Quem vai ficar com Celso? escrita por Aquela


Capítulo 20
Capítulo 20 - Nível de Loucura Estabelecido


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo eu dedico a NV Rodrigues e a Lih Rizzo.



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Elisa se sentia meio culpada. Talvez não fosse a hora certa de aparecer lá. Talvez tivesse de ter ido mais cedo. Ou mais tarde. Queria voltar num tempo em que a reconciliação fosse possível não apenas para seus pais, mas também para sua irmã. Queria parar de se sentir uma ovelha desgarrada. Contudo, pelo visto, Ana não estava pronta para isso. Bem, ela não estava de toda errada; quer dizer, nesse respeito. Se nisso ela era inocente, tratou de errar em outros pontos. Como poderia? Ana trair alguém? Onde estava aquela menina doce que ela era? Dada à leitura, a estudos, a família, aonde tinha ido parar todas aquelas suas qualidades?

E que dizer de Celso? No final, Celso conseguira se redimir. Que engraçado! No final, o torto endireitou-se, e o correto se corrompeu. Se bem que, parte do erro de Ana foi culpa de Celso. O próprio lhe havia dito, no maldito dia em que sua filha fora machucada, quando tiveram a oportunidade de conversar a sós, coisa que precisavam fazer há anos; falara que não demonstrava amor suficiente a ela. Estava bravo? Como não? Porém, no fundo sabia que de algum modo, ele fora o porquê disso. Elisa lembrou-se também das suas desculpas. Contara que naquele tempo foi muito pressionado para casar com sua irmã. E acabou cedendo. Bem, de qualquer forma, tudo isso era passado, e Elisa se sentia muito feliz em seu casamento. Estranhamente, a sua pessoa especial a conhecera no mesmo dia em que saíra de casa. Ele tinha sido tão fofo e atencioso! Embora não a conhecesse, cuidou em acompanhá-la até seu destino, a casa da fofoqueira amiga da família, e ainda a levar suas coisas. No final, nunca pararam de se falar, e agora, estavam juntos. Apesar, também, de ela não ser fértil, ele teve paciência em estar com ela, quando naquele tempo, ter filhos era algo realmente relevante na hora de se escolher alguém com quem casar. Bondoso como era, sujeitou-se ao seu lado em tratamentos adequados, e no final, conseguiram ter uma menina. Dentre seus óvulos quase sempre defeituosos, achou-se um que podia vingar, e que de fato, além de fecundado, deu a luz a sua unigênita tão amada.

Agora que olhava para trás, percebeu que não havia sido de todo mal ela ter saído de casa. Apesar dos pesares, conseguira ser feliz. Conheceu alguém que mais tarde veio a amar, e que lhe amou igualmente; teve a oportunidade de ver o mundo com outros olhos; trabalhar e cuidar de si; se casar e ter a própria casa; de ter uma filha que lhe mostrou ser uma benção, mesmo com os acontecimentos atuais. Sua irmã, teve tudo isso: casou, teve filhos, conheceu o mundo, comprou a casa própria. Porém, de todas essas coisas, uma faltou: o amor. Aquele tipo de amor. Elisa observava, e pelo que Celso lhe havia contado, sua irmã tinha manobrado os assuntos, naquela época, para de qualquer modo possuí-lo. E ela conseguiu. Todavia, mais tarde, pelo visto, descobriu que não foi exatamente o que esperava.

Falando em Ana... Ela disse, de relance, que ainda tinha de resolver as coisas com Elisa. Prometeu até ligar. Falar do passado, tentar superar... Quem sabe? Celso já havia esclarecido tudo. Mencionou que se a tivesse escolhido, as coisas seriam diferentes, mas que também, não teria feito tanta coisa como queria. No fim da conversa, desejaram-se finais felizes, e uma boa vida, além de relações saudáveis. Deixaram os rancores para lá. De qualquer forma fariam isso, mesmo, seus filhos pareciam ter entrado em algum tipo de relação. Então isso implicaria em encontros regulares.

Como o mundo era pequeno! Como podia algo daquela natureza acontecer? Depois de um romance proibido, e separações delicadas, tomaram rumos diferentes, e esses rumos se cruzaram pelos seus filhos, ainda mais envolventes que eles. Não havia palavras pra descrever. "O universo às vezes gosta de 'sacanear' a gente" - pensou Elisa, esfregando o último prato da pia, antes de enxaguá-lo de vez, pondo fim a tarefa.

Sorriu, pois, interior e exteriormente. Uma paz tomou conta de seu coração, e aquela agonia, que lhe incomodava em noites de insônia, havia simplesmente desaparecido. Agora, só faltava seu pai partir. Sentiu uma melancolia ao lembrar-se disso! Mas ao menos a culpa não estava lá. Ótimo! Um problema a menos. Finalmente podia se preocupar com o namoro da filha e da despedida do pai, após a apresentação a Priscila, que ainda não o conhecera. Questão de tempo. Só esperava que isso não demorasse mais de vinte e cinco anos de novo. O velho Dimítrio não duraria tanto. Talvez nem ela durasse tanto! Quer saber? O tanto, tanto faz.

***

Priscila olhava a agenda telefônica. Em especial, aquele número. Devo ligar, sim ou não?

Passou os olhos nos arredores. Fim de semana, férias. Tudo na rua estava vazio. Mesmo aquela padaria, ou o barzinho da esquina. Havia alguns carros solitários dando voltas pela praça. Estava sentada num banquinho de madeira envernizado, cujas flores de cerejeira teimavam em invadir seu espaço! Estavam atrás de si, e seus galhos dançavam ao vento, misturando-se às outras espécies, algumas tão grandes ou tão frondosas quanto ela. O cercado as limitava brevemente. As pedrinhas brancas separavam a grama do cimento, fazendo os cinco caminhos que levavam os passantes do centro do parque às ruas levemente movimentadas.

Prendeu o tecido do vestido florido e rodado entre as pernas, e maldisse as curtas mangas copinho. O decote modesto deixava de fora sua clavícula, e permitindo um colar em volta do pescoço. Um colar que comprara há um mês, com a inicial de Otávio. Era dourado, e a letra era grande. Ainda estavam de bem. Ainda não tinha tia malvada, ou ainda não tinha avô, ou ainda não tinha bofetada. Tanta coisa em um único mês. É... O ano se mostrou muito agitado. Mais do que ela esperava.

Olhou para os lados outra vez, desta vez, checando se havia alguém ali ou não. E puxou uma mão dentre as pernas, agarrou o pingente de ouro, e beijou-o ternamente. Depois, ergueu o corpo de uma vez e girou e espreguiçou-se, antes de dar um giro em torno de si, com braços abertos, afim de abraçar o mundo, e permitiu serem livres os seus cabelos, e fez voar a própria sandália de madeira, ao equilibrar-se em um pé só. Se houvesse alguém ali, que estivesse olhando a propaganda da torta holandesa, porque ela estava muito ocupada para se fazer notar. Ou estava muito notada para se ocupar, ou preocupar.

Terminando a façanha, ainda com o celular nas mãos, agora já com sua tela bloqueada; decidiu atravessar a rua para a sua casa, mas foi aí que viu alguém. Alguém que acabava de estacionar em frente ao seu prédio. Aquele carro ela conhecia. Aquela placa ela conhecia.

De dentro, sem erro. Lá estava Otávio, com os fios bagunçados, os óculos limpos e a roupa asseada. Mesmo com o maldito agasalho cinza ele ficava bonito. Aquela calça escura que até lhe fazia mais alto, e aquele tênis negro que ela havia lhe dado. Ela havia dado. E, pelo menos, ele sabia usá-lo.

Sem saber o que fazer, nervosa demais para reagir, optou por assistir dali, da praça em frente a sua casa. Ele desceu do carro, olhou o arranha-céus, e aproximou-se do interfone.

Ela deveria agir. Atravessar a avenida e agarrá-lo. Desculpar-se, dizer que amava-o. Coisa que malmente fizera, apesar de terem um tempo considerável juntos.

Observou que ele terminara de falar com o porteiro. Agora, olhava para os lados, como que procurando alguém. Seu Zé já havia informado que quem ele procurava tinha saído, e estava na praça, ou nos arredores.

Como uma torcedora maluca, foi movida a agir. Levantou os braços "branquelos" ao ar, e postou-se a gritar.

– Otávio! Aqui! Otávio! Aqui!!

E dançava, desesperada. Finalmente, Otávio lhe viu. Bem, se fosse apenas Otávio a lhe enxergar, estaria ótimo. Mais pirado do que ela, Otávio sorriu, e decidiu atravessar as ruas. Mas fachas para quê? Quando se tem ruas tão largas e carros tão rápidos, atropelar é coisa de televisão. Semáforo então, nem pensar. Passou pelas ruas como um doente mental. Sem olhar os lados, mesmo com as buzinas alheias xingando mais que os motoristas, completou sua vitória sem pisar na grama. Percorreu o caminho cimentado, e correu para os braços de Priscila, já abertos, aguardando aquele corpo alto e desajeitado.

Abraçaram-se, pois, e finalmente. Otávio a ergueu e rodou-a como um saco de batatas. Ela, por sua vez, ria, e sacudia os pés, como uma criança.

Cansado, ele a deixa no chão, e ainda com carinho de sobra, beijou-lhe a testa, com todo sentimento que possuía. Gargalharam, então, um ao outro, e agarraram-se de verdade, como verdadeiros casais do século vinte e um.

Concluindo o ato, soltaram-se os lábios, com as faces ainda próximas. Decidiram falar.

– Me desculpe, Otávio! Eu te amo! Eu não deveria ter falado aquilo da sua mãe!

– Não, não! Esquece isso. É passado. Eu também de te amo, Pri. E não posso ficar longe de você! - disse, com as mãos em sua cintura, e com os braços dela sobre os ombros. - Eu percebi que sou adulto, que tenho dinheiro, e que não tenho nenhum impedimento biológico para estar com você! Por isso Pri, fica comigo?

– Por quanto tempo? - pergunta ela, sorrindo maliciosamente.

– Sei lá... Que tal pra sempre?

– Pra sempre é muito tempo!

– Então que tal oitenta anos?

– E vale a pena?

– Acho que depende do seu nível de loucura.

– Meu nível é gritar e dançar no meio da rua.

– Poxa! Meu nível é atravessar avenidas movimentadas sem olhar para os lados!

– Compatibilidade estabelecida?

– Se você disser que sim...

– Tem certeza que não há mais ninguém que vai nos atrapalhar?

– Que vai atrapalhar, sempre vai ter. Mas você deixa de comprar cigarro por que tem medo dos avisos na caixinha?

– Mas eu não fumo!

– E daí?

– Otávio! Seu doido! Eu te amo! - confessa. Desta vez, ainda mais sentimental. Tanto, a ponto de ver sua voz falhar, e as lágrimas invadirem seu rosto rodado.

– Também te amo, sua maluca.

E mostram os dentes alegremente mais uma vez, após tocaram as testas, fofamente. Encaram os lábios um do outro, e desta vez, sem desespero, sem afobação, sem medo, sem pressão, beijam-se. Estavam sem pressa, vivendo sua vida calmamente. Aliás, ainda teriam oitenta anos pela frente. Tempo pra se amarem é o que teria de sobra.


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