Legado de Semideuses! escrita por Lucas Lyu Santos


Capítulo 17
Uma promessa lacrimosa.


Notas iniciais do capítulo

Eu juro pelo Estige.
Eu entrego lhe minha alma em razão á isso.
Mas eu prometo com todas minhas forças que eu voltarei.
Espere-me irmã, pois eu vou te levar pra casa...
Nem que isso demore o tempo que for.
Eu vou te levar pra casa.



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As faíscas da fogueira iluminavam completamente a tenda de circo estendida sobre a terra seca do submundo. Seis pilares de rochas eram adornados com cordas que mantinham a tenda firme, sem contar com as cercas ao redor que protegia aquele perímetro. Havia muitos cachorros infernais ao quintal daquele ilustre e inusitado lar, e eles patrulhavam os arredores sem descanso.

Os lustres eram em formato de caveiras com crânios quebradiços, o que dava um tenebroso clima quando a luz improvisada surgia perante os olhos destes globos ósseos – parecia que eles nos vigiavam. Algumas poltronas velhas estavam espalhas sobre o tapete de uma carcaça animal, e no fundo, uma cama forrada por coisas macias deixava um santuário confortável para quem quer que fosse. Deduzi que tal relicário era o lar daquela garota que se chamava Débora Atanes.

Ela tinha olhos em tonalidades castanhos escuros, mas que se tornavam negros em ausência da luz. A filha de Hades possuía uma jaqueta de couro preta que cobria desde os seus braços delicados até os ombros. E por baixo desse pano, vestia uma regada igualmente escura. De seu pescoço jazia um pequeno colar de uma clava musical que recaia sobre a blusa, tal objeto metálico era a ligação do seu gosto musical junto à guitarra que se prendia no teto com o autógrafo da banda Green Day. Além disso, ela também possuía uma caveira tatuada em sua perna direita – que estava amostra graças a alguns rasgos em sua calça.

– Como alguém consegue viver aqui? – Alinne chegou perto de uma cadeira. – Isso está tão velho quanto minha avó.

– Nem é tão difícil. – Débora sentou-se numa poltrona reclinável e colocou os pés em um banco caindo aos pedaços. – Com o passar do tempo você acaba se acostumando. Devia considerar viver comigo, maninho.

– Às vezes até mesmo a sombra necessita de um pouco de luz, irmã.

– Você e seu discursinho ultrapassado Vinicius.

– Não é isso. – O menino entrelaçou os fios de cabelo em seu dedo e começou a alisar. – Nosso pai sabe que você vive aqui?

– Claro. Ele me disse que enquanto eu viver dentro de seu teto, eu deveria ser leal ao grandioso deus do submundo e blá, blá, blá. – Débora revirou os olhos. – Por isso eu fiz um acordo com ele e sai o mais rápido possível daquele necrotério sem fim.

– Acordo?

– Eu prometi que seria sua caçadora particular. Isso se ele me deixasse viver em paz entre seus domínios, sem nenhuma interferência sobre meus assuntos, é claro. – Ela colocou sua touca de pele de urso na cabeça. – Eu tenho tudo aqui; comida, armas, relíquias, sossego e o melhor de tudo... Liberdade. Tudo isso em troca de alguns pequenos favores como capturar alguns mortos que tentam fugir ou criaturas que não deviam sair das profundidades do... – Ela preferiu ocultar a palavra e foi-se deliciar num líquido dentro de um copo feito de caveiras. – E também dar algumas lições em fúrias e harpias que criam confusões com o intuito de voltar ao mundo dos vivos e caçar semideuses, nada que eu não dê conta.

– É como se fosse uma matadora de aluguel? – O filho de Hefesto questionou.

– Em outras palavras, sim.

– No acampamento você poderia ter conforto. – Thay declarou.

– Acampamento meio-sangue, tsc. Eu tenho péssimas lembranças sobre aquele lugar, ainda sinto saudades de Amanda... – Débora olhou para o deserto do submundo e focalizou seus orbes ao além.

– Quem é Amanda? – Cochichei á Vinicius.

– Amanda é minha irmã gêmea. – A garota respondeu sem remover os olhos de onde fitara. – Éramos novatas no acampamento quando tudo aconteceu... Tínhamos sonhos, esperanças, além se sermos guerreiras experientes e com um poder impressionante. Helena nos confiava mais que simples títulos de melhores campistas do acampamento, ela nos intitulava como “relíquias do submundo”. Só que isso mudou quando uma garota chamada Giovana Perin nos adicionou no facebook... – Fiquei imaginando o quão perigoso isso poderia ser, pois expressões tristes sublinharam o rosto de Débora. – Ela cutucava Amanda com alguma frequência e logo veio conversar conosco no acampamento. Ela era legal, extrovertida e acima de tudo, guerrilhava habilmente. Por isso Giovana rapidamente tomou minha confiança até conseguir o que queria: roubar Amanda para si. Elas se tornaram uma espécie de “best friend forever.” – Ela pausou. – Eu sei, que nojo isso né? O pior era que Perin só havia se aproximado da minha irmã por um único motivo: levar para o lado deles. Dos renegados... Desde então, eu não piso no acampamento. – Débora deu de ombros. – Tampouco pretendo.

– Renegados, esse é o nosso alvo.

– Eles já causaram danos demais para nós matando nossos amigos a sangue frio... Thalles, Laura, Pedro e ainda estão com Letkaske acorrentada. Por mais que eu deteste a ideia de matar nossa irmã, mas, se caso encontrarmos ela na base deles não teremos outra escolha se não elimina-la. Você poderia nos dar apoio a essa missão, o Rio de Janeiro é uma caixinha de surpresa. – O filho de Hades terminou.

– Infelizmente eu ainda possuo alguns afazeres antes que possa me ajuntar á vocês e chutar Amanda por essa traição. Contudo, posso deixá-los em um dos primeiros níveis das portas do submundo que dão acesso imediato ao lugar que procuram.

– Isso já ajudaria muito. – Vitória proferiu.

– Porém, ela é vigiada por muitos guardas incansáveis. Não vai ser fácil sair do submundo sem que vocês arrumem encrenca. Você deveria saber que vir até aqui com semideuses vivos enquanto á uma guerra nos campos da punição seria uma coisa irrefutavelmente perigosa Vinicius.

– Eu sei, eu tenho o cadastrado no submundo&tártaro.com.

– A questão é; os últimos que conseguiram tal proeza - fugir - se chamam Agrios e Oreios.

– Eu recebi um sms do submundo&tártaro.com assim que cadastraram eles no sistema de fugitivos. – Vinicius interviu. – Tem notícias deles?

– Como eu posso dizer? Está vendo essa toca felpuda na minha cabeça e essa pele de urso no chão? – Débora sorriu.

– Sério mesmo que você matou os dois ursos gêmeos?

– Eles não duravam muito.

– Sério? Pra qualquer coisa vocês têm sites com todas as informações não humanas possíveis? Como as pessoas normais nunca entraram em alguns desses sites? – Alinne questinou.

– A névoa camufla todas as informações. – Fredini bradou enquanto tirava uma enorme cartola de sua bolsa e a remexia com a mão direita. – Meu estômago ta roncando, pera. – Ele agarrou duas orelhas brancas e felpudas. – Vocês preferem coelho bem passado ou mal passado?

– Se você cozinhar esse coelho eu te coloco numa panela escaldante!

– Filha de Apolo sem graça, tsc.

– Bem, acho que por hoje é isso. Descansem. Amanhã promete ser um longo dia. – Débora disse, por fim.

– Mas dormir no submunfo é suicídio.

– Fiquem despreocupados. Sendo uma filha de Hades, posso conceder isso á vocês. Meu pai nem ao menos vai notar que estarei camuflando seus sonhos com o meu poder. Contudo, são poucas horas que irão conseguir descansar.

A penumbra da noite no submundo nos pegou rapidamente como uma nuvem sonolenta sobre nossas cabeças. Felizmente todos conseguiram lugares confortáveis para dormir, mas, minha mãe sempre disse que eu não era todo mundo – tive que dormir em cima da pele de Oreios. Eu vou te dizer que a pelugem até era macia, mas isso não queria dizer que era confortável. A pele dele ficava pinicando meu rosto repetitivamente, e se eu trocasse de lugar minha coluna espremia pequenas dores nas lombares. É, que velho eu sou.

O pior era; sinfônicos roncos zuniam até os meus ouvidos. Se eu achava que roncava alto, nossa, estava plenamente enganado por que eles conseguiam reproduzir um sucesso estrondoso – três ratos cegos nas notas musicais de roncos. Eu quase comecei a cantar quando um barulho interrompeu a minha leve brisa repentina de “eu, a patroa e as crianças”. Tal barulho oco causado por cascos de cavalos que trotavam ao longe. Pouco á pouco, o barulho se aproximou até que subitamente cessou. Minha sobrancelha franziu por aquele som ter desvencilhado minha curiosidade, e lá fui eu. Levantei-me sem que fizesse barulho para não acordar os demais – o que eu achava difícil já que os roncos eram o bastante para fazer esse serviço, o que não conseguira - e me esgueirei sobre as cortinas da tenda que agora estavam baixadas.

Ossos negros enroscados em resíduos de bile compuseram a garganta do cavalo morto. De longe eu consegui ver toda a sua decomposição, tal que, os únicos rastros de carne se penduravam sobre o focinho babão dele. As cavidades oculares eram totalmente vazias e isentas de qualquer luz onipresente.

– Interessante... – Débora arregalou os olhos ao pegar a carta da boca do cavalo. – Tudo bem. Avise-o que irei rastreá-los imediatamente.

A garota virou-se e marchou até a entrada da tenda. Fui rapidamente instruído por minha certeza de que era melhor guardar essa cena para outro momento, tirar conclusões precipitadas não seria um bom presságio. Assim que aterrissei sobre a pele do urso, fechei meus olhos e tentei afastar esse pensamento de possível traição.

[...]

As ruínas pútridas se erguiam em contorno da exuberância decadente do submundo. As nuvens de sonhos carregavam inúmeros objetos que se diluíam em torno do riacho flutuante de desejos mortificados pela mordaz surpresa da morte. Ardiam os olhos cogitar que muitas daquelas pessoas queriam estar vivas, mas por obra do destino – ou das moiras – Átropos cortara o último fio da vida. Contudo, o que mais doía não era saber que milhares de pessoas haviam sido ceifadas por Tânato, mas sim, ver um Nintendo 3ds com o jogo do Mario Kart 8 flutuando longe de mim – porra, eu queria tanto aquele jogo.

Novamente os cachorros nos levavam com tamanha rapidez entre as muitas pedras que tornavam o caminho estreito. Desta vez não era o mesmo cão infernal que me conduzia em suas costas, e mal pude deixar de notar a tamanha marca branca na cabeça deste – agora apelidado de Arcanine. Ele colocava suas patas entre as rochas pontudas sem demonstrar dor, tampouco ligava para isso. Os nove cachorros deslizavam entre as mais variadas pedras verticais que se formavam em toda a planície deformada. Tais caminhos ligavam exclusivamente á duas longas e escuras cavernas que separavam as entranhas do submundo. Eu sabia que havia muita coisa por trás daquela carta que Débora havia recebido na madrugada de hoje, mas, aquele não era o momento para atribuir uma desconfiança aos meus confusos pensamentos. Fredini varria a fumaça logo a minha frente com seu cachorro cinzento. E, não deixei de reparar em sua cartola que carregava traços espalhafatosamente mágicos. Os outros estavam notavelmente acostumados em ter que montar em um animal daqueles, acho que só eu que estava ficando com as partes íntimas doloridas com o balançar do Arcanine. Ele era rápido, mas totalmente desconfortável.

– Fiquem atentos as minhas ordens! – Débora falou antes de ser levada para a escuridão da caverna que ocupava o lado direito.

A primeira sensação que tive era andar numa montanha russa cheia de resquícios de Halloween. Olhos lúgubres amarelos amarravam a ideia de que alguém me observa na penumbra da escuridão dos cantos ocos silenciosamente incógnitos da caverna. O cheiro pútrido enrolou meu estômago facilmente quando um pano rasgado passou pelo meu ombro enquanto Arcanine voava sobre o chão arenoso. O final da caverna chegava pouco á pouco, e graças a isso fui capaz de distinguir que o pano que havia tocado em meu ombro era a veste de um dos muitos cadáveres pendurados e emoldurados na paisagem do medo, era de se arrepiar. Tentei afastar tal mensagem de que aquele lugar não era seguro, até que a confirmação veio com a grande força bélica que encheu a paisagem além de uma enorme rocha.

Duas torres em lados opostos sublinhavam uma tremenda muralha que ocupava o centro em proteção da porta do submundo. Cada uma em sua extremidade - direita e esquerda -, e a única ligação entre as duas era uma enorme passarela que dava de um lado para o outro. Rochas enormes; como se fossem cristais negros cresciam das entranhas da terra e davam ao cenário uma tenebrosa imagem – elas ocupavam até mesmo o teto. Harpias fincavam as garras no topo dos metais que sustentavam as longas e sinuosas torres, elas tinham uma longa visão periférica de toda aquela área. Figuras metade touro da cintura pra cima e humanóides da cintura pra baixo vasculhavam a área incansavelmente por entre as pedras que traçavam o corredor da muralha em direção as duas torres - além de quatro homens touros observando através de quatro janelas. Em primeiro momento achei que fosse o famoso Minotauro, mas eles não tinham um terço do tamanho do original. Mulheres com caudas de serpentes e corpos de morcegos intensificavam a difícil ideia de tentar nos aproximar diretamente á larga trincheira que se formava. Tal que, as únicas opções visíveis eram as misteriosas cavidades que as paredes compreendiam em sua extensão, ou, usar os grandes cristais negros como esconderijo até conseguir chegar às escadas que davam diretamente as duas torres. Depois, bem, só os deuses para nos guiar. Mas de uma coisa eu sabia: o confronto seria inevitável.

– Velho, se alguém morrer no submundo vai pra onde? Digo, se quando morremos vamos pro submundo, o que acontece quando alguém morre e já está no submundo? – Essa pergunta matutava na minha cabeça desde que meu professor de História falava sobre Mitologia. Eu sabia que alguém morreria, por isso achei o momento perfeito para a pergunta.

– Agora não Lyu. – Vinicius me cortou.

– Cuidado com o bullyng.

– Como vamos passar por tudo isso? – Mama pareceu preocupada.

– São muitos. – Vitória traduziu meus pensamentos.

– Acho melhor descansarmos e atacar perto do anoitecer.

– O tempo está acabando... – Débora proferiu.

O tempo está acabando...? O que Débora estaria escondendo afinal? “Interessante”, as palavras de outrora zumbiam em minha cabeça só de lembrar a reação dela quando recebeu a carta. Milhares de conclusões passaram pela minha cabeça que vinha tentando se tranquilizar em relação à lealdade dela, como eu poderia confiar em uma pessoa que mal conhecia? Viemos de tão longe com o objetivo de resgatar Letkaske, mas por infelicidade tínhamos perdido um dia inteiro desde o acontecido no acampamento. E agora, faltavam apenas dois dias para Letkaske ter o mesmo destino de Pedro. Será que iríamos conseguir livra-la antes que as moiras cortem o seu fio vida? Essa era uma resposta que nem mesmo eu – o escritor – sei lhes dizer. Na verdade eu sei, mas quero audiência.

Os segundos martelavam minha cabeça como se o ponteiro de um relógio gritasse toda vez que passasse um minuto. Nesse momento eu tinha que decidir: confiar ou não confiar?

– O tempo está acabando... – Débora me encarou. Eu retribuí. – Isso tem algo haver com a carta que você recebeu na madrugada? – O vento levou as palavras da minha boca até os ouvidos de todos. O clima tenso pairou sobre nós.

– Com que direito você acha que tem em me espionar?

– Nenhum, foi apenas uma coincidência eu estar acordado e ir na cozinha buscar água.

– Mas não tenho cozinha, seu idiota.

– É, foi ai que quando percebi ia gritar seu nome, mas acabei vendo você com o cavalo lá fora, não queria incomodar...

– Sei... Da próxima, arrancarei seus olhos.

– Débora, foi uma carta de nosso pai? – Vinicius nos cortou.

– Sim... O submundo. – Ela disse. – Hades quer fechá-lo indeterminadamente.

– Fechar o submundo? – A pergunta foi coletiva.

– Sim. Nosso pai pretende erradicar qualquer ameaça e dar um fim nessa rebelião dos Campos da Punição sem que haja mais danos a outras partes. Fazendo isso ninguém poderá entrar ou sair daqui. A menos que você morra e vá para a jurisdição de Caronte.

– Ah, isso não é um problema, irmã. – O filho de Hades ironizou. – Tanto eu quanto você sabemos que se molharmos a mão do barqueiro qualquer um pode passar.

– Sim, exceto por um detalhe: uma pedra. Quando todas as defesas estão se deteriorando, nosso pai recorre a seu poder com o intuito de frear qualquer visita viva em seu reino. Aqui em baixo já temos problemas demais com os mortos, ele sabe que qualquer visita viva e indesejada pode trazer danos irreparáveis. Apenas seus filhos que já vivem aqui, as únicas exceções que estão autorizadas a ultrapassar esse acaso. Por isso Vinicius, nem mesmo Caronte poderia ser de ajuda em um momento como esse.

– Mas o que é essa pedra? – Alinne olhou de soslaio para mim. Sabíamos exatamente o que significa: a portarius Hadix. Mesmo assim, ela se fez de desentendida.

– Não sei, Hades está tão preocupado em domar a invasão aos campos da punição que não comentou mais nada sobre. – Débora deu de ombros. – Nem mesmo eu me atrevo a perguntar o que ele pretende com tamanha força em teus reinos.

– Tudo bem, mas quanto tempo até isso acontecer? – Guilherme coçava a nuca com um ar de ansiedade.

– Contando com essa longa viagem até aqui, temos exatamente trinta minutos.

Agora é o momento que assim como eu meu caro leitor, você bate na cara da pessoa apenas pelo pensamento. Por que raios de cargas d’água de Poseidon e raio de Zeus fundido com as plantações de Deméter que Hermes roubou e Ares queimou, ela não avisa isso? Onde estamos nesse mundo de semideuses que não se avisa quando se está prestes a mofar no reino dos mortos? Tudo que eu penso agora são quarenta maneiras de esquartejar alguém com os olhos fechados, mas, o legal de construir com uma história em primeira pessoa é que quando se está focado nos pensamentos, os outros estão congelados. Sim, é como se o tempo parasse e tudo ficasse paralisado – já imaginou na cara da Mama bocejando com um olho fechado e o outro erguido? Não? Okay. Vale ressaltar também que o próprio tradutor da minha cabeça não me deixa falar palavrões, por isso, tudo o que vocês irão ler com essa minha indignação é um terço do que eu realmente queria dizer. Como eu posso dizer? Vamos brasilizar a legenda né?

– Sua idiota, por que não avisa antes? – É eu disse. Que megablaster xingamento...

– Eu esperava leva-los para fora antes dos minutos finais. – Débora esbravejou. – E com tantas mais perguntas, vocês moraram aqui se não agirem logo.

Ela estava totalmente desfigurada e com os olhos saindo. O peito ardia em um vermelho sangue e suas tripas jorravam em minhas mãos com uma faca em punhos. O pescoço de Débora estava com um enorme talho profundo que fazia o chafariz de sangue correr por entre todo o corpo dela. Eu a fitava, sentindo o poder fluir em minhas mãos e o enorme prazer curvar os meus lábios.

– Por que está me olhando com essa cara de psicopata, Lyu? – E aquela voz saiu dos lábios roxos dela. Tirando-me do meu pensamento sanguinário.

– Nada não Débora, meio que sonhei acordado.

– Ah, ta com uma cara de vou te matar.

– Eu? Acho que é impressão sua... Apenas, impressão.

[...]

Fredini era um cara estranho, isso não era novidade. Aquela sua cartola negra e a varinha que tanto estimava fizeram-se valer a minha tese quando este ficou a regozijar ajuda do fundo do seu chapéu mágico. Eu o olhei com desdém, como alguém poderia ser tão infantil a ponto de andar com uma varinha? Seria igualmente idiota se ele tivesse com uma espada de espuma correndo por ai num parque batendo em outras pessoas.

– Se sabe que você não é um mágico né? – Encarei-o com um sorriso sínico.

– Da mesma forma que você sabe que não canta bem? Sim, eu sei.

– Hãm? Tá falando do que?

– Você dorme e fica cantando músicas em japonês, cara.

– Isso é mentira.

– Não, não é. Vitória quase te esfolou quando começou a soltar uns agudos ridículos. Tu és muito desafinado.

– Nossa cara, as palavras machucam.

– Não tanto quanto a sua voz, Lyu. – Vitória esbravejou lá da outra ponta.

– Bem, estão aqui!

Da cartona do filho de Hecate surgiram espécies idênticas de tênis – vans – em tamanhos diferentes. Havia também algumas luvas que tinham ganchos que se enrolavam no próprio equipamento sem que fique muito a mostra. Senti-me em um jogo de Assassins Creed. E por fim, ele retirou globos vermelhos que brilhavam toda vez que alguém os tocava.

– Pra que serve isso ai? – Thay questionou tocando em um dos globos vermelhos.

– Esses tênis conseguem grudar em qualquer superfície, tanto em horizontal quanto na vertical. Essas luvas têm a mesma utilidade, mas o que muda é que ela da mais estabilidade se quiser escalar alguma coisa tipo aquela muralha ali. Sem contar com esse gancho que pode tirar sangue de um inimigo fácil, fácil. – Ele pegou os globos redondos em sua mão, a luz vermelha logo acendeu. – E isso. Bem, é um camuflador. Tudo que precisam é colocar no centro do peitoral que ele adequará sua roupa á qualquer cor ambiente, e ainda te da uma touca maneiro. Eu o chamo de “Camaleão Assassino”.

– Isso já ajuda.

– Mas, isso não é tudo. – Fredini sorria feito um bobo alegre. – Vocês têm um arsenal inteiro de itens especiais no acampamento. Coloquem a mão na cartola e os desejem, cada um tem direito á um pedido. – Ele estendeu a cartola que jorrava brilhos. – E depois dizem que eu não sou mágico, tsc!

Guilherme foi o primeiro. Ele colocou as mãos na cartela e logo saiu com uma pistola branca de porte médio. O filho de Hefesto mexeu uma coisa e desencaixou alguns parafusos e adicionou um cano curto de seu bolso. Tal que ele agora tinha duas pistolas em seu controle. Thay era a próxima, e assim que ela levantou seu braço uma enorme sacola com um pano resistente estava entrelaçada em seus dedos. Eu não sabia o que tinha dentro daquilo, mas, a julgar pela sombra que transpassava pela sacola havia uma quantidade espantosa de dados. Vitória esbanjou uma granada cinza que estava escrito “momentary victorious”. Mama tirou um espelho rosa, tão imprevisível. Os outros, Vinicius, Débora, Alinne e eu, não colocamos a mão na cartola, pois não tínhamos o que pedir. Especialmente eu e Alinne que não havíamos recebido nenhum presente de Apolo, a não ser os pégasos, Astolfo e Bellamy. Só acho que eles não iriam caber ali dentro não.

– Temos que eliminar as sentinelas antes de chegarmos até a saída. Sejam rápidos e não desperdicem tempo. – Débora encarou um por um. – Eis o plano...

Estávamos a sessenta metros da muralha em uma rocha enorme que nos camuflavam. Os cachorros infernais voltaram para a entrada da caverna, e logo, seus rastros sumiram junto as suas carrancas demoníacas. Todos acoplaram os objetos dados por Fredini e cada um assumiu sua posição conforme premeditado. Assim que encostei os pés nas paredes eles grudaram, tal que até mesmo minhas roupas ficaram na cor das rochas e assim que coloquei a touca na minha cabeça, percebi que o pano da mesma havia absorvido o marrom lúgubre o cenário. Estávamos totalmente invisíveis aos olhos dos monstros sentinelas. Guilherme, Thay, Alinne e eu, ficamos encarregados de atacar por cima e não demoramos em estar correndo em diagonal até o teto rochoso. Os outros se esgueiraram por solo, e também era difícil vê-los com os tais itens de camuflagem ativados.

Aquela imensa trincheira ficava cada vez mais estreita conforme nós pulávamos e esquivávamos dos buracos nas paredes. Quiçá, todo aquele esforço valer a pena.

Sobre as pontiagudas e cortantes pedras, um pulo era o bastante para que nós ultrapassássemos as barreiras impostas pelo revelo cavernoso. Contudo, assim que nossos pais saiam do chão, tínhamos que grudar nossas mãos para que a gravidade não nos arremessasse para o chão. Pedras caíam do teto. Tal informação era algo inevitável para nós, pois se os nossos outros amigos não faziam barulho indo pelo labirinto rochoso lá em baixo, não tínhamos qualquer opção se não pisotear as rochas soltas e faze-las caírem. E, por conta disso as Harpias levantaram seus bicos em nossa direção, chegava o momento de uma separação. Guilherme e eu fomos para a torre direita e as duas meninas seguiram para a esquerda, o silêncio tenso crepitava em nossos corações que agiam em uníssono. Foi então que ao chegarmos á cinto metros de distância da primeira harpia que havia percebido uma movimentação estranha, Guilherme e eu tomamos impulso e saltamos ao relevo da gravidade que nos conduziria para baixo. E foi o que aconteceu.

Duas piruetas em tempos perfeitos fizeram-nos cair de pé sobre as asas da harpia que tentou alçar voou assim que percebeu os intrusos. Seu bico fora violentamente contraído ao concreto e uma rachadura se formou na parte externa, entretanto, essa rachadura não seria pior do que uma adaga fincava em seu cérebro. Ela desapareceu em cinzas. O tremor de nossa queda havia atraído a atenção de dois humanoides com caras de touro. Tanto que assim que eles abriram o alçapão para verificar o que havia ocorrido seus destinos estavam traçados! Guilherme usará suas pistolas e ao desferir um tiro de cada, os lasers em tom verde fosforescente esparramaram os cérebros de ambos os homens touros. Eles tiveram o mesmo destino da fraca Harpia: cinzas.

Saltamos para dentro da sala da torre com uma descida perpendicularmente perfeccionista. Nossa conduta oblíqua nos fazia avançar mais e mais sobre quatro guerreiros touros que se encostavam aos cantos das janelas com os armamentos em punho, eles eram os vigias. Deixei que meu arco fosse guardado da forma que estava nas costas junto á aljava, e, aproveitando tal ocasião peculiar para um combate corpo-a-corpo, lancei-me sobre dois deles com as duas lâminas curvadas em minhas mãos – outrora em minha cintura. A situação os pegou de forma inesperada, pois nós ainda estávamos com nossos uniformes camuflados.

Eles estavam totalmente perdidos e não tinham qualquer ciência de quem os atacara. Mas, isso se deu por fim quando minha primeira lâmina cortou a garganta de um deles que imediatamente ficou de joelhos a própria visão de seu pescoço virar um chafariz sanguíneo. Já o outro, ele tentou coitado. Quando sua lança veio com o objetivo de me acertar – ela passou cerca de oitenta centímetros longe de mim – eu corri por entre as paredes desviando das lanças que ele agora ele me lançava. O touro era lento e ainda não conseguia me ver claramente, entretanto, o barulho ocasionado por meus pés dava-lhe uma ideia da minha possível localização. Foi então que quando ele lançou a última adaga que confrontou diretamente com a parede, eu saltei sobre sua cabeça e cravei a lâmina em seu dorso com uma voracidade suficiente para arrancar-lhe um ruído de dor. O último.

– Ainda tem mais quatro homens touros ali na passarela. – Guilherme me alertou. – As duas já estão dando o sinal. Nós tomamos as duas torres.

– Beleza! – O curvo sorriso se intensificou em meu rosto ao saber que estávamos próximos de sair daquele lugar.

Os humanoides restantes da passarela tinham postura de arqueiros. Eles possuíam quatro daqueles instrumentos, cada um com uma flecha pronta para empalar qualquer um que seja. Quiçá; não ser eu um deles.

Meus olhos vigiavam o perímetro lá em baixo para saber como andava o progresso dos meus amigos e remanescentes. A certeza do nosso sucesso crescia consideravelmente, e após prestigiar uma trilha de corpos das mulheres morcegos caírem diante de lâminas invisíveis – aqueles trajes de Fredini eram realmente muito úteis – um ânimo a mais preencheu meus olhos. Os talhos inflamados no corpo delas fora o suficiente para as cinzas cobrirem o chão seco do submundo, até que não havia mais resquícios daquelas cóleras lá em baixo. A prole fora totalmente abatida, contudo, os arqueiros touros ainda não haviam notado tal presença invisível, pois eles estavam preocupados com a escadaria que vinha do lado de dentro da muralha, e não, da outra escadaria que ligava até eles.

– E aí, ta pronto? – Perguntei-o medindo o peso das espadas em minhas mãos. – Ainda consegue esmagar mais alguns crânios?

– Só se for agora.

O fato interessante era: até mesmo nossas espadas eram encobertas pelo manto camuflado do aparelho que estava fincado em nosso peito. Por isso, podíamos movimentar nossas armas com facilidade. Nossos pés tomaram impulsos altamente suficientes para começarmos uma curta corrida até a passarela. Os metros caíam em questões de segundos e, quando estávamos cerca de três metros de distância de dois touros que estavam mais próximos de nós, eles perceberam o reflexo do aço da minha espada brilhar. Contudo, fora tarde demais para eles. Quem mandou ficar moscando no horário de vigia.

Minha espada atravessou o peito do touro que havia levantado o arco em minha direção segundos antes de tomar o golpe fatal. Os dedos da criatura não conseguiram ativar a besta automática e liberar a flecha que portava nas treliças linhas tênues. O filho de Hefesto acertou um potente soco na barriga da criatura que se curvou em prol da falta de ar que o golpe havia empregado. Ele largou a besta – o arco – e cobriu o local do ataque com as patas taurinas, o que fora indubitavelmente um erro grotesco. Eu achava que eu era mal, porém Guilherme era uma cópia fatídica de um vilão mal compreendido. Tudo que pude ver era os dedos dele trabalharem rapidamente em busca do cabo de metal da adaga de bronze celestial que cintilou assim que fora retirada de sua cintura. Assim que ele a teve em mãos, subitamente esquartejou as costelas do animal até que este virasse pó.

Agradeço aos deuses por ele ser meu aliado. Minhas costelas agradeciam e cantarolavam em louvor a isso.

Os outros dois touros humanoides agora estavam prontos para nos atacar quando uma flecha atravessou a nuca do primeiro animal. Ele caiu feito pedra dura na passarela, fazendo um leve tremor antes de virar cinza. Quanto ao segundo fora submetido á uma prisão quadricular que tinham números em suas superfícies – dados – e assim que ele parou no número seis, o touro fora dilacerado por uma explosão controlada de dentro do quadrado.

– Chegamos na hora certa. – Alinne e Thay tiraram as toucas e apareceram logo atrás das cinzas dos bovinos.

– Não sei o que faria sem você, irmãzinha. – Sorri.

– É por isso que eu estou aqui, não estou? – Ela retribuiu com um gole de felicidade inexplicável.

– Você gosta de mexer com números, impressionante. – Guilherme apontou as palavras a Thay enquanto ele limpava o sangue negro que havia sujado a sua lâmina.

– Eles são os aliados mais importantes para a filha da Sorte. – Ela deu de ombros. Assim que encostou os dedos no dado, ele voltou ao tamanho normal e caiu na sua mão.

As escadarias eram tomadas por nossos colegas que estavam totalmente ausentes de quaisquer feridas. A camuflagem ainda se fazia presente, e, bastaram-se mais alguns passos até que todos os outros se ajuntassem a nós. Em frente dos meus olhos só havia uma escadaria. Os degraus principais que davam diretamente a possível saída do submundo. Ao menos Débora e Vinicius não possuíam o disfarce camuflador e nem tampouco precisava já que ela e seu irmão poderiam camuflar-se ao cheiro da morte e usar as sombras como escudos naturais.

– Quanto tempo? – Mama questionou.

– Três minutos...

Os passos se transformaram em passadas rápidas e totalmente desesperadas. Assim que terminamos o último degrau, um salão apresentou um longo tapete vermelho que terminava até a porta brilhante. Estávamos a poucos metros de fugir daquele lugar e assim que cruzássemos ali, tudo ficaria para trás.

– Essa é a porta de nível um do submundo. – Débora gritou enquanto corríamos. – Tudo que vocês têm de fazer é pular no portal e serão automaticamente sugados e expelidos lá em cima. Tudo simples e prático.

Seguíamos de forma constante até a entrada daquela grandiosa porta. Estávamos na metade do tapete vermelho, quando um leve tremor surgiu das entranhas da terra. Meu coração estava ritmado ao grande estupor do momento tenso que se criava diante de nós, à tensão era inerente. Freamos nossos pés todos juntos e preocupados com o que vinham. E sobre a penumbra dos poucos minutos restantes. Uma horda de esqueletos guerreiros apareceram das profundezas do Hades.

– Droga! Não vamos dar conta de todos eles! – O capitão óbvio lá atrás disse isso.

– Não precisamos, apenas derrube aqueles que estiverem na frente da porta, eu cubro a retaguarda. – Posicionei-me entre as costas de todos.

A verdadeira guerra começou a ser travada com o barulho de ossos flutuando sobre nossas cabeças. Guilherme e Fredini cobriram muito bem a passagem na qual estávamos indo de encontro enquanto os outros derrubavam os restantes que se opusera a nós. Débora tomara a defensiva e atraiu a atenção para o outro lado, deixando-nos totalmente sozinhos para prosseguir o caminho – já que ela não iria embora do submundo. Os esqueléticos guerreiros não eram tão bravos nem resistentes como os legionários de Ares, mas eles possuíam tamanhos e números avantajados. Pelas minhas contas havia apenas um minuto para o fechamento do submundo e o final de nossas esperanças em ir à direção aos renegados no Rio de Janeiro. Pior, teríamos de passar um tempo indeterminado naquela colônia de férias onde os mortos vivem. E os vivos, bem, continuam vivos. O tempo estava no limite.

Trinta segundos: E os últimos esqueletos caíam diante das lâminas de Guilherme e Fredini. Finalmente, a passagem estava completamente livre. Eles ajuntaram forças para conseguir tirar o grande trinco para que ambas as portas – forjadas de diamantes escuros e de um material irreconhecível – pudessem mostrar o portal que nos sugariam para cima. Eles suavam e tentavam de tudo enquanto nós usávamos nossas lâminas vertiginosas para barrar o avanço dos demais.

– Está aberta vamos! – Depois de vinte segundos, Guilherme declarou que o portal estava à mostra. Ele e Fredini foram os primeiros a serem sugados para cima.

Thay e Vitória ultrapassaram os limites da porta assim que ouviram o recado de Guilherme e, elas haviam tido o grande prazer de ser consideradas como salvas. Mama, a próxima a ser engolida pelo portal sugador que a mandou junto á Vinicius. Virei-me assim que pude e larguei as duas lâminas e desviei do guerreiro esquelético que tentou me acertar com uma precisão falha. Girei meu corpo para mandar o dedo do meio para o esqueleto cego e zarpar daquela suja realidade mortífera, e foi quando meus olhos encheram-se de culpa pelo alarme das portas que começaram a se fechar. Tal que, nesse momento minha aparência fora totalmente desfigurada e quando meus olhos prostraram-se entre a minúscula passagem, a dor preencheu meu peito como uma arma que acabara de ser fincada no meu coração. Uma lágrima caiu dos meus olhos e escorregou entre meu nariz. A repentina alegria fora substituída pela tristeza. Tudo o que eu queria naquele momento era me matar, me trucidar por uma espada e me condenar por ter deixado aquilo acontecer... Meus olhos ardiam. Meu coração gritava em dor ao que o pútrido sujeito egoísta acabara de ver; Alinne havia sido capturada por quatro guerreiros esqueléticos. Ela não conseguiu se desvencilhar a tempo de deixar aquela realidade de Hades.

O submundo fora trancado. E ela estava presa.

– Onde está Alinne? – Vinicius se aproximou.

– Viaje nas sombras e traga ela agora!

– Calma Lyu, não posso...

– Sim você pode!

– O submundo está trancado, cara. Você ouviu a Débora, nem mesmo eu posso fazer isso...

– Que porra de filho de Hades você é? É o reino do seu pai, resgate Alinne! Traga-a pra cá, agora! – Agarrei a camisa do sujeito de cabelos negros que recuava.

– Lyu... Não posso.

– Droga! Droga! Isso não tinha que ser assim. De todos, por que ela? Podia ser o Fredini que é chato. Ou até mesmo a Mama que não gosta de mim... Isso está errado! – A súbita força deixou-me com a presença das minhas lágrimas caindo no chão da caverna.

– Débora ainda está lá em baixo, tenha certeza que Alinne está em boas mãos. – Vinicius proferiu.

– É, gente... Temos companhia.

Meus olhos ardiam em ódio e se enchiam de lágrimas ao lembrar-se do sorriso que um dia foi meu porto-seguro. Levantei-me extasiado com o pesar no coração, pois o pensamento de que nunca poderia vê-la novamente entrava na minha cabeça tão facilmente. Além disso, ela poderia passar frio naquele lugar imundo, sem contar com a fome que poderia fazê-la uma presa fácil para alguma criatura do Hades. Mas, eu deveria ser otimista! Pensar que Débora poderia ajuda-la a se manter viva até que eu volte naquele lugar e a traga novamente para a superfície. Sim, era nisso que eu deveria pensar. Mesmo que a quantidade de soldados esqueléticos tenha nos subjugado e nos feito como ratos encurralados procurando uma desesperada saída. A saída que se fechou assim que eu fui sugado.

Um gigante guardava a frente da entrada da caverna na qual estávamos. Eramos sete contra um. Tínhamos a vantagem, não o tamanho. Meu sangue fervia em prol das lembranças que me assombrava enquanto os minutos se passavam e a ausência da Alinne fazia-me trincar os dentes com a culpa entalada na garganta. A culpa me diluía por dentro, e eu precisava extravasar em alguém, e mesmo que minha vida seja em levada por esse gigante, eu queria enfrentá-lo.

– Eu sabia! – Grunhiu o gigante. – Carne semideusa, a melhor! – Ele balançou um porrete cheio de pregos enormes do tamanho de dois carros e rugiu em minha direção.

O gigante tinha cerca de cinco metros de altura. Agora eu, apenas um metro e setenta e nove. Quiçá; descontar a raiva de uma forma errada, mas, eu queria ao menos enfiar minha adaga na carne podre daquele sujeito. Tomei a frente em linha reta de todos os meus companheiros que fitavam minhas lágrimas abastecer o chão da caverna com a lamentação de um irmão desesperado. Mas assim que cheguei seis metros dele – ainda parado bem na entrada da caverna – mais um gigante se prostrou ao seu lado. De súbito recuei, mesmo com o meu ódio sendo um recurso invejável, eu não poderia fazer nada com dois daqueles gigantes vindo ao meu encontro com fome.

– Vamos recuar! – Vitória ordenou.

Foi então que tudo aconteceu. Passei a mão nos meus olhos para enxugar as lágrimas e ver se tudo aquilo que eu via era a realidade. Figuras mascaradas desceram do topo da caverna e caíram nos gigantes com espadas prontas e afiadas. Elas entraram nos gigantes com facilidades e rapidamente, fincaram-se, jorrando seu sangue por todos os lados. O golpe fora tão eficaz que atingiu braços, pernas, olhos, cabeça, pescoço. O suficiente para eles tombarem e caírem, mortos.

As figuras de preto se ergueram lentamente e deixaram o capuz cair aos seus rostos misteriosos. A incógnita nos rendeu.

– Quem são vocês?

– Por que nos ajudaram?

Uma adaga fora arremessada até o meu pé. E no metal, um barbante com as palavras “semideuses cariocas” abriram meus olhos. Meus dentes permaneciam cerrados. A única pergunta a se fazer era; seriam aqueles meios-sangues nossos verdadeiros inimigos?


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