I Miss You escrita por mandyoca


Capítulo 4
Capítulo 4




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  Dei um suspiro e abri o meu MSN. Assim que entrei, duas pessoas vieram falar comigo, e como eles se conheciam e eram meus melhores amigos, os coloquei na mesma conversa.


   Augusto: Kris!


  Hayley: Kris! Saudades!


  Kristal: Só vocês para me salvarem da solidão. Se não fossem os dois, quem viria falar comigo? Hahaha, valeu.


  Augusto: Como está aí? O tempo está bom?


  Hayley: Conheceu alguém maneiro? Te receberam bem?


  Augusto: A escola é tão chata quanto aqui?


  Hayley: Alguma garota metida te encheu o saco? Porque eu arrebento a cara dela.


  Nem preciso dizer que eles são tudo de bom né? Nós nem tivemos uma despedida melosa, nem nada do tipo, mas se eu pudesse escolher, eu não os largaria de jeito nenhum. Hayley é uma garota muito verdadeira, e sempre que você precisa, ela está lá. Augusto é um cara sensato, e ele sempre te dá apoio quando precisa. Eles entraram no colégio no mesmo ano, que foi o mesmo em que fiz treze anos.


  Kristal: Esperem, me deixem pensar um pouco.


  Afinal, eu não costumo ter tantas perguntas, mesmo sendo poucas, vindo num jato. Eu sei que não foi de propósito, eles só estão curiosos. Eu também ficaria, é justo, ora. Se a minha melhor amiga se mudasse, eu gostaria de pedir cada detalhe. Ah, e é óbvio, se contasse em poucas palavras, apanhava.


   Kristal: Aqui está legal. O tempo estava bom mais cedo, mas agora está chovendo. L Eu conheci um cara. Ele é um pouco esquisito, mas é como se me lembrasse alguém... um ator talvez, ou sei lá. Ér, não me receberam exatamente bem. Houve uma confusão lá na escola, que no caso é mais legal que aí, mas as pessoas são chatas. Eu quero o povo do bem (vocês) de novo L.


  Hayley: Puts! E essa confusão foi alguma garota metida? Você não me respondeu essa pergunta, então eu me dou o direito de perguntar de novo.


  Kristal: Ah, eu esqueci. Tem um grupo de três meninas loiras, mas eu só sei o nome de uma, Yolanda. Ela me ferrou. Pichou o banheiro todo com o meu nome, e com o nome do cara que eu disse que conheci. Depois, me dedurou para o diretor. Muito ruim, mas tudo deu certo, no final.


   Eu não ia contar que matei aula. Não mesmo.


  Augusto: Haha, não conte essas coisas para a Hayley, ou ela já está fazendo as malas para te fazer uma visita e quebrar cada dente da loira que te provocou.


  Hayley: Ei, Augusto, como você sabia disso? Só estou procurando minha mala.


  Kristal: Não se preocupem, essa garota deve estar com birra com a novata. Deve ser normal para ela, mas a gente vê isso depois.


  Hayley: Se você pensa que vai desligar esse computador agora, você vai continuar pensando, porque você não vai levantar a bunda dessa cadeira, Kristal Steven.


  Kristal: Puxa, eu ia mesmo fazer isso. De qualquer forma, minha avó está fazendo macarrão para mim, e eu quero ajudá-la.


  Hayley: Sua avó deve estar querendo fazer você se sentir bem recebida. Pelo menos a deixe fazer o almoço sozinha. Nem que seja só hoje. Acredite, ela não vai achar muito legal se você a interromper, ela quer que hoje você seja a convidada do dia. Ontem não contou muito porque você chegou tarde demais.


  Augusto: E nem entrou no computador. Nós estávamos preocupados, de verdade. Você podia pelo menos ter dado um alô, um sinal de vida.


  Kristal: Ontem eu cheguei em casa às onze e meia da noite. Eu não podia entrar no computador, Augusto. Sinto muito.


  Hayley: Augusto imbecil, ela avisou que não daria.


  Augusto: Então ela podia pelo menos ligar rapidinho para um de nós.


  Hayley: O celular dela deveria estar sem bateria. A viagem foi longa.


  Kristal: Minha mãe tirou meu celular, eu falei para vocês.


  Uma janela abriu. Era um novo contato me adicionando no Messenger. Eu aceitei normalmente, apesar de não reconhecer o e-mail.


  Hayley: Vê se entra nesse maldito MSN todo dia, Kristal. A gente sente saudade de ter você aprontando na escola com a gente enquanto os nojentinhos estão no banheiro arrumando o cabelo, ou copiando as lições de casa dos outros.


  Kristal: Eu também tenho saudade.


  E era verdade. Cada segundo da minha vida longe dele é como um passo para longe de seus conselhos, de suas brincadeiras, de seus consolos... Eu gostava muito deles para deixá-los. Eu reclamaria com minha avó. “Pô, vovó, por que você não mora perto da mamãe? Assim eu poderia ter a minha vida de volta!”  


  Eu não seria tão desagradável logo no meu segundo dia por aqui. Ela já está fazendo muito me recebendo aqui, caso contrário, mamãe me tacaria na rua, da ponte, do penhasco, da janela, do terraço de um prédio de quinze andares. E assim vai.


  Uma nova janela começou a piscar freneticamente, alternando as cores azul e laranja embaixo da tela. Eu fui com o mouse em direção ao quadradinho bicolor e quando o triângulo estava exatamente em cima dele, eu dei um clique no botão esquerdo. Eu não entendia muito de computadores, mas pelo menos no MSN e na internet eu sei mexer, né. É um ótimo começo, se você quer saber.


  “DML”: Oi.


  Kristal: Oi... Ér... DML? Eu acho que não te conheço.


  “DML”: Conhece. Como você pode não ter percebido? DML, iniciais do meu nome. Dave Marcel Loyer. Todo mundo sabe disso.


  Kristal: Desculpe, eu só conhecia o primeiro e o último nome.


  Agora eu pelo menos posso trocar seu nome do MSN para o seu real, substituindo DML por Dave. Bem, o meu no Messenger é Kristal mesmo. Da Hayley é Hey. Do Augusto é seu sobrenome, Frasson. Mas eu prefiro chamá-los pelos nomes reais e tal... Mesmo que na real às vezes – ainda raramente – usávamos esses apelidos. Mas eles se acostumaram a me chamar de Kris, porque esse apelido é antigo. Os deles são atuais, e sempre mudam. O meu continua o mesmo, o que é bom.


  Dave: Mas já dava para entender.


  Kristal: E eu não tenho essa obrigação.


  Dave: Não mesmo. Só pensei que, sendo seu único amigo, você lembraria o meu próprio nome. Mas foi uma passageira ilusão, não tente se preocupar com nada disso, de meus pensamentos incuráveis.


  Amigo.


 Kristal: Você bebe? Não é o meu único amigo. Eu nem sei se já posso te chamar assim, nem converso com você como faço com as pessoas de onde eu vim.


  Dave: Quantas pessoas?


  Kristal: Duas. Mas por que você quer saber? Eles são mesmo os meus amigos, não estou fingindo.


  A outra janela piscou.


  Augusto: Kris?


  Kristal: Que é?


  Augusto: Você está brava?


  Kristal: Não, eu só... Bem, eu só estava conversando com um cara que me tira do sério de vez em quando.


  Augusto: O cara que você falou hoje?


  Hayley: O QUE EU PERDI? “Um cara que me tira do sério”. É aquele?


  Kristal: É, é sim.


  Hayley: No MSN?


  Kristal: É.


  Hayley: O que você está esperando? Coloque-o na conversa!


  A outra janela piscou.


  Dave: Por que você não me apresenta a eles?


  Argh. Voltei para a janela dos outros dois, que ficava piscando sem cautela nenhuma, cores desesperadas e vibrantes apenas para me chamar a atenção.


  Augusto: Quero conhecê-lo também.


  Com um pouco de raiva, adicionei Dave na conversa. Foi só a mensagem noticiar este fato que Hayley já disparou nos cumprimentos.


  Hayley: Oi, DML, você pode me chamar de Hayley, ou de Hay. Qual é seu nome? Ah, e sim, diga o motivo de ter ido falar com a (nossa) Kristal.


  Kristal: Cala a boca, Hayley.


  Dave: E não é que é verdade? J Oi Hayley, eu sou o Dave. Eu falei com ela por causa de uma encrenca que ela arranjou.


  Kristal: Não arranjei encrenca nenhuma, Dave. Foi Yolanda, você disse que sabia. E que tinha provas também.


  Hayley: O que não é verda... Espera. Foi o nome dele que escreveram na parede?


  Dave: Exatamente.


  Kristal: Infelizmente.


  Augusto: Infelizmente? Por quê, Kris? Ah, oi Dave. Eu sou o Augusto.


  Kristal: Ele é estranho.


  Dave: Obrigado. É bom saber que você é sincera, Kristal, porque muita gente não age da mesma forma. Oi, Augusto.


  Hayley: Ele é gentil.


  Kristal: Um anjo de pessoa. Ironicamente.


  Dave: Eu estou aqui ainda.


  Augusto: Eu também.


  Kristal: Eu sei.


  Hayley: Eu sei.


  Ouvi minha avó chamando e precisei desligar o computador.


  Kristal: Tchau gente. Divirtam-se nessa conversa sem rumo. Ah, Augusto, Hayley? Sinto muita falta de vocês. Beijo.


  Desliguei o aparelho apenas apertando um botão e segurando durante uns quatro segundos. A gente não pode desligar assim porque dizem que estraga. Mas meu estômago começou a lembrar o que eu havia esquecido: de tomar o café da manhã. E eu também nem lanchei na escola – nem me deu vontade.


  Fui até a cozinha, e minha avó colocou na mesa o – aparentemente – delicioso macarrão. Os talheres e pratos já estavam na mesa, e o copo estava cheio de um líquido que era parecido com algum suco de laranja.


  - Kristal, você chegou. – Marie afastou a minha cadeira para que eu me sentasse, e eu me senti uma artista de cinema. – Olhe, eu espero que você goste, fiz com todo o carinho possível.


  - Obrigada, vovó. – admirei. – Tudo está muito bem feito. Isto no meu copo é suco de laranja?


  - É sim. – sorriu. – Eu não sabia que você ia saber assim que olhasse para o copo. – Sentou-se à mesa. – Você é uma garota muito inteligente, Kristal Rubens Steven. Você é uma pessoa digna de usar o nosso sobrenome.


  - Toda a inteligência que eu tenho, foi obtida pela minha avó. – elogiei. – O suco de laranja não é nada de mais. É que às vezes, na maioria delas, o suco de laranja é mais grosso, mais espesso. E dá para reparar isso.


  - É, dá mesmo. Bem, então recapitulando... – ela deu uma garfada no delicioso almoço. – Sua inteligência partiu da minha. É por isso que eu ando tão burrinha. Porque você está ficando mais sábia cada dia mais, e isso porque está roubando de mim! Então eu fico cada vez mais sem informação, cada vez mais lenta.


  - Que nada, a senhora sempre foi inteligente e sempre será. – Então foi a minha vez de dar uma garfada no espaguete. Era ótimo! Tão gostoso, tão leve... Eu mal consigo me expressar direito diante dessa situação.


   Nosso almoço ficou silencioso durante algum tempo. Uns dez minutos talvez, mas não demorou. Nós saboreávamos a deliciosa comida com tamanha sutileza. Ela estava magnífica! Se eu tivesse tentado ajudar, provavelmente teria ficado ruim. Só sei fazer arroz e feijão mesmo. E miojo. Mas eu nunca como, porque mamãe não me deixava comprar os ingredientes necessários (o miojo, no caso, já que água e fogão eu tinha). Aqui eu posso comprar o que eu quiser. Eu tenho uma liberdade que dá até medo. Mas é sinceramente ótimo ser livre.


  - Então, como foi o seu primeiro dia na escola? – Marie quebrou o silêncio. Ah, o primeiro dia... Bem, o primeiro dia...


  - Foi bom. – até o recreio, eu diria. – Lembra daquele ataque que eu tive no meu aniversário de catorze anos? Eu tive hoje. Dave quis me levar ao hospital, mas quando eu melhorei, dei um escândalo e disse que não queria ir. Ele insistiu. Eu quase tive de voltar a pé. Vovó, a senhora sabe me dizer como é que ele sabe onde a gente mora? Porque ele me trouxe de carro até aqui, e eu nem sequer disse o endereço. Até ele aparentou não saber em alguns diálogos que tivemos, foi estranho.


  - Sinto muito pelo ataque. Só digo isso porque sei que não é grande coisa, e isso sempre acontece. Mas diga... Dave seria por acaso Dave Loyer? Filho de Nicole Loyer e Antônio Loyer? – ficou boquiaberta.


  - É. Só não sei se são esses os pais, eu não perguntei. Tem algo de errado com ele? Porque eu posso parar de...


  - Não. – ela interrompeu. – É só que o garoto não fala com ninguém. Você sabe que há três anos eu tinha um pequeno trabalho caseiro de psicóloga, certo? Bem, os pais desse garoto o trouxeram para ver se eu conseguia fazê-lo abrir a boca. Tudo foi um fracasso, e foi nessa época que larguei esse passatempo. Sem contar que eu estou velha, não é? Um menino com catorze anos, veja só. Não abria a boca para responder nada a ninguém! Você aguentaria ficar tanto tempo sem falar? Os pais de Dave disseram que eles ouviam de vez enquanto ele murmurando palavras enquanto estava em seu quarto, sozinho. E ele vivia vendo vídeos que ele mesmo fez e gravou. As últimas palavras que Dave disse para eles foi: Vocês só me fizeram infeliz.


  - Que triste. – sussurrei, olhando meu prato vazio. – E aí? Ele continuou sem falar com ninguém até agora?


  - Pois é. – Olhou para cima. – Ele consegue seu próprio dinheiro. Disseram que ele trabalha em alguma coisa de postagem de vídeos na internet. Não é muita coisa pelo que dizem, mas é dinheiro suficiente para que ele compre roupas, sua própria comida, e tudo o que lhe convém. Esse garoto é muito independente.


  - Isso fez com que eu me sentisse anormal. – Franzi o cenho. – O cara me carregou no colo e me tacou no carro emprestado do diretor quando eu estava passando mal. A senhora está querendo dizer que ele não faria isso com qualquer um? Uou, isso acaba abalando o meu geral.


  - Não anormal, e sim especial. – clareou minha mente... e nem ajudou tanto. – Eu o pressionei o quanto pude, uma vez por semana para forçar uma palavra dele. Uma simples e inútil palavra dele. E jamais consegui. Imagine como eu me senti! Era o meu emprego, era a minha distração. E eu abandonei. Desisti de tudo por causa dele. Aí chega a minha neta, minha querida neta, e diz que Dave Loyer queria te levar ao hospital! Você tem noção da sorte que teve? Você tem? É bom começar a abrir os olhos, Kristal. É ótimo saber que você está se dando bem com ele.


  - Bem com ele? Não, não, não. Ele só falou um pouco comigo. Um pinguinho. – dei de ombros.


  - Vamos mudar de assunto. – concluiu. – Você desligou o computador?


  - Desliguei.


  - Estava falando com os seus amigos? Ou com algum novo, talvez? – perguntou com uma voz doce.


  - Aham. – Dei um gole no suco, a última quantidade que ainda restava.


  - Quem? Ou você acha muito pessoal sua vovó coroa ficar sabendo dessas coisas? Você sabe que eu tinha MSN! – brincou.


  - Não é pessoal. – Dei um sorrisinho básico. – Eu estava falando com Augusto, com a Hayley e com o...


  Hesitei. Falava ou não falava? Falava ou não falava? Falava ou não falava? Falava ou não falava? Socorro!


  - Com o...? – vovó deu um empurrãozinho, tomando também o que lhe faltava no copo cumprido e largo.


  Ah, eu vou falar.


  - Com Dave. – Assim que finalmente saíram as palavras de minha boca, Marie cuspiu o líquido para fora, surpresa.


  - Me desculpe por isso! – exclamou. – Me desculpe, de verdade! – Pegou seu guardanapo e começou a esfregar em sua boca, e depois na mesa. Por que ela estava se preocupando tanto? – Eu posso ver as conversas? Eu mantivera os registros, e quero ver se registrou. Eu nunca ouvi uma única palavra dele, e se eu apenas ler... Se apenas ler alguma frase dele... Eu preciso. Você me permite?


  - É claro, vovó. – Corri até o quarto e liguei o computador para ela. Depois, ela se aproximou, em estado de choque. – Quer que eu abra os registros? Se estiver registrado, pois eu não tenho certeza.


  - Não tenha a impressão errada. – pediu Marie. – Eu não sou uma mulher xereta. Só quero... só preciso ver!


  - Não se preocupe. – Abri a pasta “meus documentos”, e comecei a fuçar. Eu sabia onde era, mas tinham muitas fotos de viagens e anotações, provavelmente de quando ela trabalhava. Encontrei e sussurrei bem baixinho um: – Bingo.


  - Obrigada. – Ela se aproximou da tela, e eu vi que ela não piscava enquanto rodava a rodinha do mouse, lendo cada palavra com certa fome, querendo sempre mais, mais e mais. Isso foi estranho.


  Fui escovar os dentes, e então voltei para o quarto.


  A campainha tocou. Vovó nem tirou os olhos do computador, e eu presumi que eu teria de atender. Mas isso não era um problema.


  Abri a porta, coerente, e encontrei uma pessoa que... era o assunto agora pouco. Eu não esperava isso.


  - Levei isso para minha casa e quis te devolver. – Dave estendeu a minha mochila. Eu a peguei, e parecia pesada. – Desculpe por não ter te mandado direto, é que eu fiquei um pouco curioso.


  - Curioso? Você mexeu nas minhas coisas? – fiquei pasma. – Por que você fez isso? Eu poderia simplesmente pegar o material amanhã. Não tem nada de mais deixar um dia ali, ok, Dave? Mas não tinha nada de interessante, então acho que você fez uma busca desnecessária por sei lá o quê.


  - Calma. – pediu. – Eu não fiz nada. Não vai me convidar para entrar? – Apontou a casa com as duas mãos abertas.


  - Eu não pretendia. – fui sincera. – Mas “por-que-você-não-entra?” – falei num tom forçado. Eu não queria que ele entrasse, de qualquer forma. Desculpa então, ô cara que mexe nas minhas coisas e não se sente mal por isso.


  - Eu adoraria. – sorriu. Ele ia passar por mim, mas parou um pouco na minha frente. – Hum, Kris, eu não falo com a sua avó. Nem com ninguém. Como eu disse, muita gente acha que sou mudo. Ela não acha isso, ela sabe que eu fico em silêncio por vontade própria. Então tente não se irritar quando ela falar algo para mim e eu não responder, tá bem? – Então ele entrou, limpando os pés no tapetinho escrito “Bem vindo”.


  - Você não deveria estar feliz com isso. – reprovei. – Dave, você fez com que minha avó se sentisse tão mal que fechou os negócios dela. Parou de trabalhar. E isso porque você não disse nada. Você não vê a infantilidade com que você agiu?


  - Quem era, Kristal? – gritou Marie, meio sem interesse.


  - Sabe o que ela está fazendo? – perguntei. – Sentada no computador, vendo o registro da conversação do meu MSN, porque...


  - Porque ela é obcecada por palavras minhas. – concluiu. – Eu ouvi vocês conversarem, sinto muito.


  - Seu estúpido! – Coloquei a mão na testa. – Você é bobo? Por que você está bisbilhotando a minha vida? Por que a minha?


  - Por motivos pessoais. – sorriu. – Desculpe se você está achando isso ruim, mas você deveria estar se achando cheia de privilégios. Eu vi quando você me olhou na escola hoje, e ficou olhando quando eu não te observava. Quando eu via as fotos na câmera do diretor, você não olhou para o objeto em minhas mãos, e sim para o meu rosto. Você estava querendo vir falar comigo. Imagina se você tomasse coragem e viesse mesmo? Então eu não responderia e você ficaria mal.


  - Relaxa, eu não ia tomar coragem. – E era verdade. Até parece que eu vou tomar iniciativa o tempo todo.


  - Mas eu ouvi o seu nome e... – ele continuou. – E tudo mudou.


  - O que tem meu nome? – agora eu fiquei com medo. “Eu ouvi seu nome e... Tudo mudou.” Aham, legal. Você não ficaria com medo? Vai dizer que meu nome, meu sobrenome tem alguma lenda ridícula?


  - Nada. – sorriu.


  - Kristal? – Marie gritou de novo. – Quem era?


  Revirei os olhos e caminhei até meu quarto logo após jogar a mochila num canto qualquer. Marie não se importaria por enquanto. Vovó não tirou os olhos da tela, ainda. Então eu pigarreei e ela virou a cabeça para me olhar. Quando viu o garoto atrás de mim, apertou um Alt + f4 no teclado do computador e deu um sorrisinho maníaco. Ela estava sem reação, e muito sem graça também.


  - Dave. – Ela balançou a cabeça, levantando da cadeira, sem tirar o olho do garoto. – Quanto tempo.


  Eu olhei para trás e percebi que ele olhava fixamente o chão. Isso fez com que eu ganhasse uma boa pontada no estômago por tê-lo trazido ao meu quarto. Eu deveria ter o chutado para longe daqui assim que eu fiquei sabendo que ele ficou nos ouvindo conversar. E que ele fuçou na minha mochila.


  Mas a pontada foi embora quando ele levantou a cabeça e olhou para ela. Apenas olhou, e foi como se ela tivesse ganhado o dia. Eu achei aquilo muito idiota e imaturo, mas eu não podia falar nada.


  Só que o que é que me impedia?


  - Você ainda não fala comigo. – Marie completou, olhando para ele como se fosse uma garota apaixonada pela natureza vendo uma árvore queimar e virar cinzas. – Também, por que você falaria comigo se nem fala com os seus pais?


  - Por que ele não falaria com você e com os pais e mesmo assim fala comigo? – eu me intrometi. – Dave, você é um idiota. Eu é que deveria te ignorar só para você ver como é legal ficar no vácuo quando você está falando com alguém.


  Cruzei os braços e me lancei para fora do quarto. A mochila ainda estava esparramada bem no lugar onde a deixei. Eu a ergui no ar e tirei tudo dela, esvaziando-a completamente. Numa questão de segundos, Dave e Marie apareceram para saber que barulho era aquele.


  - Que foi? – Olhei as minhas coisas no chão. – Por que vocês não voltam a conversar? Quer dizer, a se olhar? Eu não quis interromper nada. Marie, eu não sei por que você tem essa obsessão toda por alguém que nem responde as suas perguntas. A senhora não deveria ter desistido do seu emprego por causa dele.


  - Eu sei, Kristal. – Ela desviou os olhos para Dave. – Eu sei disso mais do que ninguém, mas ainda não posso superar. Ele foi o caso mais complexo que eu tivera. Foi a situação mais surpreendente que eu já vira; alguém que não diz nenhuma palavra para o pai, nem mesmo se ele batesse nele. Agora ele pode revidar, está muito bem crescido. Mas com catorze anos? Ele podia fazer algo, mas não muito. Ele é independente, e não liga para o que os pais estão sentindo.


  - Marie... Quer dizer, vovó... Ele faz isso porque ele quer. – Olhei para ele. – Não é algo com que você deva se preocupar. A senhora tem a sua própria vida. Largue a dele, pois como a senhora disse, ele é independente. Sabe se cuidar.


  Dave suspirou num modo de: “Oi, eu estou aqui, e vocês estão conversando sobre mim como se eu não estivesse.”


  - Kris, pequena Kristal, eu vou deixar-lhes sozinhos, pois com você ele fala e eu não quero interromper nada. – Abriu a porta da frente. – Eu vou... a qualquer lugar. Onde me der vontade de parar, eu pararei.


  - Não acredito. – Revirei os olhos, desaprovando. Pelo amor de Deus, que babaquisse da parte de uma senhora de idade responsável pela neta! Deixar-lhe em casa sozinha com o garoto que nem fala com ela.


  Assim que ela saiu, Dave olhou pela janela e a viu ir embora, só para ter certeza de que ela não ia se esconder atrás das paredes para ouvi-lo falar. Ela é mesmo desesperada por frases que saíram dos pensamentos dele, mas ela também não é tão cara de pau para fazer uma coisa tão boba.


  - Eu sou idiota? Deveria me ignorar? – Ele deu uma gargalhada. – Eu estava segurando o riso, mas não pude resistir. Eu ignoro as pessoas e olha isso, eu as manipulo. Eu queria que ela fosse embora, e ela foi. É ótimo fazer isso, apesar de que faz tempo que eu não olho para ela. Mas eu sou um idiota? – Começou a rir outra vez.


  - Sim, você é um idiota. – Eu não ri. Falei sério, talvez mais sério do que uma pessoa anunciando a morte de alguém. Eu mexi na mochila, mexi, e mexi mais. Depois guardei tudo dentro dela mais uma vez e a joguei em cima do sofá. – Se você quer saber, ser um manipulador não é legal. Te deixa misterioso, é óbvio, mas as pessoas não costumam gostar de serem manipuladas. Você não conseguiria me usar com esse “dom do silêncio” insuportável que você tem.


  - Eu não ligo, eu já te manipulo enquanto estou falando. – se gabou.


  Aí eu cheguei bem perto dele e ergui a cabeça para olhá-lo bem em seus olhos escuros e expressivos.


  - Você que pensa. – falei entre dentes. – Se você quer ser provocado, vá irritar outro porque eu não estou a fim disso.


  - É mais legal com quem não está a fim de fazer o que quero. – ele deu aquele seu sorriso que me perturba. Ah, que isso, o cara está mesmo me manipulando! Que droga, eu não sei o que fazer.


  - Por que você não me ignora? – sugeri. – Tanta gente quer que você converse com eles. E bem eu? E o diretor. Sim, vá falar com o diretor que você ganha ainda mais. Só me deixe em paz.


  - Advinha qual será a minha resposta. – Ele deu um passo para frente, olhando para baixo. Olhando para mim. – Não.


  Eu dei um passo para trás, me virando e sentando no sofá de dois lugares. O outro lugar estava ocupado pela minha mochila, então não precisei me preocupar. Peguei o controle que estava na mesinha do canto e liguei a TV. A primeira vez que eu ia assisti-la, já que ontem eu cheguei, cumprimentei minha avó, deitei, e dormi. Desmaiei é uma palavra mais fácil e exata. Comecei a mudar os canais em busca de algo bom. Dave levantou a minha mochila um centímetro do sofá, mas eu coloquei a mão para frente e o impedi. Com a outra mão, ele largou a minha da mochila e a colocou do lado do sofá, sentando ao meu lado. Infelizmente.


  - Só me diga o que você está querendo, e aí você vai embora. – falei enfim, quando o canal parou na MTV, onde passava um vídeo clipe.


  - Eu quero a companhia de alguém com quem eu possa falar a vontade. – Me encarou, só que de forma brincalhona.


  - Quer uma informação? – desliguei a TV. – Você pode conversar com qualquer um, e o que lhe falta é capacidade. Você não tem coragem para falar com os outros. Você não consegue os encarar como homem, e falar tudo o que quer na cara deles. É por esse motivo que você é um mudinho.


  - Eu encaro como homem sim. – sorriu, olhando a televisão desligada. – Outro dia juntou um grupinho de três garotos mais velhos do que eu e começaram a me provocar. Eles não eram fortes. Eram três frangas. Eu chutei o... ér... ponto fraco dos três. Dia seguinte eles passaram reto de mim.


  - Para mim a franga é você. – Fui para a poltrona, só para poder ficar longe dele. – Se você não sabe dialogar, a parte da violência não ajuda muito. Te faz ser agressivo e nojento. Ninguém gosta disso. Você pode ser forte, ter ombros largos e essas coisas que fazem você parecer um belo macho. Mas para que agressão física?


  - “Você pode ser forte, ter ombros largos e essas coisas que fazem você parecer um belo macho.” – ele repetiu as minhas falas. – Você quer ver o que eu consegui em alguns meses? Sinta-se privilegiada com isso, porque eu não mostro o meu tanque de guerra para qualquer um. – Ele começou a abrir o blusão preto.


  - Não precisa fazer isso! – virei a cara para ele, e até cheguei a me levantar e quase correr. Mas ele me ouve? Nããão.


  Ouvi o barulho do zíper do blusão, e então nada mais. Eu estava agora de frente para a escada, de costas para ele. Mas o silêncio de alguém que tanto fala comigo começou a me incomodar. Tudo bem que se ele pelo menos desse um sinal de vida seria bom. E podia falar menos de vez em quando.


  Duas mãos agarraram a minha cintura e eu dei um salto para frente, me virando rapidamente, ofegante.


  - Cretino filho da p... – sibilei, respirando com dificuldade. – Argh! Eu falei que você não precisava fazer isso! Não tem nenhum motivo que explique sua semi-nudez na minha casa, por favor, coloque sua camiseta e seu blusão.


  Mas geeeeente, sem comentários para... o “tanque de guerra” do mudinho. Aquilo era... Era... Não sei, não me pergunte, KRISTAL, volte a si, e só depois continue a explicar o que aconteceu.


  - O quê? É demais? É “demenos”? Porque eu posso diminuir ou aumentar, é claro. Eu passo muito tempo sozinho, então posso acabar arrumando. – Ele olhou para baixo. – Mas então, o que você acha?


 - Isso foi uma tentativa de me seduzir ou o quê? – Ergui as sobrancelhas. – Dave, eu não quero ser cantada. Coloca a droga de camiseta, você não me ouviu?


  - Ou você vai fazer o quê? – Jogou a camiseta e o blusão na minha direção. Eu joguei os meus braços para frente para me proteger. Fiz com que cada peça de roupa fosse para um lado. Pelo menos não acertou a minha cara.


  - Você acha que assim eu vou começar a te tratar bem? – perguntei, apoiando as mãos na cintura. – Você acha que exibindo o seu corpo eu vou ficar sonhando com você todas as noites ou algo parecido? Você está errado.


  - Você não pode ter certeza. Quer ver mais de perto?


  - Dave, para de se jogar para cima de mim! – Entrei no meu quarto e tranquei a porta com a chave que já estava nela. Eu procurei a chave da porta-janela desesperadamente, ou Dave iria pensar nela, é obvio que ia. Mas eu não achei. Eu tinha certeza de que ela estava do lado da lixeira, eu posso jurar que estava.


  Mas não estava mais.


  Fiquei com raiva, mas eu teria de aguentar ainda mais ele me enchendo, e se atirando para mim como se estivesse desesperado. Quem ele pensa que é? Um super modelo de televisão ou o quê?


  Sentei na cadeira e liguei o computador de novo. Eu provavelmente acharia alguém online, já que Hayley passava umas vinte e cinco horas por dia no computador, vamos ser exagerados e impossíveis. Augusto passava menos, mas ficava umas vinte horas. Ê, vida boa. Vamos aproveitar enquanto podemos.


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