Legado de Semideuses! escrita por Lucas Lyu Santos


Capítulo 15
Heróis morrem.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/494209/chapter/15

– O que vocês são?

Sombras a minha frente encaravam-me com olhares lúgubres e sedentos por sangue. Eles eram todos misteriosos munidos com um brilho maléfico em suas tatuagens riscadas que tremeluziam diante de mim. Eram quantos? Dez, quinze, vinte? Não sei, eles se mexiam tão rapidamente que meus olhos não os acompanhavam.

Sem dizer uma palavra. Sem fazer nada, apenas cercando-me de medo e com fúria nos olhos. Eles eram tenebrosos.

– O que vocês são?

Questionei mais uma vez e nada. Nada além de um barulho de vento preencheu meus ouvidos com o som sinfônico de um vacu profundo. Enrijeci meus membros pronto para qualquer ato que fizessem contra mim. Eu deveria mostrá-los a esses renegados que quem mandava era eu, - até por que essa história era minha -, e não um bando de escória que lutava por nada. A traição é um preço alto a ser pago, e pelos deuses, cada um deles sofreriam com a desilusão de um mundo melhor; um mundo na qual eles não fariam mais parte assim que eu os encontrassem.

– O que vocês são? – Novamente questionei.

– O que você é? – Ouvi.

As sombras se moviam de forma constante e superavam a expectativa de conseguir distinguir os inimigos. Pensei em ter visto dois japoneses, ou quem sabe, uma loira portadora de uma tatuagem de Zeus riscada. Eles estavam entre eles, eu tinha certeza disso. Contudo, apenas uma sombra parou de fronte aos meus olhos e ficou. Ele era loiro e sua barba era totalmente amarela. Tinha um olhar calmo, contudo, inquieto. Eu sabia que ele era do tipo que faz birras ou putisses, mas, segurei-me em não sair rolando aos murros com a cara dele no branco da minha mente. Suas roupas; uma jaqueta de couro por cima da blusa laranja do acampamento totalmente rasgada em reação a sua renegação a nossa causa, ao nosso acampamento. E além disso, ele usava um coturno negro tão grande quanto o seu ego.

– O que eu sou? – Por um segundo a dúvida de minha existência fez me refletir. – Eu sou eu. – Corroborei, inseguro.

– Não, você é um legado. – Ele me disse. Uma luz fraca conduziu meus olhos á sua tatuagem que me parecia um sol totalmente deformado e riscado.

– Legado...? Se essa é a minha existência, quais são a de vocês? – Fitei-o, pouco a pouco eu conseguia vê-lo mais nítido com a ausência das sombras.

– Você, legado. – Ele pausou. – Nós somos...

– O que?

– Somos... – Ele chegou perto de mim e mexeu os lábios. – O pior de seus medos. – Seus olhos verdes com tonalidades amarelas me encararam profundamente até que seu punho foi de encontro ao meu queixo.

[...]

Acordei sobre um véu de incerteza que tremeluziu assim que levantei os olhos para focalizar o quarto vazio da enfermaria. Sobressaltei-me com o sonho que tive, era estranho, mas não deixou de me parecer real. O recinto não era muito grande, mas era confortável. Tinha uma pequena cômoda com porta retratos do edifício do conjunto habitacional da Avenida paulista – ali que ficava a livraria cultura. Um abajur, uma televisão pequena, vários tubos de oxigênios e um computador que media meus batimentos cardíacos compuseram os enfeites do pequeno recinto.

– Onde estou?

– Só descanse, Lyu. – Beatriz surgiu das sombras junto á duas pessoas em seu encalço.

– Estou nesse quarto á quanto tempo? – Franzi as sobrancelhas com a troca de olhares das mulheres.

– Uma semana. – Helena disse. – E alguns dias.

– Parece que o soro anti-medo tem um pequeno efeito colateral quando o usuário esgota sua energia corpórea. – Batistão observou.

– Ao menos ele desempenhou a sua função. – Mell concluiu.

– Exatamente, parabéns. – Helena deu os comprimentos a garota de cabelos escuros. – Contudo, não posso deixar que meus campistas sofram desse efeito. Vocês podem repará-lo, correto?

– Tenho certeza que sim, eu mesma farei. – A garota dos cabelos negros disse, ríspida.

Elas estavam com roupas de inverno que tinham pequenos fragmentos brancos. O vento gélido conseguia ultrapassar as janelas e vir de encontro ao meu rosto; a sensação era boa. Mal havia notado que o inverno acabará de chegar e o frio castigava severamente o acampamento. Das janelas, flocos brancos flutuavam lentamente em direção ao chão, neve. O quarto estava com um clima fresco e eu estava enrolado com três cobertores de camadas grossas que me deixam quente. Helena me deu um copo cheio de chocolate que fervia em meus dedos e eu não pude recusar. O vapor subia lentamente até os meus olhos, e quando foi de encontro aos meus lábios senti o sabor atrativamente doce que ele trazia.

– Presumo que o dragão, os mortos, os renegados, não foram um simples sonho, estou correto? – Sentei ao relevo da cama com os ombros encostados nos travesseiros.

Olhei-as esperando que elas dissessem o que eu queria. Bastaria; você bateu a cabeça com força em uma árvore e desmaiou– para que todo esse peso de culpa saísse da minha consciência. Senti o calor englobar minha garganta e o chocolate desceu fervorosamente goela abaixo. Engoli-o lentamente, saboreando e tomando cuidado para não queimar minha língua. Fitei novamente as três mulheres, desta vez, meu olhar de soslaio vasculhava toda e qualquer expressão que elas pudessem abranger; Sherlock Lyu Holmes, aos seus serviços!

– Não. – Batistão encurvou o rosto para arrumar os óculos.

– Thalles... – Tentei esconder o tom melancólico.

– Sim.

– Tenho uma pergunta. – Passei os olhos pelas três, rapidamente aflito pelo assunto que me fez cuspir uma sensação de culpa de dentro do coração. – Aquilo lá fora é neve? Desde quando o Brasil começou a nevar?

– O clima do acampamento é de acordo com a vontade dos deuses. – Helena colocou uma pilha de roupas ao lado da minha cama. – Ou seja...

– Bipolaridade ao extremo. – Esbravejei.

– Cuidado com o que diz garoto, os deuses são... Sensíveis na maioria das vezes. – Um trovão ribombou dos céus.

– Ah claro, pode deixar.

– Já podemos ir meninas. – Helena me recobrou um olhar questionável. – Não tem problema você passar mais uma noite aqui, caso seja sua vontade. Só não se esforce Lyu. – Ela sorriu. – Ainda não temos néctar que cure teimosia.

A porta se fechou com um grunhido leve. Passar mais uma noite naquele lugar confortável seria tão bom - ter a minha própria privacidade era algo que nenhum deus poderia me dar. E, depois de tanto trabalho para conseguir o poder de Ares, eu merecia um descanso. Mas por outro lado me sentia inválido em cima de uma cama – principalmente por estar lá a mais de uma semana.

Levantei sem exaurir nenhum protesto. Meu corpo estava tão recuperado quanto minha cabeça. Enrolei-me no cachecol negro empurrando o moletom azul para baixo da minha cabeça, e, por fim, pus a calça jeans preta. Caminhei até a porta com o cheiro atrativo das panquecas do refeitório remexer meu estômago - eu sabia que havia um lugar na grandiosa mesa do chalé sete me esperando. Desci pelas escadas rumo aos flocos de neve que pairavam no ar e iam até o chão; das janelas vi as gramíneas congeladas. Coloquei uma touca branca para proteger meus ouvidos e deixei que meu cabelo loiro ficasse a amostra, um topete discreto se formou.

Meus dedos deslizaram por entre a maçaneta e o baque da porta selou minha decisão; chega de descanso.

...

Minhas pegadas regulares deixavam uma trilha conforme eu caminhava até o refeitório. A neve estava menos de dez centímetros de profundidade, mas os meus pés derrapavam de leve, talvez a ansiedade fosse à protagonista disso. Minhas mãos estavam tentando se aquecerem no fundo dos bolsos do moletom azul, os dedos congelavam. Assim que entrei no refeitório aberto notei os quatro paralelepípedos altamente encobertos de flores congeladas em suas extensões. No centro do mármore, – ainda livre do gelo -, havia uma grande fogueira que jorrava faíscas aquecedoras aos lados, por isso não havia qualquer sinal de neve á dez metros do fogo. As mesas inteiras estavam repletas de campistas, além do chalé dois – que era natural – a mesa do chalé oito estava sem nenhum vestígio de campista.

– Parece que o herói acordou. – Ouvi a zombaria aos fundos.

– Como se fosse possível entrar num dragão abençoado de Ares e sair vivo. – Outro escárnio.

– É bem difícil de acreditar que aquele magrelo tenha feito essas coisas que estão especulando. – E dúvidas surgiam no meio dos risos abafados.

As gargalhadas ficaram extintas, até sumir. Ignorei os restantes dos comentários me perguntando se eles não tinham o que fazer da vida, tipo lavar o celeiro dos pégasos ou colher morangos congelados, melhor ainda, ir ver se eu estou no tártaro, que tal? Apanhei o tanto de panquecas que consegui e despejei metade dentro da fogueira de sacrifício – Apolo realmente havia me ajudado durante esses dias, Astolfa era a prova disso. Desta vez, eu não reclamei ao oferecer um sacrifício em seu nome. Me perguntei aonde Astolfa poderia estar, mas isso eu poderia resolver mais tarde.

– Cabe lugar pra mais um aqui? – Sentei na cadeira fria do chalé sete com um sorriso escondido entre os lábios. Todos estavam conversando até eu interromper bruscamente.

– Hey Lyu! – Martinato me saudou com alegria nos olhos. – Ficamos sabendo de suas proezas, filhos de Apolo são os melhores, sem dúvidas!

– Com certeza. – Esbanjei um sorriso aquecedor.

– Idiota! – Alinne me deu um murro no ombro. – Nunca mais, nunca mais, me deixe preocupada com você! – Outro soco. Mas dessa vez suas expressões amenizaram-se. – Estive com saudades do seu péssimo mau humor, maninho. – No fim, ela sorriu. Abraçou-me.

– Calma, estou vivo, ainda. – Cutuquei a panqueca. – Vocês terão que me aguentar por muito tempo.

– Espero, se bem que vazo ruim não quebra, estou errada Lyu? – E mais uma vez aquele sorriso magnífico de Dandara me clareou uma felicidade.

– Digo o mesmo "matadora profissional de criaturas do mar". – Olhei á todos. – Mas então, enquanto eu hibernava o que aconteceu no mundo real?

Realmente... Eu havia dormido muito, muito mesmo. Fiquei sabendo que houve uma treta marota entre o chalé de Zeus e Afrodite com os integrantes dos deuses menores. Ao que parecia, Munhoz e alguns campistas do chalé dez subestimava-os de forma humilhante, mas a humilhação pairou sobre eles assim que os filhos dos deuses menores ergueram a bandeira em triunfo – Trevisan se encarregou disso pessoalmente.

Ah, e por falar sobre triunfar... Sabe aquela luva que eu quase dei minha vida pra pegá-la do dragão de estimação de Ares? Então, assim que Lorenna encostou o objeto na estátua do grande deus da guerra, ela brilhou e se encaixou no punho feroz dele. Uma Portarius a menos. Martinato me contou também que assim que Helena voltou do Olimpo ela trouxe a informação de que nenhum deus daria notícias sobre o paradeiro de outros objetos divinos, pois nenhum deles deveria interferir em nossa jornada dali a diante. Engraçado, eles correm perigo e somos nós que temos que nos esforçar pra eliminar essas ameaças. Eles podiam simplesmente estralar os dedos e varrer aqueles renegados, simples assim. Mas sendo deuses até suas complicações são divinas. Achei melhor não questionar.

– Quem está encarregado de pesquisar os objetos que estão perdidos? – Questionei avidamente interessado.

– Agora, os filhos de Atena. – Martinato entristeceu.

– Como assim “agora”? – Entoei curioso.

– Antes eram os filhos de Hefesto, mas o conselheiro Pedro está sumido desde o dia que vocês partiram.

– Ele e Letkaske estão desaparecidos, Lyu. – Alinne disse.

– Pelo menos tem alguma equipe de busca atrás deles? – Soltei o garfo, inquieto.

– Não. Como procurar alguém que sumiu sem deixar rastro? A única pessoa que sabe é a Lorenna, ela que pediu á Pedro um favor antes de sair em busca da Arix. – Ele tomou fôlego, mas fora interrompido bruscamente.

– Me pediram para que mandasse ambos rastrear aquela corja de escórias. E, eu o fiz. – Uma silhueta conhecida apareceu ao meu lado. –Infelizmente, ainda não temos notícias deles. – Lorenna findou.

– Devíamos estar lá fora procurando por eles, sei lá, pedir ajuda pros deuses, Hermes, que tal?

– Não. – Ela disse, secamente. – Temos coisas mais importantes para tomar conta, Lyu. Por mais que eu goste deles, sem uma pista, eles estão sozinhos.

– Lorenna, já pensou que eles podem ter sido...

– As ordens são minhas. – Sua expressão ficou séria. – E minha decisão final é essa. – Ela deu as costas.

Mas que filha de um... Ciclope. A bordoada fora desferida com rispidez pela morena filha de Ares e me deixou falando ao vento. Seu cabelo bailou sobre o ar quando ela rodopiou e foi embora, apenas sua palavra autoritária restou em nossa mesa rompida pela arrogância desta.

– Mais mandona impossível. – Martinato esbravejou. – Ainda vamos dar uma lição nessas crias de Ares. Eles se acham dono de tudo. – Sua expressão ficou irritada.

– Nem me fale, tenho uma treta feia com um miniprojeto de idiota do chalé cinco. – Dandara atrofiou a panqueca. – Por mim, colocaria todos num ringue com lanças afiadas e deixaria que eles se matassem tentando descobrir quem é o mais retardado. – A panqueca se desfez no prato dela. – Mas como eu sou legal, deixo passar.

– Mas por que tudo isso? – Questionei.

– Filhos de Apolo tem uma rivalidade antiga com Ares, desde os tempos passados. – O conselheiro mordiscou sua comida. – Desde as brigas de Michael Yew e Clarisse, muitos anos atrás.

– Vocês não acham que está na hora de isso acabar? – A loira ao meu lado disse.

Alinne nunca foi de muitas brigas, mas quando ela brigava todos estavam em perigo. Falo isso por experiência própria, nunca queira ter ela como sua inimiga.

– Cara, eu me dou bem com a Lorenna. – Depois daquela parceria dentro do desafio mortífero, eu tinha certa razão sobre a minha conclusão de que a filha de Ares era uma pessoa boa, e, além de tudo, amiga.

– Você a considera legal agora meu caro Lyu, espere só mais tarde. Espere só...

– O que tem mais tarde?

– Hoje é sexta-feira. – Ele levantou seu punho a frente. – Vamos roubar essa bandeira e esfregar na cara deles!

E nós quatro batemos os punhos.

[...]

Os times foram classificados como se todos soubessem das tretas do acampamento; Ares, Zeus, Hermes, Hefesto, Hades e Poseidon formavam o time Azul – tive a leve impressão de que Helena sorriu quando olhou para Munhoz e Trevisan. Elas se encaravam furiosamente. O time vermelho e vencedor – quiçá eu – estavam compostos por; Apolo, Atena, Deméter, Afrodite, Dionísio, Íris, Nêmesis, Jano, Hécate, Hypnus, e o restante dos deuses menores na qual eu não consegui acompanhar a leitura de Helena. Eu até me simpatizava com eles, tanto que preferiria tê-los do meu lado a ter que lutar contra eles.

– Armas especiais valem? – Munhoz questionou.

– Se não matarem ninguém, sim. – Helena soltou um sorriso. – O bosque é o limite, não o ultrapassem. As regras vocês já sabem. – Encolheu-se no cachecol. – Estão dispensados para esconder a bandeira e criar armadilhas defensivas. Que o melhor vença!

Seguimos para o norte e entramos no sombrio e gelado bosque com uma ninhada de elmos vermelhos roçando os galhos em nosso caminho. Éramos muitos, ao menos, quarenta campistas estavam ao nosso lado e cerca de dez a mais compusera o outro time – durante a minha inconsciência de uma semana as caçadoras haviam deixado o acampamento enquanto novos campistas chegaram dando novos números a população semideusa. Todos estavam equipados com armaduras e cotas de malha que iam desde a gola de uma blusa normal até os pulsos. Elas nos deixavam quentes – pelo menos eu estava – e parecia que todos usavam calças jeans como uniforme de combate.

A neve cobria toda a parte que antes era verde por conta das flores e da grama, contudo, sua espessura ia aumentando em certas partes, mas em outras, parecia poeira branca misturada em um verde claro. Eu estava logo atrás de Batistão que segurava a bandeira vermelha e vociferava ordens á Rasquel para que soprasse a neve para encobrir as pegadas de nossa localização – estávamos entrando em um ponto cego para eles, duvido muito que tenham pensando nisso. Se por um lado eles tinham ficado com a força, a inteligência havia recaído em nosso time. Mas teríamos muitas surpresas diante de nossos antagonistas, afinal, subestima-los antes das lâminas se encontrarem poderia ser um erro fatal. Um erro na qual eu não cometeria.

– Estamos perdidos. – Rodrigo bradou.

– Que isso Rô, pare com isso. Você tem os dois sóis ao seu lado cara! – Tentei parecer-me útil ao dizer algumas palavras de incentivo a ele.

– Ah claro, até por que dois dão conta de cinquenta. – O filho de íris disse. – Sendo que mais de dez, são filhos de Ares. – Bufou Dudu.

– Escutem. Se forem ficar choramingando por não acreditarem em nossa vitória, sintam-se convidados a se retirar – Batistão apontava para o sul, ninguém se mexeu. – Ótimo. Agora todos prestem atenção no que vamos fazer. – Ela se abaixou com um galho em sua mão e logo rabiscou a neve. – Quero que os filhos de Hécate façam uma espécie de ilusão mágica em torno da nossa bandeira, como se fossem um portal ilusório que mostre que o caminho é impróprio para seguir.

– Mas filha, Helena falou que... – Frascolli tentou falar.

– Eu sei o que Helena disse, e é permitido. – Ela olhou para a filha de Hécate. – Conseguem fazer isso Frascolli e Trevisan?

– Contanto que vocês esfreguem a bandeira na cara deles e honre os deuses menores, claro. – Trevisan concordou.

– Ótimo. – Batistão voltou ao galho e desenhou o campo de batalha na neve. – Meus irmãos vão subir algumas armadilhas em volta da bandeira, se caso eles conseguirem passar pelo portal ilusório de vocês. – Mell assentiu. – Os filhos de Jano, podem fazer algo que os confundam. Deixem que escolham o caminho errado. – Eles concordaram, eram dois. – Eu preciso de quatro filhos de Apolo, os outros quatro podem ficar ao redor e dar cobertura á área. Rasquel, você também vem comigo, assim como Mari. – A lâmina nas costas de Beatriz brilhou. Meus olhos acompanhavam o intenso raciocínio estratégico da garota indo de uma pessoa até a outra. – Babu, façam com que eles se submetam as vontades de seu charme junto aos seus irmãos. Benvengo, deixe algum pó de sono próximo ás árvores ao leste. Os outros cerquem o perímetro de forma estratégica, deixem que eles venham até nós. – Seus orbes analíticos continuavam a cintilar. – Preciso que mais dez campistas invadam o lado oposto de nós, você consegue fazer isso Malu? – Ela sorriu assim que recebeu uma resposta positiva. – Rodrigo e Dudu, vocês comandam a defesa. – Ela terminou o esboço na neve e escreveu uma palavra; vencedores. – Se eles pegarem a bandeira, eu mato os dois.

Todos escutaram com atenção e os rostos ficaram determinados. Eles assentiram e andaram até suas posições designadas. Pelo menos o discurso havia dado certo, pois ninguém reclamava de nada.

Nunca havia visto Beatriz Batistão tão... Violenta? Talvez. Eu sabia que ela era inteligente, mas colocar isso em prática dentro de uma batalha era algo totalmente diferente. Ela tinha uma aparência fofa e, me parecia que odiava qualquer forma de contato – que não seja entre ela e seu livro -, mas eu devo tê-la julgada errada. Muito errada. Batistão amarrou seu cabelo como um rabo de cavalo e desembainhou sua espada da forma mais melancólica possível – o aço retinia lentamente ao som de seu material tocando o guarda douro em sua cintura. Alinne, Dandara, Martinato e eu estávamos com nossos arcos na mão, porém tínhamos espadas para um futuro e eventual auxílio. Mariana, a garota do coração na bochecha direita estava com seu cabelo castanho-claro ao vento, ele bailava sobre o ar e a deixava intensamente irresistível - soube disso por que alguns meninos babavam por ela logo atrás. Malu estava calma, ao menos, isso era bom. Seus óculos estavam posicionados perfeitamente em seus orbes castanhos que brilhavam e, ela tinha uma pequena bolsa na sua cintura – que eu não me atrevi a perguntar o que ela guardava –, além da espada curvada em sua mão. Rasquel parecia completamente a vontade, pois à brisa de seu pai era favorável para ele. E por isso, fora escolhido a dedo para vir conosco e desempenhar um papel fundamental para nossa conquista.

Os flocos de neve caíam do céu lentamente e, quando um se colocou entre meus olhos e meu nariz, o alarme fora tocado. O início dessa disputa sanguinária pela bandeira havia começado.

...

Éramos sete tentando contornar uma área de pelo menos cinquenta campistas prontos para nos cortar ao meio. Isso iria ser difícil, óbvio que seria. Mas nada que uma flechada ou outra não resolvesse.

Fomos marchando para o leste, ali não havia tantos semideuses da equipe azul protegendo o perímetro, o que indicava que a bandeira estava na direção oposta. Seguimos quietos e atentos; estávamos nos camuflando perante as árvores e tomando cuidado para não afundar nossos pés na neve, a espessura dali era de sete centímetros.

Meus olhos enxergavam coisas que poucos não conseguiam ver perante os galhos de gelo, e de longe, eles acompanham conflitos por todo o bosque. Mesmo assim eles eram falhos; mesmo herdando a visão de meu avô Zeus, não significava que eu podia enxergar tudo – pois se pudesse, digamos que eles fariam umas visitinhas noturnas no vestiário feminino. Desculpe-me, acabei pensando alto. E por esse pensamento odioso num momento errado, surpreendi-me quando um filho de Hefesto surgiu perante minhas costas. Por sorte Dandara deu uma cotovelada perto de seu pescoço, ele caiu todo desajeitado inconsciente. Foi então que percebi que quatro filhos de Apolo eram mais que necessários para o sucesso desse jogo, pois se apenas meus dois olhos não eram o bastante, oito sobraria vantagem.

Ouve-se o estalar de lâminas e assobiei quando Beatriz atingiu um filho de Hermes com rapidez e frenesi, subitamente ele afundou o rosto na neve e não moveu um músculo se quer com o impacto do golpe. Martinato desembainhou seu arco e mirou em um galho próximo ao campista que vinha correndo gritando palavras de fúria. A flecha tencionou em seus dedos e ela viajou com tamanha perfeição até atingir a árvore que chacoalhou com a mini-explosão sonora que incapacitou nosso inimigo – na qual fora premiado com muita neve que caiu do galho. Ele ficou submerso no gelo e temporariamente surdo. Menos um.

Mariana foi esperta usando os truques de sua mãe. Logo, dois filhos de Ares se curvaram em prol de sua beleza – típica da patricinha –, e, Alinne completou o serviço com um golpe com o cabo da espada na cabeça deles – eles foram para o mundo dos sonhos.

Quando a adrenalina nos escapou, paramos e nos encaramos; esperávamos que mais guerreiros da equipe antagônica surgissem nas extremidades do campo de batalha. Entretanto, o silêncio zuniu em forma de tensão. Esgueiramo-nos feito um esquadrão especial da SWAT, todos se camuflando entre árvores e rochas, fazendo movimentos ridiculamente engraçados, contudo, precisos. Assim que avistamos a bandeira balançar sobre o véu fino do vento, nossos olhos atentos brilharam com o pano azul que cintilava a uma distância longínqua. Nós nos ajuntamos sobre a sombra de uma grande rocha e ficamos a observar os poucos e remanescentes defensores rondando o curto perímetro; a vitória triunfante estava a quarenta metros de distância dos nossos olhos, eu me via segurando a bandeira.

Muitas árvores cercavam o campo em que eles se encontravam. E sobre uma rocha coberta de gelo a bandeira estava fincada no chão. Pelos dois lados da extremidade da enorme trincheira, cercavam pequenas nascentes de cachoeiras que derramavam incessantemente a água cristalina que cintilava conforme corria entre o leito escorregadio, ao fundo, ambas nascentes juntavam-se diretamente no estreito do pequeno aqueduto velho, tal arquitetura me lembrava de Veneza nos tempos da renascença. Incrivelmente a densidade do gelo não fora suficiente para congelar a água -, por isso, o líquido tampouco deixava de pigarrear sobre as rochas que escorria entre o solo protegido por pedras que traçava um caminho direto as camadas grossas de vigas de concreto, elas iam diretamente ao acampamento abastecer-nos.

De qualquer forma, estávamos cercados pelo barulho inquieto da água. Dava vontade de ir ao banheiro.

Eles haviam ajuntado uma quantidade de gelo e fizeram uma espécie de proteção em volta da bandeira. Era como se fosse uma muralha. Uma proteção de neve que faria com que os inimigos perdessem o equilíbrio quando subissem e também perdessem tempo necessário para um possível embate quando estes quisessem descer. Boa estratégia, mas para nós, os inimigos deles, uma estratégia que deveria ser frustrada pelo cérebro de Batistão e pelas nossas lâminas.

Beatriz estava na minha frente fazendo caretas semi-automáticas - penso eu - que ela estava calculando alguma estratégia titânica por trás daqueles olhos azuis acinzentados que ficavam mais azulado pelo vidro dos óculos prateados. Meus irmãos vigiavam o local sem pestanejar, os três, com as flechas tensionadas no armamento de bronze enquanto as espadas prendiam em cada cintura que acompanhava a aljava. Mariana estava tentando tirar uma lasca de madeira que sem querer entrou em sua unha, a concentração era tanto que por um breve segundo ela usou a ponta da sua adaga para fazer esse serviço – mulheres e suas preocupações. Rasquel fazia não sei o que com os flocos de neve, e toda vez que ele os assoprava, caia na cabeça de Beatriz que nem ao menos sentia.

Escorei-me na árvore que estava totalmente congelada. Minhas costas sentiram o frio englobar a armadura dourada que me protegia de não virar picolé, - tudo bem que o sabor de Lyu viraria um sucesso estrondosamente grande em todo o universo–, mas não seria hoje que isso aconteceria. Quando eu era pequeno assistia os desenhos da turma do pica pau e quando mostrava o picolino – aquele pinguim folgado pra caramba que morava no pólo norte -, tinha sempre aquela idéia de que se colocar a língua em um objeto congelado, ela ficaria grudada. Eu nunca fui muito supersticioso, mas curioso sim. Havia um pedaço destroçado de cano congelado na árvore, e, aproveitando que todos estavam ocupados eu fui conferir essa possível idéia.

Em primeiro momento, ela grudou. Em segundo momento, ela continuou grudada. Agora, já no terceiro, ela grudou de vez.

– Rasquel, pare com essa droga de neve! – Beatriz esbravejou, mas ainda continuou a olhar para frente enquanto dizia palavras assustadoras contra o filho de Éolo. – Espera... Já sei! Você é um gênio nuvenzinha.

– Nuvenzinha? – Ele olhou com desdém. – Sou? Que novidade isso. – Rasquel sorriu.

– Idiota. – Ela voltou a ficar séria. – A neve está caindo cada vez mais rápida. Você conseguiria soprar e causar uma espécie de ventania completamente focada no centro da bandeira? Afinal seu pai é dono dos ventos. – Ela sorriu quando o garoto assentiu. – Só precisamos tirar aquelas sentinelas de perto da bandeira, e aí, o jogo acaba.

– Pode deixar que nós três os derrubamos. Temos flechas sobrando até pra matar um titã! – O conselheiro de Apolo falou risonho.

– Ok. Ok. – Ela olhou para Mariana. – Consegue atrair atenção deles até conseguirmos entrar na barreira?

– Sim, isso será fácil. – Ela sorriu e o coração na bochecha direita apareceu junto á sua covinha fofa.

Batistão voltou seus olhos para frente e ficou a observar o campo de batalha.

– Lyu, faremos o seguinte... – Ela bradou esperando que eu a respondesse na mesma hora. – Lyu?

– Auham. – Grunhi.

– Hãm? Lyu?

– Inha íngua.

– Fala em português! – Ela me olhou. – Mas que diabos você fez...

– Inha, íngua. – Espremi uma cara de dor enquanto minha língua repuxava na gelo. – Mi anhuda.

– Só você mesmo pra fazer isso numa hora dessas. – Alinne disse olhando pro céu. – Tem certeza que esse indivíduo é meu irmão? Um sol já ta bom pai, pense bem.

– Hey...

– Ajudem esse idiota logo. – Batistão olhou pra frente.

– Calma, calma, espera só um minuto. – Martinato disse apalpando os bolsos. – Todo mundo vem aqui, rapidinho.

Ele ergueu um aparelho androide e colocou uma câmera frontal diante de mim que apenas fiquei sem expressão. Todos se espremeram ao meu lado e falaram se ferrou em tom uníssono, e depois dessa humilhação, sorriram e fizeram caretas ao piscar da câmera do celular. Distingui o ícone do aplicativo e percebi que essa foto acabará de ser postada no instagran de @martihalfblood, cuja legenda era “Você está no caça tramando a estratégia pra roubar a bandeira e se depara com isso... @toindotebaterlorenna, @seferramunhoz, @saidafrente, @comfome, @lyutrapalhão, @nevascadorasquel, @chuvadeflechas, @tafrio.” O pior de tudo era ter saído na foto vesgo e com uma cara estranha, mas ainda sim, um sorriso no rosto e uma mão com uma joinha. Lyu aproves.

– Obrigado.

Pelos deuses, minha língua doía demais e estava quase congelada – se não fosse por um deles que me ajudou a soltá-la, ela poderia virar uma pedra de gelo. Ouvimos o restante das instruções de Batistão e ela nos separou em duas equipes de três pessoas. Contudo, Rasquel ficaria onde estava para projetar os ventos contra nossos defensores.

Assim uma grande onda de vento começou a surgir e direcionar os flocos brancos que caíam do céu com rapidez para frente, embaralhando totalmente o clima em torno da bandeira – parecia que um redemoinho se formava. Aproveitamos desta deixa para nos separar, além de mim, Alinne e Mariana foram para a direita, na parte que tinha a maior cachoeira. Fomos em silêncio e ouvimos o estralar das flechas caírem sobre os três sentinelas como se fossem luvas. Elas se abriram e uma linha fina negra caiu sobre a cabeça de dois filhos de Hermes que ficaram fora de combate no mesmo instante – eles estavam amarrados. Mariana tomou a nossa frente chamando a atenção de dois garotos que pararam para ouvir as encantadoras palavras dela, logo, a filha de Afrodite os alcançou e acariciou o rosto deles com a ponta da lâmina da espada, novamente, outros dois se curvaram diante de sua beleza estupendamente adorável.

Alinne foi tão rápida que assim que pisquei um corpo oriundo caiu em torno dos meus pés. A garota caída estava ferida e quase me puxou assim que saltei sobre ela. Agora os outros campistas já tinham notado que estávamos lá e, por isso, tivemos que entrar mais ainda sobre o bosque e nos aproximar bruscamente da cachoeira. De lá já não conseguia enxergar os outros três em meio ao véu dos ventos que agora era insuportavelmente forte, Batistão, Martinato e Dandara deveriam tomar o restante do plano como prioridade. Mariana permanecia na frente e nós a seguíamos para o outro lado do pequeno e estreito caminho que as águas corriam pelo solo – por sorte, a cachoeira não era tão funda.

O frio era grande e as águas estavam congelando pouco a pouco até a altura dos meus joelhos que estavam submersos. Minhas meias ficaram totalmente encharcadas e minhas pernas começaram a tremer, ao menos, estávamos no meio do caminho. Mas assim que estávamos bem ao centro da travessia do lago raso, Mariana parou de caminhar.

– Continua. – Alinne bradou. – Anda logo, ta frio!

– Não consigo. – Mariana respondeu.

– Como não?

– Estamos presos, não está vendo?

No topo da cachoeira a três metros de altura uma figura magistral encarava-nos com desprezo. Ela tinha uma armadura azul e a arma de três pontas em sua mão trazia seriedade ao seu semblante. Ela esticou a mão em nossa direção quando as águas começaram a se contorcer diante do seu poder. O tridente reluziu e, as águas começaram a endurecer como se fossem cimento. Era a primeira vez que prestigiava de perto o poder de uma filha de Poseidon.

– Ora, ora, ora... – Ela estava calma. – Vejam só três peixinhos dentro de meu território. – Orsi bradou.

– Sabia que tinha alguma coisa errada. – Encarei-a. – Estava tudo muito fácil demais.

– Não são apenas os filhos de Atena que sabem como planejar uma estratégia, sabia disso meu caro Lyu? – A filha de Poseidon estava com a mão direita em sua cintura, tranquilamente á vontade com a situação.

– Seria mais fácil você nos deixar inconsciente do que continuarmos a ficar nessa água gelada. – A loira ao meu lado falou em tom meio rouco.

– Relaxa Alinne. Filhos de Apolo são calorosos, não são? – Ela sorriu. – Creio que não vai ter problema em continuar, ou são... Posers? – Ela adornou cada palavra com extremo cuidado. Seu intuito era obviamente nos causar mais irritação. E ela havia conseguido. Chamar-nos de posers era o pior xingamento que se podia proferir á um semideuses - como trouxas para bruxos de Harry Potter.

– Mas eu não sou filha de Apolo. – Mariana disse.

– Tem razão. – Orsi levantou a mão e a água correspondeu sua ação no mesmo minuto. Tal ação fora rápida e ágil, Mariana fora lançada á metros para fora do lago e bateu a cabeço num galho acionando uma rede que a engoliu, prendendo-na sem qualquer chance de defesa. – Mais alguém quer sair? – O tridente em sua mão roçava o punho entreaberto. Ela estava louca para usá-lo novamente.

– Aqui está bom pra mim. – Falei conformado.

– Sem pressa nenhuma. – Alinne concordou.

– O máximo que acontecerá com vocês é uma leve pneumonia. – A filha do deus do mar sorria. – Mas o que isso pode significar para os filhos do deus coradouro? Não é mesmo?

Ignorei-a por um segundo. Lembrei-me desse momento igualmente nos tempos de outrora quando eu deslizava por entre as quatro rodinhas do skate nas ruas de São Bernardo do Campo. Eu e meus primos descíamos do topo da colina com os skates e tendo apenas os tênis como freios, enquanto nossos corpos tentavam nos equilibrar enquanto o vento zunia em nossos ouvidos. Agora, Alinne e eu tentávamos nos equilibrar com a água prendendo nossas pernas e o vento fazendo ecos por nossos ouvidos; fazíamos de tudo não para cairmos sentado na água. Seria pior.

Eu sabia que mais cedo ou mais tarde o gongo soaria e o caça acabaria, pois Beatriz era uma menina muito inteligente e com a força de Martinato e as habilidades sobrenaturais de Dandara, eles bateriam em quem quer que seja. Sem exceções.

– Eu tenho uma péssima notícia para vocês. Lorenna e os filhos de Ares cercaram seus amiguinhos. – Orsi gargalhou.

Talvez haja alguma exceção. Sei lá, né.

Os risos demasiadamente provocativos formaram-se um nó na expressão suave do rosto da filha de Poseidon. Objetos laranja caíram na neve e exauriram sufocados sons de agonia, até que uma fumaça alaranjada começou a se misturar com a nevasca conduzida por Rasquel. Em menos de dez segundos, uma neblina – voluptuosa - engolia a área totalmente. Orsi desconcentrou-se por um segundo preocupada com a sua reta guarda, tempo mais que suficiente para que eu e a Alinne pudéssemos pisar em solo.

A fumaça alcançou o epicentro com muita rapidez e assim que engoliu a filha de Poseidon, cinco segundos depois seu corpo rodopiou sobre o ar e despencou da altura em que estava. Orsi havia tomado um golpe forte na barriga. O tridente em sua mão caiu perto de mim e eu o chutei para longe, enquanto Alinne rendeu-a antes que ela pudesse fazer algum truque sujo com os seus poderes. Ela estava fora da cachoeira, e assim deveria permanecer.

– Vá, eu cuido dela. – Alinne exclamou. Ela apontava a espada no queixo da garota, poucos centímetros da pele da mesma.

– Beleza. Se eu morrer fica com as minhas pelúcias! – Desembainhei minha lâmina negra. – Da comida pro Lindolfo, ele tem que comer duas vezes ao dia.

Finquei a lâmina no gelo pra tomar apoio sobre a íngreme montanha de gelo que ali existia enquanto eu lutava para subir. Assim que consegui ficar em um terreno plano, a fumaça me permitia ver apenas alguns reflexos da batalha que era travada duramente entre os desnaturados que se aventuravam em estar dentro daquilo.

Movimentei-me sobre o véu sombrio laranja que minha vista me guiava. Meus passos se moviam como se fossem rítmicos, eles procuravam uma brecha para que minha lâmina finca-se entre a armadura de alguém. Meus olhos se moviam atentamente; direita, esquerda, frente, atrás... Onde olhar? Quando se defender? Droga, isso me bugava mais que mexer no cubo mágico de Thalles. Saudades Thalles. Minhas mãos eram movidas pelo anseio monótono de reagir a qualquer vulto que brandia ao nada, até mesmo o zéfiro do vento era meu inimigo.

A neblina se extinguia pouco a pouco conforme eu avançava para o centro nebuloso. Para onde eu estava indo era uma pergunta que nem mesmo Zeus saberia responder.

Minhas pálpebras ramificadas pelo som do brandir de lâminas encontrando-se longe do meu alcance me deixavam totalmente inquieto, afinal, eu pressentia que o conflito estava perto. E eu ia de encontro á ele. Tal pressentimento se mostrou exato quando abaixei totalmente meu corpo ao sentir um metal ressoando ao ar. O barulho do vento sendo cortado pela lâmina inimiga foi capaz de me alertar com um único detalhe antes que eu pudesse cair nos braços do Hades. A lâmina dele errou por cinco centímetros do meu cabelo.

Não titubeei ao apoiar minha mão esquerda no chão e desferir um chute poderoso na parte direita da barriga do guerreiro que havia barrado meu avanço. Minha perna ficou estendida no ar como consequência do golpe, e ele desencadeou sua força me arremessando a dois metros para frente, – eu cai feito uma pelúcia sem espuma. Tentei me manter equilibrado com o súbito contra-ataque, mas a sombra do grandalhão já estava sobre mim e mal pude levantar a espada antes que ele pisasse em minha mão. Ele sorria feito um porco com dentes totalmente desiguais e saboreava cada barulho de crock dos meus dedos que sofriam esmagados pela sola do coturno negro dele. Ele era durão, era um filho de Ares, mas isso não poderia me abalar. Tal fato era indubitável, afinal, Apolo deveria sambar na cara de Ares e deixar que os mandões passassem a noite reclamando entre si. Mas devo levar em consideração de que eu não era um garoto muito forte, e mesmo tentando esmurrar a barriga dele com a minha única mão livre, não houve resultado, se não cócegas.

– As profecias costumavam escolher guerreiros que honrassem o Olimpo! Mas isso já não é uma exigência. – Ele levantou a espada mirando a parte do meu braço.

Eu já conseguia identificá-lo completamente, a névoa já não perturbava a arena com o grande volume que outrora castigara nossas visões. Rasquel haveria de estar envolvido em algum conflito, ou talvez, imobilizado. A dúvida do destino do filho de Éolo já não era de meu interesse, afinal, ele sabia se cuidar e quem clamava por socorro era eu. Tudo isso passava pela minha cabeça que não via alternativa se não esperar os golpes do filho de Ares derramar o sangue caloroso que corria em minhas veias.

Eu esperei, e o golpe veio. Entretanto, pra minha sorte não era ele quem havia desferido a investida.

O poderio plantio de Deméter chegou como uma plantação de milho que fora varrido por um incêndio em dias calorosos num verão. Meus pés notaram estar próximo do esbanjador da fumaça que antes estava vigorosa; um mamão. Tudo fez sentido até o momento que um caroço negro atingiu a parte detrás da cabeça do filho de Ares que abruptamente virou-se com o estampar de ódio em suas expressões escrupulosas. Eu tentei me desvencilhar do pisão dele, mas a pressão em sua bota ainda era enorme.

– Hora de dormir grandalhão. – A voz da garota me parecia confiante. Quiçá, ela demonstrar isso com a sua espada.

Ela gingou como se fosse uma abelha e com as pontas dos pés, que não deixava de soltar pequenos movimentos circulares para confundir o filho de Ares. Isso até que funciona, pois o garoto errava socos furiosos no ar. Ele não a achava digna o bastante para usar a espada contra a filha de Deméter, mas mudou sua ideia assim que ela cuspiu outro caroço negro de sua boca, – ela havia ingerido mamão. Sua aparência estava completamente mudada; Malu estava com uma faixa presa na cabeça como se fosse uma espécie de ninja da pesada e, tinha dois riscos marrons no rosto, um de cada lado, parecendo uma índia maleficamente pronta para o combate. Os olhos irradiavam uma tonalidade diferente, estavam determinados. Malu usava uma armadura que brilhava conforme ela bailava sobre os olhos dele, tal reflexo era magnífico.

– Gingo como uma abelha... – Ela jogou mais um caroço. Agora o garoto estava trincando os dentes em reação ao acontecido e seus olhos queimavam num fogo ardente semelhante ao de seu pai. – Forte como uma borboleta. – Ela se esquivava dos golpes poderosos do grandalhão que agarravam apenas o ar, tal ação resultava numa lentidão consideravelmente grande para uma brecha em sua armadura negra. Ele desembainhou a espada, mas era tarde demais. – Você foi muito vacilão, por isso vai tomar um golpe do meu ferrão! – Ela foi ao ataque.

Assim que meu braço estava livre eu não sabia se tentava ajudar Malu ou largava a espada para aplaudi-la. Ela parecia não saber o que estava fazendo, mas seus orbes grandes projetados pelos óculos de grau - um pouco acima de três e meio -, conseguiam identificar todo e qualquer ponto para um bom ataque. Ela escorregava, ao menos, isso era uma boa estratégia para fazer crescer uma falsa e ilusória confiança no seu inimigo. Quando este menos esperou, um talho abriu-se em seu rosto e o sangue pigarreou no solo, Malu estava em vantagem. Ela era ágil e jogava muitos caroços de mamão na testa dele, sem deixar seus pés saltitantes parados num único lugar. Eu via sutilmente a língua da garota se mover nas bochechas grandes dela para lamber aquele risco marrom e, porcaria, era nutella! Santa inteligência de Deméter, além de ser estupendamente brilhante em combate ela ainda conseguia ingerir chocolate.

Com os olhos semicerrados o filho de Ares tentou uma rasteira que culminou em uma pequena sorte para ele. Sua perna acertou de leve os pés da garota que tentou pular com esperanças á fugir do alcance do golpe. Infelizmente, falho. Assim que ouve o choque da rasteira com os pés, Malu pairou no ar diante dos olhos furiosos e ardilosos do inimigo da equipe azul; ela estava desprotegida e sem qualquer equilíbrio enquanto seu corpo revirava no ar. Ela cairia de cabeça na neve e com o tronco para cima, o que para o filho de Ares seria uma vantagem esmagadora.

O grandalhão se recompôs para finalizar a peleja com uma espetada na altura da perna direita da filha de Deméter. Isso seria um golpe fatal se não fosse pela inteligência da comedora de nutella. Ela havia colocado ambas as palmas das mãos no chão e conseguiu sustentar o seu peso. Graças a isso, Malu fora capaz de se equilibrar e mesmo com a cabeça de cabeça pra baixo, ela conseguiu vislumbrar o golpe do inimigo, ela teria que ser rápida por que seus braços não aguentariam muito tempo eretos como fonte de equilíbrio. A filha de Deméter havia percebido que o alvo era sua perna direita, por isso, ela abriu um pouco mais suas pernas e deixou que a estocada da espada passasse no meio, acertando o nada. Com isso, o grandalhão se desequilibrou e eu consegui ajudá-la com um pequeno chute nas costas dele, fazendo-o tropeçar em direção de Malu. Eu realmente achei que esse seria o fim dela, mas o que aconteceu a diante me faltou ar em descrever.

– UAAAAAA! – Ela bradou como se fosse uma ninja antes de entrelaçar as coxas no meio da cabeça do filho de Ares e aplicar uma chave de braço, com as pernas.

Segundos mais tarde, ouve o resultado. “Baffft”, como um urso de quase dois metros de altura o guerreiro caiu. Ele estava exausto e ficava vermelho a cada segundo a mais que a filha de Deméter apertava-o com as pernas.

– Pra você aprender nunca mais esmagar os dedos dos meus amigos. – Ela pegou de sua bolsa uma metade grande de mamão e esfregou inteiramente na cara do garoto.

– Tira essa porcaria de mim! – Ele se debatia.

– Só fique quieto! – Malu espremeu a fruta.

E, ele parou de se debater. Aquele jovem durão de Ares havia visitado o mundo de Hypnus com odor misterioso do mamão.

– Obrigado Malu. – Ela me ajudou me levantar.

– Não foi nada, quer nutella? – Da bolsa pendurava na cintura dela exibia muitos mamões descritos como “distrações, fumaças e veneno”, além dos potes grandes de nutella.

– Ah, obrigado, estou satisfeito.

– Tudo bem, sobra mais. – Ela pegou uma colher enorme cheia de nutella e pôs em sua boca. Suas grandes bochechas ficaram coradas e, ela grunhiu sobre irmos atrás da bandeira enquanto saboreava o licor dos deuses.

Assim que ela guardou o pote dentro de sua bolsa o barulho ensurdecedor do acampamento tocou. Dandara exibia com fúria a bandeira em suas mãos. O time vermelho, e, acima de tudo, Apolo, manteve a sua promessa de sambar na cara dos filhos de Ares. O jogo terminou. Nós ganhamos.

[...]

Parecia um quartel de guerra com tantos feridos e narizes sangrando. Dei graças aos deuses que não era eu um daqueles campistas que estavam no fura fila do SUS – Semideuses Unidos por Saúde (?) – mas, só de falar nisso minhas costas doíam por conta da minha recuperação da hibernação de uma semana na cama. Os passos múltiplos se reuniram sobre a frente do refeitório e todos fitaram a abertura da grande janela do recinto onde uma mulher estava ereta sobre ele.

– O time vermelho foi o vencedor! – Helena bradou. Os gritos da minha equipe ecoaram. – Vocês têm total privilégio de dispensa das atividades diárias do acampamento por uma semana! – Mais gritos. – Bom trabalho. – E os urros foram glorificados para o alto, Frascolli gritava um louvor.

Helena estava dentro do refeitório na extremidade que tinha visto direto aos chalés. Ela se posicionou em meio a dois paralelepípedos trajados de branco. Todos estavam começando a se dispersar quando um místico portal apareceu de uma hora pra outra. Foi então que o show de horrores começou.

– Boa noite. – Um garoto de cabelos lisos em tom castanho escuro estava na frente da câmera.

Os olhos igualmente castanhos demonstravam tamanha e descontente vontade em falar conosco, ou então, era puro tédio. Ele tinha expressões incógnitas, me parecia ser aquele tipo de garoto que poderia manter uma identidade secreta se fosse um super herói da Marvel ou esconder a sua verdadeira aparência - se fosse um infectado do vírus de licantropia. Ele era muito calmo, algo assustador e ao mesmo tempo incomum. Os óculos davam-lhes sensações de intelecto superior a sua idade, e seu jaleco de cientista confirmava minha tese. Quando ele abriu as mãos um mini dragão robô abriu as asas enferrujadas e guinchou para fora de nossa vista, admirei-me com tal estrutura. Agora todo o acampamento observava aquela ilustre presença. Todos, curiosamente intrigados ao motivo daquele portal aparecer repentinamente, inclusive Helena que o fitava.

– Quem deixou isso se abrir? – A mulher de cabelos curtos dentro do refeitório bradou.

– Isso é um email do íris.com. – Dudu exclamou.

– Exatamente meu caro. – Ele olhou para o lado com algo entalado em sua garganta. – Como chamamos esse bando de escória mesmo? – Ainda sério, ele esperou a resposta inaudível aos ouvidos dos espectadores curiosos; nós. – Enfim, meu nome é Victor Mesquita. Eu sou um filho renegado de Hefesto, o contrário desse fedelho aqui atrás de mim que tentava descobrir nossa localização. – O olhar dele descartava qualquer sentimentalismo.

– Você está na frente, seu idiota. – Rodrigo esbravejou ao meu lado.

– Ah, este aqui. – Quando ele saiu do centro da câmera os olhos se arregalaram. Pedro, o conselheiro estava sentado numa cadeira completamente amordaçado. – Ele descobriu a nossa sede, mas... – Mesquita sentou-se na cadeira rotatória e tomou uma xícara que esbanjava um vapor contínuo. – Quem disse que ele vai conseguir falar alguma coisa?

– Na verdade eu consigo por que a amordaça está um pouco solta demais. – Pedro olhou para ele com cara de desdém. – Vai demorar muito? Eu preciso ir ao banheiro, irmão. – O conselheiro falou deliberadamente.

– Isso por que ele disse que o Pedro não ia falar né? Se liga meu filho, aqui é halfblood na cabeça nego. – Frascolli caçoou.

– Eu já falei pra não me chamar de irmão. – Victor o intimidou. Pela primeira vez uma centelha de raiva acentuou suas sobrancelhas. Ele foi ao encontro do conselheiro e prendeu a amordaça com muito mais força. – Agora, fique quieto e me deixe apresentar o show de hoje.

Victor limpou os óculos que ficaram embaçados graças ao vapor do copo de café que emergia constantemente. Os cabelos pontiagudos caíam sobre sua testa e lembrava-me o ator do homem aranha, cujo nome não me lembro. Ele ajustou os vidros sobre os orbes maléficos e um cintilar diferente apareceu em seu semblante. Um pequeno calafrio subiu até minha espinha até ele dizer o que realmente queria.

– Eu sou um cara muito simpático. Tanto que vou dar uma chance de vocês salvarem esse idiota. – Um sorriso discreto remexeu os lábios dele.

– O que você quer? – Lorenna trincou os dentes ao falar.

– Eu quero aquilo que vocês têm. – Ele deu um gole rápido no seu café. – Arix, nos entregue ela.

– Isso não está em troca. – Helena interveio entre eles.

– Está dizendo que a pedra é mais valiosa que a vida desse idiota? – A calmaria imposta na voz de Victor me assustava.

– Podemos discutir ou negociar com qualquer outra coisa, mas a pedra não está em negociação. – A decisão de Helena se tornou soberana.

– Acho que a senhorita não me entendeu direito. – Ele pegou de uma mesa adjacente três metais pontudos e curvados, cada um com dez centímetros. Após fuçá-los por um curto período de tempo ele fundiu os instrumentos uns aos outros criando uma faca curvada que brilhava em resposta a seus dedos.

– Helena, ele vai matá-lo! Faça alguma coisa. – Martinato berrou em resposta a ação do garoto do portal.

– Isso não está certo, não podemos deixar que ele morra. – Rodrigo concordou com o conselheiro de Apolo.

– É mancada isso! Vamos subir a tag #Pedrovivo. – Todos olharam para Dudu no mesmo instante. Uma algazarra generalizada começou a ecoar sobre os mais de noventa campistas que usavam seus elmos vermelhos e azuis manchados pela cor pálida da neve.

– Parece que você está num impasse, dona Helena. – Victor se esgueirou por trás do conselheiro e deu outro gole de café. A arma criada por suas mãos rápidas ficaram próximas a pele moura do garoto.

– Escutem todos! – Helena ribombou. – Por mais que eu goste dele, não podemos fazer absolutamente nada... – Ela voltou a olhar para o portal e via Pedro se debater com os olhos arregalados. – Me desculpe.

– Então essa é a sua decisão final? Sua velha caquética! – Ele vociferou. De súbito, sua calmaria deu lugar á um olhar psicótico e avermelhado.

Ele ficou tão irritado que seu copo derramou o pouco café que tinha. Ele foi de encontro ao bule rosnando entre os dentes uma contagem de zero a dez. Quando o café despejou sobre a xícara mais uma vez; ele congelou. Como se um iceberg tomasse conta de si.

– Tem certeza que querem mexer com um cientista desvaecido? – Mesmo de costas, notei a súbita tremedeira que Victor se encontrava. – Tudo bem, não respondam. – E foi então que tudo aconteceu.

Ele estava numa pia á cerca de três metros a direita de Pedro que permanecia no banco sentado e amordaçado. Não conseguíamos distinguir tudo, mas, o que víamos do recinto era uma espécie de laboratório com muitos potes quebradiços sobre os armários. Victor soltou sua xícara e oscilou por um segundo o copo cair de seus dedos trêmulos. Antes que ele se chocasse ao chão, o garoto de óculos virou-se com extrema velocidade e lançou a arma que se repartiu em três na direção do conselheiro.

A primeira se deslocou entre o ombro direito dele e fincou-se com o sangue dando uma tonalidade tênue no metal. Já a segunda fora diretamente na perna esquerda e, por fim, a última remeteu a parte central do peitoral dele. A xícara alcançou o chão e, assim que o café se espalhou pelo solo, os pés do garoto passaram por cima do líquido que antes tocava seus lábios. Sua expressão estava psicótica; tal que seus olhos tremeluziam e suas mãos tentavam agarrar o ar como se fosse um pescoço alheio. Seu anseio por sangue, e acima de tudo, sua frenesi loucamente diabólica conduziu até o conselheiro que permanecia quieto; não havia o que fazer.

– Menos um cranco, e nada mais. – Victor corroborou para si mesmo. – MENOS UM! – Os dedos entrelaçaram a arma curvada diretamente no peito de Pedro e se fecharam em movimentos rotacionais, os órgãos haviam sido cravejados pela louca irá do garoto.

A imagem tremeluziu e se partiu deixando apenas um ponto branco. Enquanto o silêncio e o terror ficaram juntos á todos que não acreditavam no que haviam visto. A última coisa que pude lembrar era aquele sorriso branco e satisfeito pela sua carnificina. Ele ria pela desgraçada e dor dos outros. Ele ria pela morte do seu irmão que agora deveria estar sobre seus olhos. Era um maníaco.

O ponto branco cintilou. De perto víamos o grande aviso romper a calmaria de todos os guerreiros que já não ligavam pela neve cair em suas cabeças. Tal mensagem era algo que ninguém suspeitava; Letkaske está presa, vocês têm três dias para entregar a Arix, ou ela morre.

– Dona Helena, Pedro ligou seu rastreador antes de morrer. Nós achamos a fonte do sinal. – Batistão tentava abrir caminho sobre todos os campistas que estavam entre ela e a mulher, sem ao menos se importar com os esbarrões.

A mensagem foi-se junto a brisa do inferno, contudo, o ar estava fazendo um download de um arquivo que viera mandado por Victor. A internet do acampamento era uma bosta, eu já tentei usar o wi-fi de lá e nunca consegui – os filhos de Hermes tinham os melhores roteadores e se negavam em passar a senha. Quando enfim, o download se completou, um baque surdo carregou o mármore trépido cinza por uma coisa extirpada; a cabeça de Pedro encharcou o solo de vermelho vivo; sangue.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Legado de Semideuses!" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.