntei se você já beijou o meu irmão!

– Ta louco, menino? Claro que não! De onde você tira essas ideias de girino?

– Mas você quer, não é?

– Não!

– Ah, para de mentir! Vocês estão namorando, é?

– Lógico que não! Para de falar essas coisas, garoto! Se seus pais escutarem isso, eu perco o emprego!

– Casa com meu irmão que você fica rica!

– Eu não! Seu irmão não me quer! - blefa.

– Claro que quer. - e antes de surgirem mais interrogatórios, sumiu no banheiro.

***

– Eu já fiz o jantar. - diz o senhor Lima, desistindo da televisão e se agarrando a uma revista qualquer sobre aquela mesinha de canto, disposta ao lado do belo sofá.

– Ah, já?

– Já. Basta pôr um pouco para o Edu, e chamar o Otávio - e revira mais uma página, cruzando as pernas.

– Senhor, esse era o meu trabalho, não era necessário que o senhor tivesse feito isso.

– Eu sei. Mas achei que iria demorar demais pra chegar, então fui adiantando algumas coisas. De qualquer forma, é melhor para você, menos trabalho. Se quiser comer agora, - e pausa a leitura, virando-se de relance para ela, que se encontrava ao lado do sofá, no sentido da porta da cozinha, à esquerda - pode ir no fogão. Eu não sou o melhor cozinheiro da casa, mas acho que os banheiros não vão ser congestionados mais tarde.

– Haha, não se preocupe, tenho certeza que irei gostar. Aliás, o senhor já comeu?

– Sim, querida, obrigada.

– Então, com licença.

***

Priscila fez como o combinado. Comeu um pouco, serviu Eduardo, e convidou Otávio para comer. Este último estava mais desconfortável do que travesseiro novo. Porém, ela também estava. Preferia evitar contato com ele, mas sabia que mais cedo ou mais tarde eles iam se topar mesmo... No caso, foi mais cedo. Infelizmente.

– Eu queria me desculpar pelo que eu te disse ontem, - expressou-se, sentado na cadeira azul escuro da sua negra escrivaninha, que guardava um belo monitor, acompanhado por uma máquina de qualidade. As paredes eram verde musgo, desenhadas em padrões regulares de riscos em curvas que combinavam com o piso de madeira que se estendia pelo rodapé. Havia também aquela veneziana branca de escritório sobre a janela que mesmo fechada, ainda deixava passar breves frestas de luz. Ao lado da porta marrom havia o guarda-roupa de tabaco, muito bem colocado entre os móveis. A cama do rapaz era larga, apesar de ser de solteiro; e guardava belos lençóis brancos estampados com flores minúsculas e quase imperceptíveis. Havia um banco de dois lugares de base simples rente à base frontal da cama, era retangular e de estrutura parecida com o armário de roupas, que lembrava os quartos de filmes americanos. Havia, também, ao lado do guarda-roupa, uma leve estante mogno, coberta de livros enormes que Priscila com certeza não tinha o menor interesse em ler. Além de uma poltrona azul gelo ao lado, que parecia tão confortável que era mais convidativa que miojo em dias frios.

– Eu não queria que você ficasse chateada. - continua - Foi uma brincadeira, aquilo que eu disse. Eu te acho uma menina muito bonita, e legal também. Mas não se preocupe, eu não quero que você ache que eu estou querendo ter algo mais que amizade.

– Não, tudo bem - desculpa, sem saber exatamente o que dizer. Sentiu-se um pouco decepcionada, só que fazer o quê, né? Melhor assim. - Você não vai comer? - muda o assunto.

– Mais tarde.

– Ah, ta...

– Você tem Whatsapp?

***

Estavam os dois deitados no sofá, aproveitando a folga do marido para assistir televisão.

Jogaram os chinelos no tapete marrom e se enfiaram sob as cobertas xadrez de poliéster, naquele simples sofá de sala, em frente ao programa da tarde.

Seu Rodrigo deu um beijo em Elisa, enquanto a abraçava de lado, espremendo-se no curto espaço.

– Eu recebi uma notícia hoje, amor. - Dona Elisa puxa assunto.

– Ah é? De quem?

– Da Dona Lurdes.

– A fofoqueira da rua?

– É. Ta pior do que antes.

– Imagino. Com esse tal de facebook aí, saber da vida dos outros ficou mais fácil.

– Verdade. Eu nem queria saber, na verdade, mas ela, como sempre, não da opção pra saber se a gente quer ouvir ou não. - tenta argumentar.

– Sei... Não precisa mentir, Elisa, não tem nada de errado em pesquisar um pouco da vida dos outros. É até saudável. - e riram - Afinal, o que exatamente aconteceu desta vez?

– Algo nada bom, marido.

– Sério? O quê?

– É o pai. Pai está doente.

– Sério? Aquele homem idoso é mais forte que eu!

– Era, neh. Mas as coisas mudam. E com papai não foi diferente. Dizem que ele está mal. Quer dizer, não sei se tão mal, mas dizem que está de cama.

– Serio? - ela consente - Você quer visitá-lo?

– Acho melhor, não.

– Querida, não acha que já está bom essa crise de abstinência familiar?

– Não sei, Rodrigo. Depois do Celso, ficou difícil.

– E pensar que você gostava dele.

– Gostava mesmo. Mas ele não foi tão legal como prometeu.

– Eu me lembro da história. Você ficou tão mal que saiu de casa.

– Fui pra casa da Lurdes.

– Bem, foi lá que a gente se conheceu. - e dão um breve beijo. - E estamos aqui até hoje.

– Infelizmente... - brinca.

– Infelizmente nada! Você está muito mais feliz aqui comigo do que se estivesse com esse cara aí.

– Concordo. Mas tenho que admitir que eu também não fui muito legal com minha irmã. Eu a fiz passar por maus bocados desnecessariamente, quando estava claro de que ela amava o Celso.

– Em primeiro lugar, ela nem é a sua irmã de verdade.

– Não fala assim! A gente cresceu junto.

– Eu sei. E também acho que você não foi muito legal com sua irmã.

– É...

– Sabe... A gente deveria contar a Priscila sobre isso. Nós já escondemos isso dela por tempo demais.

– Eu sei. Mas como contar? Ela cresceu achando que não tinha família, e agora tem avô, tem tio, tem primo, tem bisa...

– Calma, Elisa! A gente vai conseguir. E precisamos fazer isso logo, porque o tempo dos seus pais está chegando ao fim. E vamos combinar, seria errado privar de seu pai a oportunidade de conhecer a nossa filha.

– Eu sei, Rodrigo, eu sei.


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