Legado de Semideuses! escrita por Lucas Lyu Santos


Capítulo 16
Túmulo dos sonhos.




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O cheiro de queimado percorreu todo o acampamento quando o pano marrom entrou em contato com o fogo. Os restos da mortalha iam-se num gesto simbólico, alcançando o céu com a fumaça cinza que estampava nossa dor aos deuses. Aquela era uma última homenagem ao conselheiro que fora enterrado, extirpado de seu corpo. Graças a ele, agora tínhamos a localização dos renegados que marchavam em prazer de nosso fracasso. Ao menos, sua morte não havia sido uma causa totalmente perdida.

Após o incidente de ontem à noite, Helena proibiu imediatamente qualquer assunto que relacionasse a esse acaso, porém Letkaske não sofreria do mesmo destino de Pedro. Ela nos prometeu que haveria uma resposta para aquele impetuoso aviso dos nossos queridos inimigos; eles mal esperavam para receber o troco.

– Onde? – Helena estava totalmente irritada.

Sua cadeira estava no epicentro da mesa de vidro que abrigava os assentos dos demais conselheiros. A autoridade fluía em suas mãos e, por ter ficado em tal posição constrangedora pelo seu egoísmo – que eu teria feito o mesmo – sua face estava carrancuda. O acento de Thalles estava sendo usado por Felipe Bieringuer, ainda abatido pela morte de seu irmão. A cadeira de Hefesto estava vazia, o chalé nove ainda não tinha rugido um novo herdeiro para o cargo de conselheiro.

– Rio de Janeiro, Teresópolis. – Beatriz leu os códigos de seu aparelho louco que não parava de expelir números perante a tela.

– Não é longe, nem perto. – Helena bradou. – Os pégasos estão prontos para o voo?

– Senhora Helena, devo lembrar-lhe dos incidentes em Copacabana? – Orsi disse.

– Tem razão. Malditos mordedores de cavalos! – De punhos cerrados, ela voltou a questionar. – As carruagens estão prontas?

– Em torno de dois dias, talvez. – Martinato bradou.

– Não temos outro meio seguro para uma missão em outro estado. – Ela se revirou na mesa, com pesar nos olhos. – Então, não temos o que fazer...

– Na verdade, tem um jeito. – Do fundo da sala a voz silenciou os problemas que apareceram.

O garoto tinha cabelos negros e uma franja que tampava os olhos com um leve sopro do vento. Ele usava uma blusa branca e preta, que tinha o formato de um rosto com o mesmo estilo de cabelo dele – me perguntei se a blusa realmente foi feita para exibir esse detalhe. Conforme ele falava, tecia os fios negros por entre seus dedos, ele acariciava a si próprio quase que a todo o momento. Vinicius, esse era o nome do garoto que estava sentado na poltrona contornada de caveiras e crânios sem vida. Todos olharam para ele de soslaio, pois ninguém notara sua presença sombria ali antes, nem mesmo Helena. Ele não era muito de falar, tanto que me assustei com o seu tom melancólico carregado de morte.

– Viajar nas sombras com uma quantidade grande de pessoas é um perigo até mesmo para você. – A tia dos botton’s alertou-o, muito embora ele já soubesse disso.

– Meu pai já deixou isso bem claro. Obrigado por lembrar. – Ele encostou-se à poltrona negra cutucando um crânio pelos olhos. – O que eu ia sugerir era um passeio pelo submundo com os cachorros infernais de meu pai. – Ele deixou que a ideia fosse absorvida pelos demais com seu silêncio repentino. – Eles me obedecem. E não tem forma mais segura de semideuses irem para outro estado, se não, atravessar o submundo com um filho de Hades. Podemos chegar lá em poucas horas, até mesmo, minutos.

– Sim, de fato. – Helena mostrou uma centelha de aprovação. – O senhor do submundo estaria conivente com isso?

– Meu pai está andando tão ocupado com a cólera invasão dos mortos nos campos da punição que nem mesmo lembra que tem um filho. Tampouco saberá que estivemos lá. – Ele tirou o cabelo do rosto.

– Invasão nos campos da punição? – Beatriz questionou curiosamente intrigada.

– Sim, o que eu acho muito estranho. Por que invadir o paraíso do Elísio é uma coisa, agora os campos da punição... É outra totalmente diferente. – Ele me parecia confuso. – Os mortos temem o inferno, por que iriam querer invadi-lo? – Helena e Beatriz se entreolharam com o fim do raciocínio de Vinicius.

Olhei de soslaio para as estátuas de mármore que davam impressão de que estávamos sendo vigiados pelos deuses. Apenas Ares brilhava com seu punho á mostra. A luva fazia lembrar-me daquele gigantesco dragão que quase me engoliu – uma certa curiosidade tocou-me ao pensar no destino de Cody. Será que ele havia se salvado por eu ter tocado no objeto antes dele se chocar no solo? Ou simplesmente teria chegado ao chão antes que eu pudesse triunfar com a vitória? Ele tanto poderia estar vivo, quanto morto. Tal resposta, eu descobriria em breve.

Assim que meus olhos se prestaram em torno do barbudo com uma camisa do slipknot e um cajado curvado, a ficha caiu pesadamente em minha certeza. A estátua de Hades era tão assombrosa quanto sua fama impiedosa de deus dos mortos. Mesmo sendo inteiramente feita de mármore, – assim como as outras magníficas estátuas naquele salão. Os olhos do deus do submundo assombravam meus pensamentos e passava uma mensagem de desconfiança em relação aos seus irmãos; Zeus e Poseidon. Cada um deles prostrado próximo do senhor das trevas. A pose dele me parecia incompleta, pois na mão direita do deus parecia faltar alguma coisa. Era um quebra cabeça. Um enigma. Uma simples incógnita que teria que ser desvendada.

Mas é claro! Tão óbvio que chegava a ser estúpido. Hades não seria tolo o bastante para deixar a sua portarius sobre a terra, mas sim em seus domínios. Ele era um deus esperto, não confiava em seus irmãos, e tal afirmação foi confirmada com a dúvida de Vinicius. Os mortos não procuravam sofrimento nos campos da punição por vontade própria, longe disso. Eles procuravam o objeto espectral por ordens de alguém que tinha autonomia o suficiente para comandá-los. Eu tinha completa certeza de que os renegados estariam envolvidos nisso tanto quanto abelha com mel, por isso, todo cuidado seria pouco. Mas, por outro lado, eles não estariam articulando tudo sozinhos. Haveria alguma divindade por trás desse jogo insano? Se sim, quem poderia ser?

– Helena, ele tem razão. É o jeito mais fácil de chegar a outro estado sem muitos confrontos. – Mama corroborou com Vinicius. Ela estava do meu lado e pelos rabiscos no caderno de desenho, ela teria certeza no que falava.

– É, mas quem são os escolhidos para socorrer Letkaske? – Rodrigo disse.

– Eu não posso levar um número grande comigo.

– Quantos poderão ir? – Helena o olhou, pensativa.

– Creio que sete pessoas. Consigo transportar todos sem nenhuma interferência do meu pai. – O garoto passava a mão no seu cabelo e alternava os olhares em todos da sala.

– Por mim, eu já estou dentro! – Munhoz esbravejou.

– Contanto que ninguém me mate, eu vou. – Rodrigo encostou-se na cadeira com cachos de uvas e colocou a mão de apoio ao seu queixo.

– Desta vez, eu não vou interferir. – A tia dos bottons ficou ereta sobre sua cadeira. – O que vocês decidirem, está bom.

– Isso vai dar problema.

– Muito problema.

A verdade é: nem eu e a loira deveríamos estar ali. A reunião era exclusivamente para os conselheiros, contudo, Helena fez questão que os sóis gêmeos participassem – já que nós éramos os tão aclamados semideuses da profecia. Ela achava melhor deixar-nos totalmente a par de todas as situações e, graças a isso, minha irmã e eu tínhamos dois bancos exclusivos ao lado dela. Uma honra, de fato. Mas, talvez fosse honroso demais para dois campistas que mal haviam acabado de chegar às terras semideusas e já possuíam tais privilégios.

– Acho que o Vinicius deveria escolher. – Todos me olharam com expressões estranhas. – Afinal, quem vai comandar a expedição ao submundo é ele.

E todos concordaram. Subitamente os olhares voltaram a ele. Vinicius olhava para a mesa como se estivesse viajando pelas sombras. A cabeça devia estar flutuando ao além da imaginação. Ele só foi perceber que a responsabilidade estava em suas mãos quando um lápis voador quicou em sua cabeça e se perdeu no solo.

– Eu decido então? Beleza. – Ele fez-se pensativo. – Ta... Eu falo agora ou faço suspense?

[...]

Caminhei sobre o gelo seco que ainda marcava presença no solo do acampamento e subi a íngreme colina que ligava o estreito caminho do refeitório até os chalés. Ao longe, avistei um lago sobre a penumbra de uma grande oficina. Sua estrutura corria por todo o começo da colina e descia até o começo do lago. O assoalho dos degraus rangia quando meus pés passavam por cima da madeira gasta. Prostrei-me diante das duas pilastras enormes com mais de sete metros de altura que sustentavam a entrada daquela forja. Elas eram cheias de entalhos cinzentos e com um autômato de mais de dois metros de altura. Era Hefesto, o deus ferreiro e dono do fogo com seu longo martelo em punho. Ele era ligado por vários trilhos que faziam movimentos rotatórios por toda a grande oficina. Tais engrenagens serviam para ele sempre retornar ao ponto de partida. Assim que fiquei defronte ao portão de aço, o barulho de lâminas sendo afiadas invadiram meus ouvidos rapidamente. O odor de metal entrando nas fornalhas ultrapassava até mesmo aqueles portões, eram eles os artesões responsáveis pelas nossas armas.

Aproximei-me da entrada quando uma portinhola minúscula se abriu do meu lado direito. A cabeça robótica de um velho apareceu. Ele tinha várias engrenagens e um óculos que bailava em seu rosto - em alguns momentos o óculos estava na testa, e no outro, retornava aos orbes férreos. Faíscas jorravam de seu sistema corroído, com tiques nervosos e pequenos estalos que me fizeram tomar distância daquela criatura. Ela me fitava incessantemente, o que deixava o clima tenso. Afinal, como eu saberia que o robô não tinha visão de raio-x e fitava meu corpo nu altamente sexy? E logo ele retornou à cavidade por onde havia saído. O ruído de seu metal arrastando-se dentro da parede arrepiou-me por inteiro, pois tal barulho era tão irritante quanto agonizante.

Os trilhos começaram a girar no momento em que os vestígios do porteiro se foram. Hefesto, o autômato, começou a ganhar movimentos e deslizar sobre as engrenagens até pairar sobre a porta. Ele levantou o martelo e se encurvou. Logo liberou uma grande força ao instrumento em seu punho que se chocou com a parede. A oficina tremeu com o impacto do golpe que rachou uma parte da estrutura cinzenta do mármore. Os barulhos lá dentro cessaram-se por inteiro, até que um garoto topetudo apareceu na entrada da forja. Ele saiu analisando os estragos e logo se colocou ao meu lado.

– Ele te acertou?

– Não.

– Que bom. Esses caras são muito burros, não é possível. – Ele exclamou. – Eu to pedindo isso a eles fazem dias. – Bufou.

– Mas pra que diabos isso serve?

– É pra marcar as horas. Ele costuma amanhecer o dia perto do lago, e ai, conforme os minutos avançam ele vem subindo graças aos trilhos.

O garoto era grande. Ele possuía olhos castanhos, enquanto seus cabelos tinham uma tonalidade escura; nunca soube diferenciar castanho escuro com preto. Tinha também uma tatuagem próxima ao exposto bíceps direito que ia até o ombro, os martelos duplos ficaram visíveis quando ele tentou colocar um parafuso perto da cavidade do autômato. Suas roupas estavam com gotículas de graxa e por conta do calor da forja, estavam suadas. Ele tinha dentes brancos que brilhavam enquanto ele falava, e, possuía um colar com uns símbolos estranho amarrado ao pescoço.

– Isso foi ideia do conselho? Ou pelo menos, da cabeça dele? – Imaginem alguém tocando a bateria (BA-DUM-TSSS). – Já escolheram um novo conselheiro?

– Ah, que nada! Eles querem colocar um idiota no comando.

– Por que não tenta tirá-lo da disputa então?

– Infelizmente não posso. – Ele coçou o cabelo. – Só quem já completou uma missão fora do acampamento tem direito de virar chefe de chalé.

– Opa... Isso significa que eu posso virar conselheiro de Apolo?

– Se Martinato morrer, quem sabe.

– Morrer? Martinato, bem, posso mexer meus contatos e falar com o escritor da fic, quem sabe ele adianta meu lado, hehe. – Meu escárnio brilhou entre os lábios.

– É, bem... – Ele ficou sem graça. – Mas me diz, o que procura pra cá?

– Um tal de Guilherme Fernandes, conhece?

– Ah sim, conheço. O que ele fez dessa vez?

– Vinicius vai nos guiar para salvar Letkaske na fortaleza dos vilões renegados. Ele o escolheu.

– Hm... – Ele me pareceu pensativo. – Bem, vou pegar minhas coisas então. Fazia tempos que eu esperava que esse dia chegasse. – Ele caminhou até a porta de aço. – A propósito, meu nome é Guilherme, mas me chame de Gui.

[...]

Estávamos enfileirados na frente do refeitório como se fossemos soldados. Vinicius havia reunido seu escalão para essa missão. E como sempre, eu não conhecia metade da nova armada semideusa. Olhei de soslaio para ao lado e vi Guilherme socializar com Alinne e Mama. Ao outro, estava um garoto com uma espécie de varinha em sua mão direita e uma mochila de lado. Ele tinha cabelos negros um pouco enrolados, e quando sorria um pequeno bigode aparecia. Ele carregava duas lâminas na cintura que não tinham ponta, tal que, não causariam dano algum em combate. Achei melhor nem perguntar para não chamar a atenção daquele ser estranho que se nomeava Fredini. Ele era um filho de Hécate. Vinicius estava com as mãos no chão e com os olhos fechados – parecia que ele estava invocando alguns espíritos.

Ao lado do filho de Hades, havia duas garotas. Uma delas se chamava Thay Freitas, ela era filha de Tique. A garota tinha cabelos loiros claríssimos que conduziam um brilho dourado estonteante. Sua pele era clara, tanto que, julgava ser mais branquela que eu. Ela possuía lábios rosados, um piercing próximo ao nariz e olhos castanhos escuros. Vestia-se de forma simples: sua blusa vermelha caía um pouco ao ombro e vinha com uma expressão descrita como bazinga. Ela carregava dois dados em suas mãos e ficava mexendo-os constantemente; a filha da sorte parecia gostar de brincar com as probabilidades.

Já a outra garota, era Vitória. Ela era filha de Nike, ironicamente a deusa da Vitória. Ela tinha uma pele clara, porém suas pernas tinham um tom um pouco mais torneado. Olhos castanhos e imponentes, tão brilhantes que carregam gritos sufocados de vitória em seus orbes incógnitos. Seus cabelos escuros davam-lhe uma aparência mais durona - igualmente a uma filha de Ares. Ela carregava consigo um escudo enorme de ouro, este, refletia seu esplendor mesmo no escuro. Suas lâminas curvadas eram de bronze celestial e se prestavam em sua cintura tranquilamente ao alcance das delicadas unhas com esmalte marrom. Vinicius ergueu-se um pouco extasiado pelo esforço que havia feito – eu não tinha visto nenhum, mas as coisas estavam prestes a acontecer.

Oito cães infernais brotaram da floresta sob o breu escuro que trazia a noite. A escuridão atracou rapidamente, e num piscar de olhos já estávamos prontos para partir.

Os vira-latas aproximaram-se de cada campista, um ficou defronte á mim. Sobre os olhos vermelhos da besta infernal eu via o sofrimento alheio estampado em suas íris sanguinárias. As imagens transbordavam gritos sufocados de Inúmeros cadáveres queimados nas profundezas dos campos da punição. E aqueles que se atreviam a correr do infinito castigo do Hades, eram dilacerados pelos dentes trincados desta criatura maligna. Recuei ao ver o caos produzido pelos orbes calorosos, tais representações de sofrimento eram avisos do que poderia nos esperar no submundo. Vinicius domou a sua criatura com facilidade, mas vendo que não conseguiríamos chegar perto daqueles cães do submundo, ele vociferou palavras indecifráveis na linguagem dos mortos. O suficiente para que os cães se dobrassem em nossa presença.

Seus pelos eram tidos como cor de vinho escuro. Cada um dos animais tinha cerca de dois metros de cumprimento e um metro e meio de altura. Tais características os tornavam fortemente ameaçadores. Segurei-o pela pelugem e me ergui sobre suas costas. Havia uma corda que ligava diretamente ao redor do pescoço dele, justamente para nos segurar durante o passeio. O cão infernal se ergueu lentamente; o leve tremor das suas patas ao pisar no chão causou um pequeno rebuliço em seus espessos pelos. Eles tinham uma espessura de pelo menos dez centímetros, por isso, eu poderia tanto segurar pela corda em seu pescoço quanto em seus pelos, daria no mesmo. Todos eles colocaram as patas em movimentos monótonos, tal que, Vinicius assegurava a frente com o seu cabelo negro esvoaçando ao vento. Os oito cachorros se desvencilhavam entre as árvores grandes que existiam em nosso caminho. O bosque era um lugar de muitas variadas espécies de árvores que dificultava nossa locomoção. O assoalho de galhos sendo mastigado pelas patas infernais nos avisava que a madeira era lançada para o alto depois das unhadas furiosas dos que estavam em minha frente. Íamos de encontro ao lado norte do bosque, tal que, a escuridão já tomava conta e uma camada fina de neblina dava cores fantasmagóricas ao cenário negro.

– Escutem. – Vinicius esgoelou. – O caminho é estreito. Façam exatamente o que eu fizer e formem uma linha reta agora.

A voz do garoto era um pouco falha, contudo, o aviso fora recebido com exatidão. Todos nós assentimos e deixamos que o cão infernal número um tomasse a dianteira em alta velocidade. Seu apetite mordaz pela rapidez ia aumentando conforme ele seguia por entre a linha reta especificada. Um por um, todos se endireitaram e eu tomei distância do penúltimo cachorro que levava Mama em suas costas. Tentei ao menos levantar a cabeça quando uma superfície cavernosa invadiu nosso percurso. As patadas se transformavam em um tom rústico e, os cães infernais tentavam driblar as rochas pontiagudas que ali se encontraram. O vento zunia em meus ouvidos e meus olhos lutavam para se manterem abertos, pois a voracidade do vento trazia pequenas pedras ao encontro do meu rosto. Foi então que, após ultrapassarmos o último espinho de madeira, uma grande e extensa ponte de pedras apareceu. Os oito cães infernais corriam sobre ela e deixavam um tremor duvidosamente perigoso. O precipício palpitava em torno dos cascalhos que eram chutados pelas patas nervosas que mostrava que qualquer deslize significava o fim. O cachorro infernal de Mama quase a conduziu para o tártaro ao deslizar perto da borda. Por sorte, ele retomou seu equilíbrio e partiu mais sagaz ainda.

A ponte rochosa dava diretamente em uma grande parede de rocha sem saída. Tanto que iríamos esbarrar nas pedras e cair no penhasco quando chegássemos ao fim. O que por sorte mudou quando Vinicius arremessou uma espécie de bomba que abriu um portão com vista para o nada. Um por um, todos sumiram. Assim que atravessei o portão e abri os olhos uma clara certeza me percorreu: estávamos indo na direção do Hades. Nós havíamos acabado de cruzar o mundo dos mortos sem qualquer possível esforço. Será que haveria complicações até o final do trajeto? Ou melhor: será que iríamos conseguir sair da mesma forma que entramos? Vivos...

[...]

O impacto das quatro patas do meu amiguinho voraz irrompeu o solo com a força de um elefante. Todos os outros sete já estavam me esperando, e Vinicius deu início á busca pela saída. O terreno do submundo era tão arenoso quanto um deserto. O marrom significa a ausência de água e solo infértil. A paisagem do submundo era limitada perante aos meus olhos, pois havia grandes rochas desgastadas cobrindo as extremidades da minha visão – era tão labiríntico quanto o que Dédalo havia construído uma vez. As patas do Lindolfo – nome com o qual eu carinhosamente presenteei o cão infernal – se moviam de forma ligeira. Quanto mais percorríamos o cenário, o desdobramento da paisagem fúnebre se mostrava ainda mais depressiva ao final das nuvens de sonhos. Ao sul, uma grande torre cintilava no horizonte longínquo, que agora estava nos mostrando a grande velocidade com a qual nos aproximávamos da morte. Ali com certeza era a mansão de Hades. Entretanto, essa era uma dúvida que eu não tinha a menor expectativa para sanar.

A poeira levantava conforme as patas dos caninos ficavam ainda mais rápidas. Estávamos ao lado da margem de um rio – eu sempre soube que no submundo tinha rios, mas nunca pensei que eles corriam tão naturais aqui em baixo. As “águas” tinham cores puramente vermelhas e explodiam em um fogo arrepiante. Era tão fantástico que parecia lava escorrendo por entre as margens que corriam pelos dois lados.

– Qual é o nome desse rio? – Perguntou Alinne. Seu cão estava ao lado do meu e do de Vinicius.

– Flegetonte, o rio que banha inteiramente o Tártaro. Aqui em cima ele não é tão forte quanto lá em baixo... – Respondeu. – Enfim, devemos nos apressar agora. Meu pai deve estar junto ao seu exército de mortos vivos tentando domar a invasão nos campos da punição.

– Sorte nossa. – Thay bradou.

– Sendo eu um dos capitães do submundo, tenho completa certeza que ele não deixaria o lado mais fácil de invadir vulnerável em um momento de crise.

Os cachorros alcançaram cerca de dois km de distância e começaram a latir. Vinicius havia dito que eles aguentariam o percurso sem qualquer dificuldade, sendo assim, havia alguma coisa errada. O filho de Hades deixou que nós passássemos a frente para ele vigiar todo o caminho que dava de encontro ao centro do submundo. Ele não precisava nos dizer o que tinha de fazer, pois os cachorros estavam sobe o próprio comando impuro dele. Logo, ele tinha total autonomia e os cachorros sabiam por onde seguir. Depois de cinco minutos ouvindo a cantoria desafinada dos grunhidos guturais dos cães infernais, barulhos de asas ocuparam nossos ouvidos. No alto, uma ninhada de harpias invadiu o céu rubro.

– Vocês não são bem vindos. – A harpia líder grunhiu.

– Nem mesmo um filho do senhor do submundo? – Vinicius abriu caminho entre os que campistas que estavam na frente.

– Você trouxe semideuses vivos!

As outras harpias começaram a discutir entre si. Seus bicos eram longos e suas orelhas afiadas. As asas batiam em uníssono enquanto elas esbravejavam furiosamente com a afronta do filho de Hades. As garras eram tão afiadas que parecia uma mistura louca de galinhas aladas. Elas tinham vozes finas, totalmente irritantes aos meus ouvidos que não aguentava o chiado imperfeito. Vinicius sacou suas armas negras, o movimento fora suficiente para todos nós sacarmos nossas lâminas. Alinne e eu éramos os únicos com arcos na mão.

– Saia da frente. O herdeiro do deus do submundo é soberano aqui. – O garoto de cabelos negros disse. – Curve-se.

– Vocês ouviram a palavra de Hades? – A líder olhou para suas companheiras com um sorriso torto.

– Sim, vamos pegá-los!

– Essa é a chance!

– Então preste atenção filho do nosso mestre, pois a partir de hoje você nunca mais voltara a ver o céu!

Um turbilhão de harpias caiu sobre nós como se fosse um cardume de peixe. Thay atirou seus dados para uma delas que vinha em sua direção. Assim que o tal animal engoliu os dois dados, uma chuva de penas apareceu com a explosão do corpo dilacerado do papagaio voador. Os restos mortais dela caíram no chão, contudo, Thay não esboçou qualquer reação. Ela rapidamente ficou em pé nas costas do cachorro infernal. A loira flexionou os joelhos e ordenou para que o cão empinasse de forma brusca, o suficiente para ela ser lançada para o alto e desembainhar as duas armas de bronze celestial conforme chegava mais perto de duas delas. Tal movimento perfeccionista; ela desviou das garras de uma e curvou-se quando a outra tentou o mesmo movimento, as duas harpias se atingiram. Foi então que ela girou ambas as lâminas com movimentos diagonais para cortar a asa da primeira e abrir um talho profundo na perna da outra. Thay pousou sobre o cachorro que guinchou com ambas as harpias feridas em sua boca, ele as mastigava.

– Santa Atena das malandragens. – Bradei, incrédulo.

Nesse meio segundo eu me desconcentrei do meu alvo por vigiar meus outros companheiros e fui recompensado com a sombra da galinha voadora sobre mim. Assim que olhei para frente a visão de uma flecha rápida atingindo o coração da harpia me voltou para realidade; Alinne tinha me salvado. Pedi á minha aljava mágica uma flecha explosiva e tencionei-a para o céu. Tal ação fora resultada com uma explosão escaldante que derrubou cinco galinhas voadoras no mesmo momento. Fredini usava uma espécie de varinha para abrir um portão na frente da harpia que ia de garras para uma imagem do rio flegentonte, ela virou churrasco quando ela foi transportada para o rio de fogo, as chamas a encobriram. Guilherme tirou duas espadas que se dobraram em lâminas com mais de um gume, e assim, três harpias vieram em sua busca. Ele as retalhou com movimentos precisos e rápidos, não precisou de muito esforço. Vitória já tinha eliminado mais de quatro harpias quanto a última sentiu a ponta de sua lâmina cruzar o outro lado da coluna; ela era cruel. Mama e Vinicius trabalhavam juntos, tanto que a garota arremessou a faca diretamente nas asas da líder das monstruosidades que tentou manter voou com apenas uma. Vinicius ordenou ao seu cão que pulasse. As pernas da pobre harpia pairaram sobre os dentes afiados do animal.

Um segundo e tudo havia acabado. No chão, uma mórbida carnificina coloriu o marrom de vermelho. Não haviamos feito esforços, tanto que, ninguém tinha saído das costas de seus cachorros – que mastigavam os restos dos animais. Detrás de uma pedra ouvimos o barulho de algumas pegadas vindo de encontro a nós. Ficamos em guarda e em posição de ataque, se fosse harpias poderíamos dar conta tranquilamente. Eis que a sombra surge em cima de um cachorro infernal de tonalidade escura, os olhos do cão gritavam em fúria. Os cabelos negros cobriam o rosto, mas quando seus pés tocaram o chão, a surpresa caiu sobre o incrédulo filho de Hades.

– O que meu irmão rebelde faz por aqui? – Ela desembainhou as espadas. Uma harpia rastejava até os pés da mesma para pedir misericórdia. – É um prazer tê-lo de volta. – Ela cravou a espada no crânio da harpia.


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