Legado de Semideuses! escrita por Lucas Lyu Santos


Capítulo 13
Disputa pelo poder Arix.


Notas iniciais do capítulo

Nem tudo o que diz que é, aparenta ser o que realmente é.



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“Nos tempos antigos, a insana busca pelos objetos divinos implicaram em uma série de fatos que consumiu desastres históricos em toda a existência da humanidade. O clamor dos meios-sangues era visto como um perigo para todos os mortais em sua volta, exemplos a serem citados eram de heróis de reputações inabaláveis que criaram furiosas lutas pelos objetos, infringindo as leis que os proibiam. O sangue meio mortal e meio deus, derramado pelos seus iguais irmãos semeou a discórdia dos deuses assim que souberam dessa guerra para alcançar a glória eterna, sendo assim, eles criaram um desafio.

Os pertences magistrais dos Olimpianos são de valores inestimáveis para qualquer criatura viva, sendo assim, aqueles que almejarem a fonte das portarius teriam de provar com a sua vida se preciso, e aqueles que se mostrarem vitoriosos ganhariam total autonomia sobre elas. A áurea do objeto traz um poder inimaginável que não pode pertencer a mais de um homem, por isso, se mais de um semideus estiver interligado a ele um mundo paralelo será criado se houver o pedido de desafio. O vencedor fica com a portarius, já o perdedor, nunca mais poderá tê-la.”

– Nunca mais poderá tê-la. – Um garoto de cabelos loiros com raízes negras estava encostado na parede. Ele era grande e tinha brincos com argolas azuis, e vestia-se totalmente de branco. Seus olhos castanhos estavam fixos a frente, ele nem sequer se dava ao luxo de olhar pra mim.

– Quem é você? – O fiz sair de seu transe.

– Perdi. – Ele me olhou de imediato. – Sabe quanto tempo é necessário pra decorar isso Sr. Zoiudo?

– Hãm? Te conheço?

– Não, mas assim que você entrou nesse duelo todas as suas características foram absorvidas nessa sala de preparação.

– Então você deve saber muito de mim agora?

– Não.

– “Todas minhas características foram absorvidas.” – Retomei a fala dele.

– A sala absorveu suas informações, não eu, idiota.

– Eu viajo pro além e encontro um filho de idi, mereço mesmo.

– Idi? Hãm?

– Filho de idiota, idiota.

– Tsc. – Ele revirou os olhos. – Sou filho de Zelo e abençoado de Niké, nada melhor que juntar a rivalidade com a vitória. Por isso eu estou aqui, te recepcionando com meus sinceros votos de boa sorte.

– Mas o que eu tenho que fazer? Como funciona essa coisa de duelo dos deuses? Onde eu to, velho?

– To? – Num passe de mágica ele começou a rir feito um drogado. – Desculpa, me lembrei de uma coisa. Enfim, você está dentro da disputa pela PortariuArix querido, não pode sair daqui até que o confronto acabe. – O garoto ficou sério. – Eu passei cerca de dez minutos relembrando a história que aconteceu há séculos atrás e você não entendeu nada? Sabe quanto tempo eu levo pra decorar isso? – Ele flexionou os joelhos e ficou agachado.

– Se você estivesse perto da morte num momento e no outro numa sala com um louco que consegue ficar em posição de fazer o número dois, entenderia. Tem telefone? Disca um, nove, zero pra mim, por favor.

– Novatos são tão... – Novamente o filho de Zelo revirou os olhos com expressão de desânimo. – Já assistiu Duelo Shaolin? Aquele desenho que tinha os monges e tal e que tocavam num objeto e iam numa disputa através de umas dimensões loucas lá?

– Claro.

– Aquele desenho japonês foi nada menos que uma copia de toda essa história que você não prestou atenção, aqui não é muito diferente da animação, o primeiro que tocar no objeto acaba com o jogo e consegue ficar com ele.

– Fui parar dentro de um desenho animado, legal.

– Se você está achando legal, ótimo. – Ele sorriu. – O dono do artefato tem total direito a escolher a arena em que vocês competirão, ou seja, acredito que Ares deve ter tramado uma morte dolorosa para os quatro.

– Então os asiáticos e Lorenna também estão aqui?

– Sim. – Ele apontou para trás. – Olhe para lá.

– Mas e se eu me machucar? Tipo... – Quando me virei para encará-lo já era tarde, ele havia sumido. No seu lugar sobrou apenas um cartão que decifrei ser; Egyash – Recepcionista das disputas dentro das dimensões online, departamento meio-sangue BR.

...

Assim que o desconhecido foi embora tive certeza que agora estava totalmente a mercê de um jogo, uma disputa com mais três competidores. Lembrei-me de Lorenna e suas expressões sérias durante nossa queda, ao menos ela sabia o que estava acontecendo – seu aviso me pareceu muito consciente, talvez a morena já tenha participado de uma disputa dos deuses antes – o que nos daria uma vantagem. Meus dedos suavam e meus pés não paravam de se mexer, inquietos. Assim que meus olhos vacilaram numa longa piscadela, um grande espelho substituiu a parede branca a minha frente e me embasbaquei com o que vi. Minha roupa laranja havia sido substituída por uma cota de malha com longas mangas douradas. Senti o peso da armadura que estava no meu peito e assim que olhei para o chão um grande escudo estava a um passo de mim - a espada era cortesia.

Segurei o escudo e coloquei a lâmina longa no fecho da minha cinta, o brilho dourado da aljava junto ao arco me tirou um sorriso maroto assim que o vi no chão, agora, tinha três armas diferentes para o meu deleite. O recipiente brilhante estava vazio, pois as flechas atendiam especialmente as minhas vontades – conforme me lembrava da noite passada. Guardei-a nas minhas costas e fiquei com o arco na minha mão esquerda, assim, chequei inúmeras vezes se minha mão direita alcançava a borda da aljava que estava posicionada próxima ao meu ombro destro. Deixei que o metal do escudo brandisse em protesto quando o soltei e ele tocou o solo, abri mal da minha defesa para poder manipular o meu ataque - as flechas seriam de mais confiança.

Pelo menos com elas eu tinha total certeza de que saberia usá-las, afinal, o sangue de Apolo fluía em minhas veias e isso era inegável.

O espelho subiu junto ao meu sorriso que pegou carona com ele e não voltou quando a arena ficou visível. Ares não pegou apenas pesado, mas ele assinou literalmente a sentença de morte de cada um de nós quatro. A arena era grande e espaçosa, mas o chão era de terra abatida com algumas rachaduras que de vez em quando davam lugar a lanças trajadas de fogo que espetavam ferozmente o ar – eram paredes de fogo. Ossos esparramados completamente empoeirados, crânios e espadas - espalhados pelo solo - cobriam as proximidades de uma enorme pedra marrom que estava cheia de barro – ela do tamanho de um coliseu. Ela tinha cerca de vinte e cinto metros de altura, sem contar com o comprimento que cobria praticamente todo o campo. O pior era que tudo isso estava a oitenta metros de mim – estipulei – e não havia qualquer sinal da Arix.

Meus pés se moveram com insegurança até não haver mais aquela sala branca sobre minhas solas, e, quando a poeira se agitou sobre as minhas pegadas relutantes, instantaneamente o espelho voltou a seu lugar de origem e trancou a sala – não tinha mais volta. Olhei para trás com as mãos na cintura e com uma expressão de desdém, vasculhei com os olhos a procura do meu sorriso que antes havia sumido junto á porta, mas ela não me devolvera.

– Lyu! – Lorenna gritou cerca de vinte metros a minha direita, ela estava altamente equipada com armamento de guerra. – Não deixe que eles toquem na luva antes de nós. Vamos honrar Thalles e mostrar pra todos que ele não morreu em vão. – Seu semblante caiu em tristeza. – CUIDADO!

Senti-me atraído pelo desejo oriundo de vingança que consumia inteiramente meu coração corrompido pelo rancor. O clamor pela batalha crescia e palpitava em tom gritante, meus olhos semicerravam meu ódio que culminava em uma profunda ira assim que senti o vento assoviar próxima a minha orelha quando uma arma passou diretamente na direção de Lorenna, ela desviou a tempo. Lembrei-me dos momentos em que suportei as terríveis lâminas e as brincadeiras idiotas ao lado de Thalles, meu corpo fulminou num êxtase repentino e meus olhos encararam Cody que estava muitos metros atrás de mim descendo uma ladeira. Ele ia de encontro ao centro da arena enquanto tentava desviar das lanças que cresciam em meio ao solo. Pequenas brasas caíram no seu cabelo fazendo-o desequilibrar-se com o susto. Seu all star vermelho escorregou sem qualquer freio e ele ia de encontro ás lanças flamejantes que subiam em meio às rachaduras. Por sorte os sapatos descontrolados encontraram uma pedra que conseguiu por pouco fazê-lo brecar, por azar meu, ele ainda estava vivo. Desviei meus olhos por um segundo e xinguei pelos cantos da boca por essa pedra existir, ela maltrapilho minha vitória.

– Tente encontrar o outro cara de flango, eu cuido desse. – Tentei confortar Lorenna que se apressou em ir até a extremidade da arena deter Yokota.

– Foi mal mano, mas acho que você vai comer poeira. – Cody mal esperou as lanças se esconderem no solo e pulou a frente.

– Droga! – Meus olhos atentos concluíram que após as lanças voltarem para dentro da terra, elas demoravam cerca de sete segundos para voltar a aparecer.

Aquela arena era realmente uma caixinha de surpresa. Presumi que estava em um campo minado, pois quando as lanças começaram a subir – ela formava uma espécie de labirinto com espessuras de fogo com mais de vinte centímetros -, e que duravam cerca de quatro segundos o processo de descida.

Nunca fui o gênio da turma, mas sempre observei bem o cenário em minha volta, por isso, além de notar o tempo de duração de cada processo das lanças, constatei que as armas não eram sincronizadas, por que quando uma enorme barreira de armas com fogo apareceu em minha volta, à prisão em que antes quase fritou o asiático sumiu, ele aproveitou para correr.

– Ok. Sempre odiei probabilidade ou estatística. – Três segundos se passaram. – Mas agora vou ter que sambar na cara da matemática.

As lanças começaram a se abaixar e eu consegui visualizar Cody sendo cercado por outra barreira assim que ele tentou avançar. No momento em que a minha prisão ficou em uma altura consideravelmente baixa, pulei sentindo o calor englobar as solas do meu sapato, ignorando o cheiro de queimado e apressando os passos para alcançar o meu antagonista. Segui o terreno íngreme – que fora submetido graças à inesperada barreira na minha frente, mudando meu caminho - com extremo cuidado para não escorregar enquanto meus olhos vigiavam as rachaduras no chão. Assim que cheguei ao topo – de uma rocha elevada - tive total visão da arena, ao menos, de tudo que estava antes daquela enorme pedra cheia de barro que agora estava a sessenta e cinco metros de mim. Aproveitei esse pequeno período de tempo para recuperar o fôlego, mas quanto mais olhava a situação do campo minado percebia que havia algumas falhas nas mórbidas armas com fogo. Meus olhos incrivelmente detalhistas captaram informações que poucos poderiam observar e, notei que havia tempos diferentes para que todas as lanças do campo fossem ativadas.

Eu disse que elas não eram sincronizadas, e não me pareciam ser, mas havia um segredo por trás disso. Assim que eu tive uma visão de cima ficou claro que elas se moviam em três grupos diferentes, por isso a minha conclusão a principio em dizer que não havia sincronia foi falha. Separei as em três grupos - A, B e C - e fiquei cerca de trinta segundos apenas olhando toda a movimentação delas. Abaixe-me e desejei ter uma flecha normal, e assim que tirei a mão da aljava o instrumento se materializou em meu punho direito. Usei a ponta da lâmina para rabiscar minhas anotações. Já que não tinha folha, ia terra mesmo.

1 - Todas as lanças demoravam quatro segundos para subir e descer.

2 - Todas as lanças ficavam dez segundos quando totalmente erguidas.

3- Todas as lanças demorariam sete segundos para voltar a aparecer quando estivessem dentro do solo.

4 – Essa informação era válida para todas as rachaduras da arena.

Ou seja, toda vez que as lanças formaram a parede de fogo, eu teria que esperar cerca de dez segundos inteiros para elas abaixarem, o que resultaria em mais quatro segundos de descida.

Assim que elas sumissem dentro do solo, meu corpo teria de se mover antes do intervalo de sete segundos, após isso, elas voltariam a aparecer num piscar de olhos.

Isso tudo valia para os três grupos, A, B e C. Mas o que diferenciava um dos outros era que quando o grupo A – a primeira barreira da minha frente – estava ereta, o grupo B – a segunda barreira– estava se erguendo, e as lanças do C estavam escondidas.

– Mistura de campo minado com batalha naval, to fudido mesmo.

Deduzi que quando as lanças do grupo “A” sumissem, eu deveria seguir pelo grupo “C”, e aí correr antes que as lanças do grupo “B” voltassem a bloquear a minha direção. Eu deveria seguir um único rumo até conseguir pisar no outro lado que não exibia lança – o que era quase quarenta metros de distância -, mas pra isso dar certo, eu deveria seguir a sequência A, C e B.

O único problema era: Como reconhecer esses grupos com milhares de rachaduras na minha frente? Travei uma linha reta com os olhos e coloquei uma mão na minha aljava assim que vi Cody deslizar a frente, ele já estava muito longe. Logo o portador dourado cuspiu uma flecha normal – como eu queria – e mirei certamente na coxa dele para fazê-lo perder a velocidade. A flecha viajou sobre os ares e sua rapidez foi altamente suficiente para alcançar muitos metros. O asiático, por sorte, muita sorte, conseguiu pular no último segundo para frente. A flecha bateu inutilmente numa barreira de lanças, pegou fogo e fincou-se no chão.

– Tenta de novo, otário. – Ouvi os gritos ultrapassaram a parede de fogo – Aposto três pasteis de flango que eu ganho!

– Da próxima vez eu faço a flecha queimar na sua nádega.

Espera... Como eu pude ser tão burro? Ta, eu sou burro, mas como poderia ser mais ainda? Posso simplesmente demarcar os grupos com as flechas, dãr. Se eu conseguir deixar uma fincada perto de cada barreira, vou saber qual caminho seguir e qual evitar. Só preciso que algumas flechas sejam autoexplicativas ao longo do caminho...

Minhas mãos se movimentaram rapidamente e comecei a esbanjar pedidos da minha aljava dourada. Ela me deu inúmeras flechas normais, flechas com fogo e também flechas sinalizadoras. Tudo isso seria obviamente uma tática maravilhosa, por isso escolhi cuidadosamente uma linha de barreiras acessíveis e comecei a demarcar as flechas e distinguir os grupos, A, C e B.

Flechas normais: A

Flechas com fogo: B

Flechas com sinalizadores: C

Arremessei as flechas nas sequências em que consegui distinguir. Em primeiro momento foi fácil, mas com a distância das barreiras uma centelha de dúvida percorreu-me, mesmo assim, continuei a lançar as flechas até que a última fincou-se no solo, ela queimava. Cody estava a meros vinte metros de alcançar o fim da barricada de lanças, entretanto, ele estava totalmente perdido e encurralado numa sombra de dúvidas. Pude notar que conforme ficava mais próximo da enorme pedra, as paredes de lanças com fogo ficavam totalmente mais amplas e confusas, por isso, assim que eu começasse a me mover teria de prestar muita atenção onde pisasse. Flexionei meu corpo e preparei meus pés para começar a longa corrida.

O primeiro obstáculo de barreiras era o grupo “A”, e para conseguir tomar uma longa vantagem sobre as outras paredes de lanças de fogo, meu corpo deveria saltar no terceiro segundo de sua descida. Encurvei-me e enchi o peito de coragem, meu coração palpitava em uníssono com a minha respiração e pela primeira vez meu medo foi embora. Não havia quem pudesse me parar e independente dos asiáticos ou de Lorenna, eu iria honrar o nome de Thalles assim que pusesse a mão na Arix, por ele. Pela nossa curta amizade. Por tudo que ele já havia feito por mim. E nesse momento em diante lancei-me para a arena com a esperança de que ninguém me superasse. Lancei-me com a fúria nos olhos e com a certeza de que ninguém pisaria no gêmeo da profecia dos dois sóis, lancei-me sabendo que ninguém seria capaz de me derrotar!

– Droga! – Pisei em falso e fui com o peito diretamente no solo. Minha armadura foi deslizando por segundos até conseguir equilíbrio no final da ladeira.

Coloquei-me de pé; novamente com um semblante desafiador e com uma expressão séria. Meu corpo fervia num êxtase perigoso, a adrenalina de começar aquela absurda caminhada para a morte fazia com que meu corpo ansiasse pela corrida – se não fosse minha armadura suja de barro. Ignorei esse detalhe, guerreiro que era guerreiro não ligava pra esses detalhes idiotas – mesmo que a poeira pinicasse meu nariz – então, o cocei rapidinho sem desviar meus olhos.

Novamente deixei que meu cérebro entrasse em contagem regressiva para a largada sem fim, contudo, antes disso, os deuses que me perdoem, mas meus olhos não conseguiam se manter fixo a frente sabendo que minha armadura estava toda cheia de poeira, afinal a cor tinha ficado tão daora em mim. Desculpem, vamos ao que interessa antes que eu perca o foco novamente.

Contei exatamente até três, depois prolonguei até o sete por não ter a coragem necessária. Mas não passou disso, assim que a primeira barreira do grupo “A” desceu, minha sombra se projetou sobre ela e eu disparei em direção a minha trilha. Assim que meus pés tocaram o solo, analisei rapidamente a minha direita – havia uma flecha com fogo - e na esquerda – uma flecha sinalizadora. Vacilei por um minuto em meus pensamentos, não titubeei e segui correndo pela flecha sinalizadora que agora indicava que o grupo “C” ficaria instável por menos de três segundos. Apressei-me, por sorte, meu corpo era leve e meus saltos eram largos o suficiente para me ver dentro da barreira do grupo das sinalizadoras. As lanças flamejantes levantaram a poeira com tamanha voracidade, mas eu já estava com os joelhos flexionados e com o equilíbrio restaurado. Corri em linha reta tentando desvendar aquele estreito labirinto que havia sido formado em minha frente, sem tardar.

– Filhos de Apolo são quentes, mas não churrascos... – Minha testa gotejava a cada passo desferido. – Se essa porcaria não se abaixar agora, to ferrado.

Estava a quatro metros do final da barricada que chamuscava em alta temperatura – o estreito fazia com que fervesse meus pensamentos. Por sorte ela sumiu da minha vista, as rachaduras cobriram-na em solidariedade a mim.

Olhei ao redor e notei a flecha chamuscada fincada no solo, agora era a vez do grupo “B” me ajudar na travessia das flechas mortíferas. Sem qualquer incidente, graças aos deuses, pude atravessar mais cinco daquelas barreiras graças a minha fiel observação. Aquilo não era um simples jogo de campo minado, tampouco de batalha naval, mas as aulas retóricas de Educação Física fizeram-se válidas – quando as quadras estavam molhadas usufruíamos jogos de tabuleiros.

Cody estava praticamente no final e eu havia finalmente conseguido alcança-lo, ele estava a uma barreira de fogo de mim. Consegui me desgrenhar na barricada seguinte e fiquei á cinco metros da sombra do flango número dois. Foi nessa hora que vi a oportunidade perfeita para sacar minha espada com a mão direita e a arremessar com força nos pés dele. Visava prendê-lo no solo, uma boa estratégia que acabou dando errado.

A cada segundo eu me aproximava instintivamente do Sr. Sushi, e faltando apenas uma única barreira para o final de todas as lanças, fui surpreendido pelo voraz apetite competitivo do garoto que conseguiu ultrapassar seu corpo se jogando para o outro lado, e uma vez perto, as lanças começaram a subir. Se eu quisesse me igualar á ele, quatro segundos deveriam ser o suficiente.

– Você me deve três pastéis! – O ouvi brincar com meu desempenho. – Coma poeira.

– Nunca subestime um filho de Apolo. – Tomei um último impulso para saltar pela barreira com lanças, mas tampouco seria suficiente para ultrapassar o agora um metro e vinte largo tamanho das lanças com fogo que vinha crescendo.

Meu corpo pairou no ar e meu pé esquerdo enterrou a ponta da espada que estava fincada no solo. Usando-a como uma escada, impulsionei-me e a pisei com extrema força em seu cabo quadrado – onde meu pé conseguiu se encaixar perfeitamente para um súbito impulso -, sendo assim, encolhi todo meu corpo e vislumbrei as lanças chegarem a vinte e três centímetros da minha pele, entretanto, elas não tocaram em mim. Sorri loucamente, pois assim como ele, eu também havia conseguido passar a última barreira. E, tudo isso era por conta da minha espada que não o acertou e ficou presa no solo.

– Abra os olhos. – Minha sombra pairou sobre o corpo do oriundo semideus. – Ou pelo menos tente.

Meus pés pousaram sobre as costas de Cody com um impacto consideravelmente capaz de derrubá-lo, e foi o que aconteceu. Consegui fazê-lo cair de cara na lama e, assim que ele afundou os olhos no solo, encurvei meu corpo para me equilibrar sobre minha nova “prancha de surf.” O corpo dele deslizou cerca de três metros até que eu saltei e pousei os pés firmes no solo com esperanças de que eu chegaria primeiro a vinte metros, e enfim, escalaria aquela enorme pedra. Deixei por um segundo que minha preocupação se dissipasse em meio ao momento e, assim que flexionei meus joelhos para aumentar a velocidade, uma mão segurou meu pé direito e também fui beijar o chão.

– Se eu cair, você também caí. – Cody ergueu-se e disparou sem ao menos olhar para trás.

Atordoado com o golpe, foi difícil levantar meus olhos e focar o cenário a frente - o que era impossível já que a lama entre os olhos e o nariz fazia com que minha vista fizesse interpretações errôneas. Passei o braço direito no rosto e ainda com o arco na mão esquerda, segui Cody com os passos largos, “tenho que derrubá-lo”, esse era meu objetivo. Essas palavras ultrapassavam minha determinação.

Ele já estava escalando aquela pedra – que era ainda mais enorme de perto -, e decidi sacar uma flecha explosiva. Enrijeci meu corpo alongando o cotovelo esquerdo. Uma leve fisgada nos músculos fez com que minha flecha tremesse assim que eu a coloquei dentro da linha dourada do instrumento de bronze. Focalizei meu alvo e direcionei o ângulo corretamente, logo, tencionei a madeira da flecha pouco a pouco. Meus ombros se pesavam com a terrível ideia de matar um indivíduo, mas era preciso. Corrigi minha própria postura e deixei que meus dedos fossem se dissipando, um á um, até que a flecha se dispersou em meio ao meu urro de dor.

– Que merda você está... – Faltou-me o ar com o conflito de um joelho na minha barriga. – Lorenna, por quê?

A dor me consumiu de uma hora pra outra, até tomar completamente meu corpo para si. Ofeguei com os olhos entreabertos e com os dentes trincados de ódio, visualizei meu arco cair a dois metros de mim. Qual era a explicação mais sensata para traição? Vai no dicionário e procure para mim, por favor.

Enquanto a ficha não caía, coloquei a mão direita no local do golpe inutilmente com a intenção de fazer amenizar a dor. Meu equilíbrio falho ficou pior ainda, por isso encostei meu joelho esquerdo no solo a fim de reconquistar a consciência que a pouca não me fora roubada. A dor crepitava dentro da minha barriga, mas tinha certeza que meu coração havia tomado um baque pior ainda por saber que a minha amiga agora era uma inimiga.

– Lorenna, que merda está fazendo? – Como sempre ela estava com uma expressão séria, mas havia algo diferente no seu semblante. – Cuidado, atrás de você! – Esgoelei-me, contudo, ela deixou que a sombra do topetudo flango número um a alcançasse sem ao menos se mover.

– Lolo... – Yokota sussurou no ouvido dela. – Ele está tentando te confundir. – O flango sorriu olhando em meus olhos. – Ele está tentando me matar, você não pode deixar que seu... Filho de Afrodite seja punido por essa escória. – Se eu fosse o distribuidor do troféu imprensa certamente daria á ele pela incrível interpretação falseta. – Por favor, amor, acabe com ele. Por mim, por nós.

E então tudo fez sentido, Lorenna, a destemida semideusa carrancuda havia caído no charme do garoto de Afrodite. O que seria de mim? Só digo que; se eu pudesse correr, voava para longe.

...

O fervor do medo crepitava entre as minhas costelas que se recuperavam do golpe despejado pela morena. Levantei-me relutante a própria vontade, mas ainda sim, determinado a findar o que havia começado. Senti a ausência do meu arco e da espada assim que meus dedos envolvidos pela poeira se dissolveram em lamentação. Sem uma arma eu seria uma presa fácil.

Pus-me ereto sobre os olhos de ambos a minha frente; estávamos a cinco metros de um inevitável confronto.

– Incrível não é? O amor é uma arma infalível. – Yokota caçoou.

– Se for espontâneo, talvez.

– Espontâneo ou não, ele machuca.

– Ele vai machucar quando Lorenna socar sua cabeça nessa pedra.

– Acho que não. – Ele tocou o ombro dela. – Lolo, acabe com ele, por favor.

– Esse verme não passa de hoje. – Em um estado de transe, a filha de Ares bradou sem esboçar expressão.

O bronze da lâmina retiniu sobre o brilho da lua vermelha que radiava o céu que mais parecia o caos. Vi lentamente o aço se desembrulhar da cintura dela e ameaçadoramente ser empunhado.

A minha antiga amiga flexionou as pernas e com um escudo na mão avançou sobre mim para finalizar um golpe com a sua lâmina; o golpe misericordioso. Adiei meus passos e recuei-os, o barulho de ossos quebrando debaixo da minha sola lembrou-me que o chão era um funeral de guerreiros legionários. Havia uma espada curvada logo aos meus pés, contudo, a rapidez de Lorenna ceifaria minha vida antes que eu pudesse tê-la como instrumento de defesa.

Ela empunhava a arma com habilidade. Ela estava cega por um suposto amor que o flango número um havia implantando em sua cabeça, uma ilusão que custaria minha vida.

Observei aos cantos dos olhos um barulho flácido cortar os ares com extrema velocidade. Levantei meus olhos e de subido recuei para trás com a certeza do estrondo luminoso assim que meus olhos focaram o objeto vindo dos céus. Ele caía com grande rapidez e em instantes se choraria no solo com tamanha força, e tudo que fiz foi me jogar para trás em minha própria defesa.

– BOOOOOOOOM!

A explosão gritou...

A vida é tão irônica que a mesma Lorenna que tirou meu ângulo com um chute na barriga – e fez com que minha flecha explosiva voasse além das nuvens -, ajudou com que destruísse sua própria investida. Da mesma forma que ela havia feito meu instrumento explosivo subir sem fim e sem mira, esqueceu-se de que ele cairia em algum lugar quando sua rotação chegasse ao fim. Por puro azar, ele caiu entre mim e ela. Era tudo uma questão de física; tudo que vai, volta.

A explosão arremessou-a para trás tão forte que a mesma foi parar á três metros de onde estava. O estrondo fora tão alto que até mesmo Cody que estava quase no topo da pedra gigante perdeu o equilíbrio e despencou em queda livre, teria sido um grande favor a mim se não fosse pela sua percepção e inteligência em afundar sua lâmina dentro da pedra cheia de barro, ele ficou suspenso com o corpo ao vento, mas vivo.

Quiça; sobrepujar-me novamente erguido com lâminas em meus dedos. Tampouco agradeci ao tomar duas espadas negras antigas que estavam perto de um esqueleto – legionário – no chão. Agradeci por ele estar morto e assim que a fumaça lúgubre tomava um tom avermelhado, meu corpo totalmente ereto ficou em guarda esperando a segunda investida vir, e eu sabia que viria. E ela não demorou

Dessa vez Yokota veio brandindo sua vertiginosa lâmina por todo o vento que recuava conforme ele avançava. A lâmina de dois gumes dançava em meio ao vento negro que agora zumbia com o movimento violento á frente dos olhos incrédulos. Ele era rápido e deduzi que não pouparia forças para me acertar – mesmo achando que ele estava com os olhos fechados, japoneses tinham esse dom de nos enganar – contudo, até mesmo o mais burro dos inimigos sabe que não se deve ir com muita sede ao pote. Ele não sabia. Burro.

O movimento elevado do cotovelo direito declarou facilmente que o alvo da espada dele seria meu pescoço, sendo assim, sem qualquer anúncio de minha concepção apurada deixei que ela passasse por cima dos meus cabelos quando flexionei meus joelhos desesperadamente para baixo. A lâmina dele colidiu-se com a pedra negra e imediatamente afundou em sua superfície, o que eu achei estranho por ser uma pedra tão macia. Agora a espada do garoto estava presa junto ao seu braço direito, incapaz de sair.

Agradeci aos deuses pelo ar gélido da morte escapar-me por pouco. Deixei a minha gratidão aos Olimpianos a ser cultuada depois. Assim que meu corpo ficou totalmente ereto, fui surpreendido com a mão esquerda do topetudo que viajou de encontro aos meus olhos com um objeto metálico brilhando a luz da lua. Ouve-se o estalar de três lâminas e minhas duas espadas fizeram um trabalho altamente perigoso; a adaga do meu antagonista ficou presa no meio das curvas do metal legionário que eu portava. Usei-as para prender a arma dele sem qualquer tentativa de fuga. Um movimento perigoso, mas preciso. Desta vez literalmente minha vida passou diante dos meus olhos, mas meu flashback fúnebre voltou antes da lâmina inimiga tragá-los para o além. A adaga estava cerca de sete centímetros do meu rosto. Sorte a minha, azar o dele.

– Droga! – Yokota esbravejou entre os dentes – Não consegue ficar parado pra eu te cortar pelo menos uma vez?

– Nem ferrando – Ambos fazíamos força para superar o outro, era como se uma brincadeira patética de cabo de guerra começasse.

Vi de relance a tatuagem riscada em seu braço direito sobressair o pano rasgado de sua blusa preta, Lorenna deveria ter dado esse presente á ele antes de ser fisgada pelo charme de Afrodite.

As duas bestas gêmeas em minhas mãos tampavam meu rosto ao dele, apenas nossos olhos estavam conflitantes em meio ao silêncio que se instalava dentro da pouquíssima fumaça que ainda pairava no ar. Ela nos cobria pouco a pouco, e dei graças aos deuses por isso acontecer, pois no momento que ele se atrapalhou com a poeira passageira, desacelerei a força de meus punhos para as armas e redirecionei-as para cima com um solavanco intenso. A própria lâmina inimiga perdeu o trajeto e se moveu para cima, se perdendo na escuridão, metros de distância. Agora sem sua adaga vi a oportunidade perfeita para um contra golpe, e não deixei que isso me escapasse.

Quando você está numa luta o primórdio do sucesso é manter-se com seu equilíbrio intacto. A distribuição do peso do corpo é tão fatal quanto o manuseio da lâmina, pois se você acabar se desequilibrando durante o seu ataque, você pode cair de cabeça para a morte. Agradeço aquela jovem filha de Ares que estava inconsciente no chão por ter me ensinado isso. Lorenna poderia ser a mais cruel das semideusas quando se tratasse de lutas, mas ela era um exemplo nato a ser seguido. E eu a observei desde o primeiro dia.

Ainda senti a dor latejar levemente na região da minha barriga pelo chute em outrora. Por sorte a filha de Ares não havia acertado minha costela em cheio, o que me deixou capaz de ignorar as pontadas chatas que vinham na região atingida. Aprendi com minhas “amigas” de Afrodite que sempre que seus pés estiverem livres para se movimentarem - você deve chutar seu inimigo com a força que conseguir. E esbanjei um sorriso quando minha canela atingiu um lugar que eu sabia muito bem que doía – no meio das pernas.

Yokota se encurvou no momento que o golpe foi efetivo. Tive certa pena por ter que mirar tão baixo – só de pensar na dor que ele sentia, uma agonia me assombrava –, mas eu não deveria ser simplório nesse momento, afinal, aquela cria de Afrodite havia hipnotizado Lorenna com o seu suposto charme. Aproveitei o curto tempo que eu teria – a julgar pela velocidade de Cody em escalar – e fui diretamente ao meu arco jogado no chão. O flango número um não me incomodaria mais já que a dor o consumia por inteiro. Ele se contorcia enquanto sua mão direita ainda estava presa naquela pedra.

– Essa porcaria é alta demais, parece até a escalada do Playcenter. – Minhas sobrancelhas franziram com o cumprimento indubitavelmente alto.

Minha fiel aljava ainda balançava á vontade sobre meus ombros. Capturei pelos meus pensamentos uma flecha comum; e ela apareceu. Tencionei-a sobre a linha dourada do arco e levantei meu cotovelo que mirou nos braços de Cody, que por sinal estava muito próximo do topo da pedra. Intencionei meus dedos a soltarem a flecha, e um por um novamente, ela foi solta, tomando velocidade sobre os ares.

O asiático era tão inconstante quanto o vento, por isso minha flecha arremeteu a parte negra da parede e ficou erroneamente fincada sem qualquer perigo pouco acima do corpo dele. Entretanto, em justiça a minha mira maravilhosamente (falha), eu o fiz perder o equilíbrio e mais uma vez ele foi escorregando para baixo – com a sua lâmina perfurando ainda mais a pedra negra a fim de segurá-lo.

Foi então que a grande parede negra se mexeu e um mini tremor conduziu medo em meus pés. Meus olhos subiam lentamente até o topo daquela coisa com receio de saber o que era. Fitei-o incrédulo, e tive certeza que aquilo não podia uma pedra, e não era. Queria que ali tivesse algum banheiro por perto, mas sabia que essa ideia seria tão absurda quanto ter um telefone para ligar em auxílio a Zeus.

– Mas que bosta... É essa? – Cody sibilou ao vento.

– Mano, a casa caiu...


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