Quem vai ficar com Celso? escrita por Aquela


Capítulo 2
Capítulo 2 - Menino chorão


Notas iniciais do capítulo

Ainda não deu pra dar uma ideia do enredo, mas essa parte é interessante para a história.



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Se o endereço não fosse tão perto de sua casa, e o salário fosse razoavelmente bom, Priscila já teria se demitido no exato momento em que Dona Ana a chamara de menininha imatura e irresponsável. O que aquela velha carcomida sabia sobre ela? Espera só ela ver o que eu posso fazer à casa dela com um fósforo na mão.

Estava agora tocando a capainha da casa, que deveria ser atendida pelo filho mais velho. E assim se deu.

Priscila deu um pulo para trás.

– Olá! Você é a Priscila? – diz uma voz tão bela quanto quem a tem.

– Oi. – diz, meio sem jeito, e considerando se estava no lugar correto. Estava no andar certo? No apartamento certo? – Sou sim. Você deve ser...?

– Otávio. Otávio Lima. – e estende a mão, com um sorriso maduro e sensual, daqueles que a pessoa faz sem perceber.

– Priscila Sampaio, prazer. – e aperta a mão dele, que sacode seu braço mais do que o necessário.

– Desculpa. Te machuquei?

– Quase.

– Pode entrar, por favor. – diz ele, abrindo caminho pela porta de madeira, antes de ajeitar seus óculos em seus olhos verdes. Passou também os dedos pelos grossos e lisos fios negros, jogando-os par trás. Eles possuíam as mesmas características físicas, apesar de apresentarem feições nada parecidas. Seu corpo era alto. E ao contrário dos muitos jovens, ele possuía uma boa postura, que valorizava ainda mais sua estatura.

O apartamento era muito bonito. Tinha as paredes num verde água bem desbotado, e móveis brancos ou de madeira envernizada. O Sofá tinha uma estampa de zebra, e o tapete, peludo em branco, disposto sob a mesa de centro de vidro cravado na estrutura de metal inoxidável. Está bem. Talvez não fosse inoxidável, mas não estava enferrujado. A janela que vira lá fora estava coberta por uma cortina azul. As cores combinavam muito bem. Era tudo bem vivo e colorido, porém, não aquele colorido que arde os olhos.

Havia um espelho sobre uma cômoda marrom, que chegava a brilhar. Ali que se apresentavam os quadros da família. Em frente a estes, as três portas que possivelmente levavam ao banheiro, e aos determinados quartos. Entre duas delas, o retrato do casamento.

O outro dormitório, o do filho mais velho, localizava-se ao lado da cômoda dos espelhos. E também paralelo a sacada, que também possuía uma porta de acesso.

A cozinha se dava por um arco, onde havia uma porta para a lavanderia. Todos os azulejos eram claros, mesmo os do chão. O único cômodo que não tinha como piso, a madeira – com exceção do banheiro, é claro.

Tudo era muito lindo. Mesmo aquela grande televisão embutida na parede, em frente ao exuberante sofá, e entre um sofá menor, de dois lugares, que era bege, e uma poltrona roxa, que tinha ao seu lado uma cadeira de balanço.

Entrou contemplando, e elogiando o design da casa.

– Bem, onde está a criança?

Não precisou perguntar de novo. Sem nem precisar de resposta, viu o garoto entretido em seu Ps3, quase babando pelos gráficos violentos que se apresentavam na telinha da sala.

Ouviu tantos gritos que pensou em voltar para trás. Pelo visto, aquela criança não precisava de mais nada. Talvez de uma AK 47 e uma cabeça para mirar.

Aproximou-se bem devagar do projeto de garoto, que apesar dos fiozinhos loiros na cabeça, e os delicados olhos azuis, mais parecia um demônio treinado pra matar, do que um inocente menino, o que ela esperava.

– Oi Edu! – diz ela baixinho, procurando ser o mais fofa possível para com ele. Sentou-se ao seu lado, ainda que distante, e ajeitou a blusa bordô sobre o short branco, pondo sua bolsa junto a si.

– O quê?! – grita o menino, sem escutar o que ela poderia estar falando.

– Oi Edu. – repete, um pouco mais alto.

– O que você disse?! – brada novamente, explodindo a cabeça da jovem morena.

– EU DISSE OI EDU!! – grita também, já cansada.

– Por que você está gritando? – pergunta o garoto, pausando a matança.

– Desculpa. Eu sou a Priscila, sua nova babá.

– Legal. – e volta ao jogo.

– Você quer comer alguma coisa ou fazer alguma coisa?

– Tô ocupado.

– Ok. Já fez seu dever de casa?

– Não enche o saco.

– Ata. Me desculpa.

– Liga não. – começa o mais velho, sentando-se na poltrona azul. – Ele é assim mesmo. Joga o dia inteiro. Mas é um bom menino.

– Não falem de mim como se eu não estivesse aqui.

– Então responde quando a gente te chama. – reclama Priscila.

– Eu to ocupado.

E o tempo se vai. Sem perceber, uma hora se passou, e Priscila ainda estava ali, sentada. O tal de Otávio, o bonito, digitava algo em um notebook na cozinha.

A menina retira da bolsa a lista de tarefas que Ana lhe passara. Nesta, continham os itens: fazer a janta quando esta não estiver pronta na cozinha; não deixar que ele fique jogando antes de terminar a tarefa de casa; não deixar que ele fique jogando mais do que duas horas; e não deixar que ele durma depois das onze. O primeiro item parecia o mais simples e possível. O restante, não havia nada que fizesse sentido.

Felizmente, a comida já estava pronta naquele dia. Porém, o menino estava tão fissurado naquele jogo, que parecia parte do vídeo game.

– Você não acha que já passou tempo demais jogando, Edu? – já era a quinta vez que perguntava, e o menino nem respondeu. – Você já acabou sua lição?

– Cala a boca, vadia! Eu estou jogando.

Assustada, a menina desiste. Isso não é uma criança, é o demônio! E xingá-la? Ela mesma que não ficaria ali. Sem falar mais nada, apenas se ergueu do assento e saiu pela porta, entrando no pequeno corredor. Vadia? Quem aquele pestinha achava que era? “eu não vou trabalhar com essa criança maluca! Ah! Não vou mesmo”. No elevador, ficou matutando em sua mente: que menino mal-educado! A mãe falando mal dela, e o filho fazendo pior... Mas, e se não achasse outro emprego? E se não achasse outro emprego tão perto de casa? E se não achasse outro emprego tão perto de casa que pagasse aquilo? E se não achasse outro emprego tão perto de casa que pagasse aquilo e que fosse tão fácil? Quando desceu no térreo, entrou novamente no elevador, desta vez, decidida. Ao abrir aquela porta novamente, agarrou o controle da televisão e desligou-a na cara do pequenino.

Ao notar a façanha, o menino “abre o berreiro”. Chora, grita, esperneia. O irmão corre para a sala assustado. Sem saber o que fazer.

– O que aconteceu? – questiona, atordoado.

– Eu sentei no controle, e a TV desligou sem querer, - explica, Sínica, sentando na cadeira de balanço. – Calma, Edu! Foi sem querer!

– Foi sem querer nada, sua vaca! Você desligou porque quis! – berra ele, voltando às lágrimas, com o rosto já vermelho, cheio de catarro escorrendo pelo nariz, como um bebê de dois anos.

– Edu! Peça desculpa para ela! Não é assim que se tratam as pessoas! Se você falar isso de novo, eu vou contar para o pai, entendeu? Peça desculpa a ela agora!

Como num silenciador, o garoto interrompeu o choro, e educado, disse:

– Desculpa.

– Desculpa, Priscila. – ordena o mais velho.

– Desculpa, Priscila. – remenda.

– Tudo bem, meu fofo. Vamos lavar esse rostinho, e depois, vamos fazer a tarefa de casa, tudo bem?

O menino a olha com uma feição aborrecida, como que a amaldiçoando nos pensamentos. Sorrindo sarcasticamente, a menina segura a mão do garoto, e o acompanha até a pia do banheiro, com a porcelana bege nos azulejos brancos. Após limpar as mãos e o rostinho fofo do menino, ainda pode escutá-lo:

– Bruxa!

– Como você é fofo! – e o aperta num abraço quase sincero. – Vamos estudar?

***

Após muito sofrimento, Priscila consegue, finalmente, fazer o menino acabar sua lição de casa. E, com mais sacrifício, termina por fazê-lo dormir dentro do horário.

O menino berra, corre pelo quarto de papel de parede azul com carrinhos, naquele chão de madeira escura, quase totalmente coberta pelo tapete peludo do Super Homem. Onde essa família arranjava essas coisas? Brisa atingiu o limite – a menina pensava, enquanto trancava a criança de sete anos dentro do edredom do homem de ferro, naquela fofa cama que se fazia um batmóvel.

Quando achava já ter vencido, desligou a luz no criado-mudo do abajur branco – a coisa mais normal naquele quarto – e, próxima a porta, ouve o garoto levantar-se, atirar o cobertor ao chão e sair rodando pelo cômodo como um bêbado ao gritar:

– Uga, Uga!!

Priscila respirou fundo e deu um berro, que silenciou brevemente o menino.

– Se você não calar a boca, não tem chocolate, macaquinho!

Como num passe de mágica, o garoto deitou-se rapidamente e ajeitou-se em seu aposento. Priscila abriu melhor a cortina verde água, ao lado da bela poltrona que não deveria nem caber a bunda dela – se coubesse, teria de carregar o assento para sempre nos fundilhos.

– Esse chocolate, eu ai usar pra fugir da realidade – começa, arrastando a cadeira da escrivaninha rente à cama, sentando-se. – Mas hoje você conseguiu me fazer pirar. Agora, eu vou dar isso pra você – fala, agarrando a própria bolsa ao lado do computador da mesa negra. – E você vai fugir da sua realidade. Você irá para a realidade “Amo a Pri!”. Irá me tratar como eu mereço.

– Por um chocolate? Nem pensar! Eu te odeio, Bruxa! – alardeia a criança.

– Ah! Você não quer? Puxa! Eu queria mesmo dividir com você. Já que jura ser um diabo para sempre por um ano em minha vida, deixa que eu como essa pequena barra de Diamante Negro na sua frente.

Enquanto ainda retirava da bolsa, o pequeno Edu se arrepende.

– Não! Me dá! Eu prometo ser bom!

– Bom eu não quero. Quero ótimo.

– Prometo ser ótimo – e já estendia a mão.

Priscila avalia a fisionomia do pidão, e entrega o chocolate a ele, que come como se não houvesse amanhã.

– Como é que se fala?

– Obrigado, Pri. – e a boca toda marrom.

– Quando você acabar lamba bem os lábios e depois passa eles no travesseiro. Sempre a outra parte, a de baixo, pra ninguém saber. Se sua mãe souber que te dei duzentos gramas de doce num dia só, é capaz de ela me despedir e me fazer devolver o salário que eu nem ganhei.

– Minha mãe é uma fada.

– Só se for no seu mundo de lesado. – e pega a embalagem, incrivelmente já vazia, e guarda de volta na bolsa. Depois, ajeita o cobertor do menino em seu peito, e dá um beijo em sua testa. – Pronto! Meu dever de mãe por hoje já deu.

– Não precisa ser tão radical. – diz, já vermelho.

– Oh! Que fofo. Você gostou.

– Não gostei. Eu vou lavar minha testa agora!

– Aproveita e lava os dentes, que estão todos cheios de chocolate.

– Idiota. Também não quero mais.

A menina sorriu e se levantou, indo novamente à porta.

– Tia.

– Tia o caramba, moleque estranho. Como é o meu nome?

– É Pri. – responde.

– O que é? – pergunta, com a mão na maçaneta.

– Mesmo com o beijo e o chocolate, eu ainda não te amo.

– Querido, eu estou aqui pelo dinheiro, não pelo seu amor! Há-há.

– Você é uma bruxa!

A menina cai na gargalhada e retorna a cama do menor, que vira para a parede, inconformado por ter seu plano destruído pelo sarcasmo da babá. Ao chegar lá, Priscila enche o menino de beijinhos pelo rosto.

– Agora ta bom?

– Não.

– Puxa! Como você é difícil!

– Ainda falta um aqui – e aponta a bochecha, completamente corada. Ela obedece e o menino sorri.

– Pensei que não me queria por perto.

– E não quero. É que você é a minha primeira babá bonita. Seu cabelo é liso e seus peitos são grandes. Pode ficar trabalhando aqui até morrer!

– Menino! – grita a babá, assustada pelo argumento de Edu, que ria. – Eu vou falar isso pra sua mãe, viu? Que tipo de palavra é essa? O que estão te ensinando nesta escola?- e ele ri, e ela acaba cedendo. – Olha aqui, nunca mais fale isso de mim na minha frente, beleza? É parte do acordo. Se você cumprir direitinho a sua parte, eu vou deixar você jogar mais do que sua mãe te deixa, e vou te levar pra comer porcaria em um monte de lugar bacana, ouviu? Mas só se você for legal!

– Entendi, Pri.

– Agora me dá meu beijo e vai dormir.

Edu se aproxima da bochecha de Priscila e a carimba com os lábios. Depois de alguns boa noites, ela se vai do quarto da criança, ainda em tempo de ver o irmão mais velho na sala.

– Tchau, até amanhã – ela diz, meio sem graça, pondo uma mecha dos fios negros atrás da orelha, antes de abrir a porta.

– Tchau. – ele responde sorrindo para ela com os belos dentes brancos. – Quer que eu te acompanhe até a porta? Ou até em casa? Fiquei sabendo que mora há poucos quarteirões daqui. – oferece com sinceridade.

– Não. Eu vou correndo mesmo. Obrigado, tenho que ir. – e sai apertando o passo, sem ao menos esperar uma resposta dos belos olhos verdes.

Priscila já não sabia se abençoava ou maldizia o emprego. Um pestinha domado e um nerd gatão. Afinal, isso era bom ou ruim? – questionava-se, enquanto descia as ruas até em casa. Sentia o frio nas pernas nuas. Não deveria estar de short.

Ainda bem que tudo estava resolvido entre ela e o menino. No começo, parecia o inferno. Mas agora,... Ainda parecia o inferno, porém, suportável. Agradeceu pelo tamanho de sutiã que usava, e o xampu novo que comprara semana passada na farmácia. Bendita camomila.


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