Anjo da Cara Suja escrita por Celso Innocente


Capítulo 9
Mistério


Notas iniciais do capítulo

Se sentimos grande angustia por se ter um ente querido desaparecido, imagine o que esta criança esteja passando.



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Com Rafael, fazendo uso de uma câmera fotográfica Nikon profissional, atravessaram a difícil cerca de arame farpado, que protegia o local e começaram a caminhar por uma pequena trilha, ladeada por um denso cerrado, de aproximadamente um metro de altura.

Sentiam-se com alguma sorte, devido alguns fatores a vosso favor, tais como: quase ninguém fazia uso daquela trilha, evitando assim que as pegadas que porventura viessem a ter fossem apagadas; na noite anterior a seu desaparecimento, havia chovido um pouco, fazendo com isto que suas pegadas ficassem gravadas no chão molhado e que depois disso, não ter chovido mais, conservando a terra úmida, protegida pelo denso mato; Luciano já conhecia o tipo de calçado que o menino costumava usar e sendo ele pobre, provavelmente só teria mesmo os tais conga e alpargatas. Rapidamente se depararam com pegadas de semelhante conga, com tamanho aos prováveis pés do menino.

Uma vez descoberto suas pegadas e percebendo que eram únicas, passaram a segui-las, pelo longo e estreito caminho, que os levariam até a saída do terreno do aeroporto, com aproximadamente um quilômetro de extensão.

Para ganharem tempo, caminhavam dezenas de metros adiante e também para não apagarem as pegadas, seguiam pelo mato e só então, voltavam a procurar tais pegadas ali cravadas.

Foram cerca de trezentos metros de caminhada e buscas; depois, estando já próximos à principal entrada sem pavimentação do aeroporto, notaram algo muito estranho: as pegadas desapareciam misteriosamente.

Voltaram uns trinta metros e encontraram onde as pegadas se acabavam.

Confuso Rafael comentou:

— Veja: as pegadas só chegam até aqui, depois acabam! Estranho!

— O que poderá ser? — Se confundiu Luciano.

— Daqui ele saiu voando! — Gracejou Rafael.

— Pode ter embarcado em um avião? — Especulou Luciano, duvidoso.

— Impossível! — Negou Rafael. — Avião não chega aqui! Não com esse mato!

— Um helicóptero talvez!? — Insinuou Luciano, ainda duvidoso.

— Poderia até ser! Só que o mato estaria amassado pelo trem de pouso.

Realmente o mato estava em perfeita ordem.

— A não ser que o helicóptero viesse a não pousar completamente. — Insinuou Rafael. — Puxando o menino pelo braço.

— Mesmo assim, o vento provocado pelas hélices, tombaria todo o mato. — Concluiu Luciano.

— Então ele criou asas! — Ironizou Rafael.

— Só se ele for um anjo e a gente não sabe! — Ironizou também Luciano. — Até que ele parece!

Rafael continuou observando o terreno e o baixo cerrado ao redor, então coçou a cabeça desorientado, estranhando:

— Como esse menino sumiu daqui?

— Só se seguiu em direção à cerca pelo mato, com muito jeito pra não deixar pistas. — Insinuou sem acreditar no que falava Luciano, apontando para a cerca lateral do aeroporto, a aproximadamente trinta metros de distância.

— Primeiramente, acho impossível seguir até lá sem amassar o mato. — Duvidou Rafael. — Depois: Por que ele não queria deixar pistas? Qual seria sua intenção? Ele saberia que nós iríamos investigar e quis nos fazer de bobos?

— Voltar de fasto sobre as próprias pegadas, também é quase impossível. — Sugeriu Luciano, sem acreditar.

— Tem que ser bom equilibrista, pra pisar de fasto nas mesmas pegadas. Depois: Qual seria a intenção? Está sugerindo que ele realmente resolveu fugir de casa?

— Não acredito nessa hipótese! Embora fosse bem preferível, que ele tenha realmente fugido.

— Como assim?

— Cem por cento dos casos que tenho visto, envolvendo crianças que fogem de casa, acabam com final feliz.

— E... — Insistiu Rafael.

— Sequestro por extorsão, pode ter algumas conse-quências graves.

— Esse menino não foi sequestrado! — Negou Rafael. — Pelo menos, não com objetivo de extorsão. Seus pais não têm aonde cair morto.

— Existem casos de sequestro de crianças, para serem adotadas ilegalmente em outros países. — Ponderou Luciano.

— Claro! Existem! E muitos! Porem, geralmente escolhem bebês; pois eles ainda não tem a consciência formada, do que realmente seja uma família.

— Concordo. Já vi alguns casos e todos são com recém-nascidos, ou no máximo com crianças até seus três anos de idade.

Rafael, depois de olhar bem tudo ao redor, se voltou a Luciano, colocando a mão direita sobre seu ombro e insinuando:

— Não sei como esse menino sumiu daqui! O Mais provável é o mais terrível.

— Um maníaco? — Sugeriu Luciano, assustado.

— Que conclusão você tira?

— Tenho medo da resposta. — Desanimou. — Regis é um menino simples, bom, ingênuo e muito bonito!

— Fico encafifado com o sumiço das pegadas! — Olhou pro céu Rafael. — Só se um helicóptero o raptou, usando uma corda, ficando bem alto, para que o vento da hélice não deitasse a vegetação.

— Por que o sequestrador se preocuparia com este fato?

— Claro que não foi helicóptero! — Negou Rafael. — Muito menos avião!

Descobrindo alguma coisa diferente na vegetação, em sentido à pista de pouso, Rafael caminhou devagar, obser-vando alguns matos amassados e até pequenos galhos quebrados.

— Na verdade, as pegadas desapareceram da trilha e vieram pra cá. Só até aqui. Daqui pra frente às plantas estão intactas. Esse menino esteve até aqui e então desapareceu pelo ar. Não sei como! Avião, helicóptero, balão, asa delta, monstro... Um sobrenatural qualquer! Um anjo... Ou um vampiro.

— Ei! — Chamou-lhe a atenção Luciano. — Planeta Terra chamando! Paremos com a fantasia!

— Você mesmo disse que ele até parece um anjo! — Ironizou Rafael. — Quem sabe ele mostrou suas asinhas e se foi pros céus!

— Para com isso!

— Deus pode tê-lo arrebatado, pra viver feliz, por toda uma eternidade em seu reino.

— Essas coisas bobas não existem! — Negou Luciano, convicto.

— Sei que não. Só que ele esteve aqui e desapareceu a partir daqui. E só pode ser pelo ar! Algum tipo de monstro, o capturou.

— Sei muito bem que tipo de monstro pode ser!

— Merece um troféu! — Ironizou Rafael. — Mestre do ilusionismo. Vamos embora!

— Pra onde? — Especulou Luciano.

— Almoçar!

— E depois?

— Sei lá! Sentar em minha sala e aguardar notícias!

— Vai abandonar as investigações? — Estranhou Luciano.

— Me de pistas e eu corro atrás! — Ironizou Rafael.

— Como assim? Tem uma criança desaparecida. Tem uma família desesperada. E você me diz, que vai sentar em sua sala e esperar que quem o sequestrou se entregue a você?

— Você está enganado meu amigo! — Tornou a ironizar Rafael. — Não tem uma criança desaparecida e uma família desesperada! Têm centenas de crianças desapareci-das. Centenas de casos sem solução.

— Concordo com você! Regis porem desapareceu agora! Ainda não é hora de abandoná-lo, à mercê de uma sorte cruel!

— Pois bem: — Insinuou friamente Rafael. — Me de pistas e eu corro atrás!

— Você falaria desse jeito, com os pais do menino?

— Claro que não! — Negou com sarcasmo. — Não sou idiota!

Em momento de fúria, Luciano grudou em sua garganta e gritou com lágrimas:

— Pois é o mesmo que estivesse falando! Regis é como um filho pra mim!

— Calma! — Forçou para que Luciano o deixasse. — Já sei de seus sentimentos para com o menino. Vamos almoçar.

— Pode deixar que vou a pé! — Decidiu Luciano, seguindo em frente, pela mesma trilha a qual o menino deveria ter feito, no dia fatídico.

— Você é quem sabe. — Tornou a ironizar. — Qualquer novidade, faz favor de me avisar.

Luciano continuou andando com os olhos muito atentos, pela trilha onde passava na esperança em vão, de que as pistas do menino retornassem.

Terminado o terreno do aeroporto, atravessou com certa dificuldade a estreita cerca de arame farpado, chegando até a estrada de terra batida, que passava ao lado do terreno, seguindo em sentido à saída da cidade, tomando os rumos de quem vai para a rodovia Assis Chateaubriand. Na segunda rua, dobrou à esquerda e caminhou, pensando milhões de coisas a respeito de tal desaparecimento.

Chegando ao grande cruzeiro, embora sendo praticamente ignorante aos caminhos de Deus, traçou um “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” mal feito e pediu sozinho:

— Senhor, perdoe minha incredibilidade, mas por tudo o que És de mais Sagrado, traga este menino de volta ao convívio de seus familiares.

Continuou caminhando, até entrar em sua casa.

Sara estava novamente deitada em sua cama de casal, com o bebê dormindo a seu lado.

— E então? — Especulou ela. — Encontraram alguma pista?

— Nada! — Negou o marido desanimado. — Regis entrou no aeroporto, só que no meio do caminho, suas pistas sumiram misteriosamente. Assim sendo, já não sabemos onde procurá-lo.

— Vai almoçar. Já é tarde.

— Você fez almoço? Não deveria!

— Não me trate como se estivesse doente. Só virei mãe.

— Eu não vou almoçar.

— Por que não?

— Estou sem apetite.

— Ficar sem comer, não vai encontrar Regis.

O homem deitou-se ao lado do bebê, acariciando seus cabelos ralos e muito lisos, parecendo ter sido lavado com dezenas de xampus.

— Cuidado com sua fronte. — Pediu Sara.

— Calma meu bem! Sei tudo sobre bebês! Sei que ele tem o crânio ainda aberto e sua cabecinha é muito molinha.

Ele continuou alisando seus lindos cabelos negros; deu-lhe um leve beijo na testa e insinuou:

— Precisamos registrá-lo.

— Ainda nem escolhemos seu nome! — Lembrou sara.

— Que nome você pensou?

— Havia pensado em Gabriel. Também gosto de Willian! Você pensou em algum nome?

— Havia pensado em Gustavo. Os três nomes são lindos!

— Também estou pensando em outro nome. — Insinuou ela, séria.

— Regis?! — Quis adivinhar o pai.

— O que você acha? Quando ele souber, ficará muito feliz.

Luciano beijou a testa da esposa, dizendo:

— Obrigado pela bela escolha. Mas... e se ele não voltar?

— Claro que ele vai voltar! O que aconteceu, foi que ele, devido ser espancado pela mãe, resolveu fugir de casa.

Luciano permaneceu em silêncio e Sara, depois de pensar um pouco, sentiu lágrimas e repetiu:

— Ele vai voltar.

— É! Ele vai voltar! E rapidinho.

— Querido. Se a gente sofre com seu desapareci-mento, imagine os pais dele.

— Eu imagino sim!

O marido pensou um pouco e lhe perguntou:

— E o nome de nosso nenê?

— Regis Gabriel Cavalari!— Insinuou ela convicta. — Pode ser?

— Lindo nome! Gabriel é nome de anjo. Regis é nosso anjinho. Tá tudo lindo!

— Ele gostava quando a gente o chamava de príncipe. — Insinuou a mulher com lágrimas. — Lembra?

— Está errado meu bem! — Negou o marido, abraçando-a. — A gente diz assim: Ele gosta quando a gente o chama de príncipe.

Os olhos de ambos permaneciam marejados de lágrimas, enquanto seus bebê alheio as dores presentes neste mundo cruel, esperneava e abria a boquinha, querendo, embora inconsciente, se tornar o centro daquela atenção.

©©©

No início daquela noite de sexta feira, como sempre, Luciano se encontrava sentado na poltrona da sala, com sua esposa Sara, que estava deitada no sofá de três lugares e agora, fazendo parte daquela sala, o bebê, que dormia em paz, em um belíssimo carrinho verde. A porta da sala, ao contrário do que de costume, estava fechada, devido o vento frio que fazia, podendo vir a prejudicar o frágil bebê.

A novela estava iniciando, quando ouviram, vindo do portão da rua, o bater de palmas ameno, como se fosse de uma criança. Luciano em sobressalto levantou-se, olhando para sua esposa, com o coração esperançoso, quando ouviu novamente o bater de palmas; porém desta feita, de um adulto.

Abriu a porta e viu encostado no portão, os pais de Regis, acompanhado pelos dois filhos menores. Seguiu até eles abrindo-lhes o portão.

— Encontrou alguma pista de meu filho?— Especu-lou-o dona Odete, visivelmente abalada.

— Infelizmente não encontramos nada concreto ainda. Regis realmente passou pelo aeroporto, como insinuou a menina da escola, só que as pistas não deixaram que a gente concluísse nada por enquanto.

— Por favor, senhor... — Prosseguiu ela.

— Luciano! Meu nome é Luciano Cavalari.

— Por favor! Encontre meu filho. Por favor, faça tudo o que estiver a seu alcance, mas o encontre.

— Desculpe meu atrevimento senhora. É que eu gosto de seu filho, tanto quanto gosto do meu! Pode ter certeza, que farei tudo o que puder para trazê-lo de volta, o quanto antes.

— Acha que ele fugiu de casa? — Insistiu ela.

— O que a senhora acha?

— Eu conheço meu filho e teria certeza que ele jamais faria isso. Ele é um menino muito bom!

— A senhora disse que “teria certeza”. Por que não tem certeza?

— Um dia antes d’ele desaparecer, eu bati nele... De uma forma até exagerada...

— E como exagerada! — Concordou Luciano.

— Por que sabe disso?

— A senhora sabe que ele vinha sempre em minha casa. Até o que eu sei, ele tinha seu consentimento.

— Sei. Eu deixava que ele viesse ver a novela.

— Ele, chorando muito, com muita tristeza, nos contou tudo o que se passou. Contou que um menino o provocou e lhe deu um soco, ferindo seu nariz, quando ele revidou, a senhora o espancou com uma varinha verde...

— Foi mesmo e...

— Deixe-me completar: Ele disse que tomou-lhe a vara, atentou contra a senhora e na hora que iria desferir-lhe uma varada, seu coração sangrou e ele parou, devolvendo-lhe a vara, com a qual a senhora persistiu no cruel espancamento.

— Realmente, acho que exagerei um pouco.

— Um pouco não minha senhora! — Insinuou Luciano nervoso. — A senhora exagerou muito! Seu filho veio em minha casa roxo de varadas por todo o corpo. Posso lhe dar um conselho? Não como agente da lei e sim como um ser humano? Se um dia precisar surrar um filho, use um chinelo.

— Regis fugiu de casa? — Questionou Rogério.

— Não acredito que seja isso! — Negou Luciano. — Embora torça pra que seja. Naquela noite, ele estava tão triste e arrasado, que acreditava ser tão mau por tentar contra a mãe, que quando morresse, iria direto se ter com o capeta. São palavras dele.

— Me perdoe meu filho! — Chorava a mulher.

— Ao sair de minha casa, ele estava decidido a criar coragem e lhe pedir perdão. Disse que faria isso no dia seguinte, após retornar do colégio.

— Ele não voltou. — Insinuou seu pai.

Dona Odete chorava muito, diante de tal sofrimento.

— Se ele lhe prometeu que pediria perdão à mãe, provavelmente se sentiu sem coragem pra cumprir tal pro-messa e sendo assim... Com certeza fugiu de casa. — Concluiu Rogério.

— Infelizmente não posso acreditar nesta hipótese. — Insinuou novamente Luciano, embora não devesse. — Desculpe-me a franqueza... Temo algo mais sério.

— Como mais sério? — Insistiu Rogério.

— Me diz uma coisa: o senhor, ou alguém de sua família, tem algum tipo de inimigo? Uma rixa? Sei lá!

— Não temos nenhum inimigo! — Negou dona Odete. — Graças a Deus!

— Nem o senhor? — Especulou Luciano ao pai.

— Pobre não tem inimigos! — Negou ele.

— Por falar em pobre: Existe algum membro de sua família que seja rico?

— Não senhor. — Negou o homem.

— Nenhum tio? Avós? Qualquer tipo de parente. Mesmo que seja distante.

— Não temos ninguém de posse. — Negou a mulher.

— Regis tem um padrinho! Certo?

— Tem! Só que também é pobre. — Alegou a mulher.

Luciano pensou um pouco e insistiu:

— Inimizade na escola! Ele tem?

— Que eu saiba, não! — Negou a mulher. — Regis nunca brigou na escola. Ele tem orgulho de seus colegui-nhas.

— Tá bom! — Concluiu Luciano, sem chegar a nada. — A gente vai continuar nas buscas. A única coisa, é que eu deveria ficar em casa, pois minha mulher está com nenê recém-nascido e precisa de certo repouso. Eu precisava ajudá-la um pouco em casa.

— Por favor, senhor Luciano: — Insistiu dona Odete. — Faça tudo o que puder por meu filho. Se o senhor quiser, posso vir ajudar sua esposa em seu lugar.

— Não é preciso. Obrigado! — Agradeceu ele. — Sei que a senhora já tem muito trabalho em sua casa.

— Tenho? Como assim?

— Uma mulher com seis crianças pra cuidar, só pode ter muito trabalho. Depois, se é que disse a verdade, Regis às vezes até cozinhava pra ajudar à senhora.

— É! — Concordou ela. — Ele fez isto muitas vezes! Ele me ajuda tanto!

— Vá descansar. Peça um pouquinho a Deus por ele. Eu também farei isto. Amanhã procuro novas pistas.


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