Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 18
Capítulo 18: Sinta-se à Vontade




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Quando não se encontravam nos quartéis, o que era frequente devido à locomoção obrigatória em busca de desordens, os policiais, ou oficiais, como eram comumente conhecidos, carregavam consigo dispositivos tecnológicos para estabelecerem uma forma de comunicação com seus colegas de trabalho e serem comunicados sobre ocorrências por um dos responsáveis pela central de câmeras do Primeiro Setor. Era uma vida difícil, mas eles haviam escolhido aquilo.

Ao completar 17 anos, garotos e garotas deveriam obrigatoriamente decidir de que forma serviriam seu governo, se iriam fazer parte da equipe de catadores de lixo, programadores, engenheiros elétricos, policiais, ou, inclusive, fazer parte de equipes de trabalho singulares de cada Setor, como o Primeiro Setor possuía a equipe de cientistas em amplas áreas de pesquisa, o Setor 2 a equipe de engenheiros industrais, e assim por diante.

Cordon simplesmente escolhera o pior de todos, ou talvez o melhor, dependendo do ponto de vista. Sentia seus desejos constantemente oprimidos e a competição que regia com seu irmão completamente perdida. Ele, ao todo, estava perdido.

– Então... - começou Scadrish, ainda o único policial no quartel até aquele momento. - Qual tarefa foi designada para você? Agora que não vai mais fazer parte da equipe do portão do Setor.

Cordon baixou a cabeça.

– Vou pegar o turno da noite - respondeu ele.

Scadrish franziu a testa.

– Mesmo? - Scadrish parecia um tanto incrédulo. - O pessoal da noite costuma ficar em outro quartel.

– É só por um tempo - revelou Cordon. - Não sei onde vão me colocar em seguida.
Scadrish exibiu uma expressão de desconforto. Talvez estivesse se imaginando naquela situação.

– O que você pretende fazer agora? - expressou.

Cordon emitiu um grunhido.

– Aceitar. Não posso fazer mais nada - respondeu.

– Deve ser ruim ter sido descoberto ainda no início - Scadrish tornou o rosto para o lado.

– Descoberto? O que você quer dizer com isso? - Cordon franziu a testa, não era naquele momento que iria ceder às especulações de Scadrish. - Eu fui acusado injustamente. Não sou um traidor.

Scadrish focou, visivelmente, sua atenção nos pés calçados.

– Perdão. Eu não queria que isso soasse como uma ofensa - foi tudo que disse em seguida.

》》》

Já fazia algum tempo que a conversa havia cessado e o silêncio predominara novamente. Wilbur encontrava-se recostado em seu canto, enquanto Robert encarava o breu, pensativo.

Os últimos dias que se passaram foram extremamente exaustivos. E pontadas em sua cabeça o relembrando de Myrian ainda o incomodavam. Sentia uma terrível dor em seu interior naquele momento, era como se toda a adrenalina que houvesse regido seu corpo durante as prolongadas horas que o privaram de emoções intensas tivesse acabado, e para ele havia restado apenas os sentimentos. E as lembranças.

Sentia falta de Myrian, e a imagem do cano de um revólver na cabeça dela ainda mexia com ele. Mas o que acontecera, acontecera. Aquilo era tudo o que sentia: falta. Nada mais. Nem remorsos, nem arrependimentos. Tentava se manter o mais focado possível em seu objetivo, era dessa forma que dificilmente reclamava da sua situação atual.

De repente, a algema que segurava suas mãos inclinou-se na superfície do apartamento e comprimiu o pulso de Robert, provocando um tremendo incômodo, e fazendo com que ele finalmente prestasse bastante atenção no objeto. Robert puxou os braços para cima, mas as algemas não permitiram que eles fossem muito longe, o que implicou em uma sensação de extremo mal estar. Imobilidade. Aquele era seu maior temor.

Ele começou a ofegar.

– Robert? - Wilbur franziu a testa em sua direção, percebendo os sons acelerados de sua respiração. - Está tudo bem?

Robert ofegava cada vez com mais intensidade.

– Está - respondeu, rapidamente. E ao perceber que aquela simples resposta não acalmaria Wilbur, prosseguiu. - É só uma pequena falta de ar.

Com o tempo, ele foi controlando sua respiração, e desviando a atenção das algemas que o prendiam. Mayla. Era tudo por ela. Teria que aguentar aquilo por ela. Era apenas temporário.

De repente, alguns toques na porta irromperam seus pensamentos repetitivos, e ela se abriu.

– Desculpe, mas eu esqueci de perguntar seus sobrenomes - anunciou Eva, agora de maneira bem harmônica. Talvez estivesse com sono, e aquilo fosse urgente, para que pudesse identificá-los, ou pesquisar sobre eles. Robert não sabia.

Wilbur respondeu primeiro, como esperado.

– Glory - a luz que adentrava o quarto pela brecha da porta iluminava a área calva em sua cabeça.

Robert permaneceu imóvel por um tempo, apenas vislumbrando a silhueta de Eva pela porta.

– E o seu? - indagou ela, para ele.

Ele aguardou dois segundos.

– Dodgers.

Ela abriu um pouco mais a porta, com uma expressão curiosa.

– Dodgers?

– Sim - confirmou Robert, sem entender exatamente o que significava.

– De Leonard Dodgers? - Eva parecia ficar cada vez mais curiosa.

Robert tornou o rosto um pouco para o lado, com desinteresse. E acenou com a cabeça.

– Meu pai - revelou ele.

Eva ajeitou a postura. Agiu como se estivesse na presença de uma celebridade, ou o filho de uma.

– Como vou saber que não está mentindo? - ela semicerrou os olhos.

– Eu não mentiria sobre isso - respondeu ele, e ao notar novamente as algemas, grunhiu baixinho de raiva. - Ér... E eu queria saber, não tem como ficarmos presos de uma maneira mais agradável?

Eva arregalou os olhos.

– Eu espero que vocês entendam - começou ela - Mas eu acabei de conhecer vocês, não tenho mais compartimentos na minha casa, e vocês não estão na posição de escolher.

Robert olhou para o lado novamente. Nada mudaria.

– A propósito, já que estão aqui, o que acharam das minhas armas? - um sorriso orgulhoso ocupou seu rosto. Era como se agora que Mero não estava mais com ela, ela estivesse mais disposta a conversar.

– Grandes - respondeu Wilbur.

– Como você as conseguiu? - indagou Robert.

Eva virou o rosto para ele.

– Contatos - disse ela. Pelo menos havia respondido, e não utilizado sentenças agressivas para explicitar que aquilo não era da conta dele.

Robert ficou satisfeito com a resposta.

– Eu não estava esperando visitas, então não tive tempo de guardá-las quando vocês chegaram - anunciou Eva. - Na verdade, não tenho nem onde guardá-las. Meus depósitos estão todos ocupados.

– Pelo que? - indagou Wilbur.

– Por várias coisas - disse Eva, como se a resposta para aquela pergunta fosse lógica. - E, claro, mais armas.

– Nossa - admirou-se Wilbur. E, empolgado com o rumo da conversa, adicionou mais uma informação. - Robert é bom com armas.

Idiota.

Robert ficou com vontade de mandar Wilbur calar a boca, mas estava cansado demais para tomar atitudes tão extremas sem necessidade.

– Você é? - Eva tornou para ele. - Também, não me admira. Filho de Leonard Dodgers.

– Eu não entendo por que você aclama tanto ele - respondeu Robert, com desgosto.

– Por que não? - Eva encostou-se na parede ao lado da porta.

Robert insistia em olhar para todos os lados, menos para ela.

– Ele... - ele balançou a cabeça, sério. - Não era lá um bom pai.

Eva curvou a cabeça.

– Sério? - Eva demonstrara uma emoção inédita na voz.

Robert respirou fundo. E ela notavelmente percebeu que aquele assunto era extremamente delicado.

– Ah... Onde vocês encontraram Zack? - perguntou Eva, mudando de assunto. - Eu estava querendo perguntar isso desde que vocês chegaram, mas esqueci.

O fato de ela ter revelado que havia esquecido deixou claro que a mulher decidira depositar pelo menos uma parcela de confiança nos dois. Estava tratando das coisas de maneira mais pessoal.

– Em um prédio em Mustard - pronunciou-se Wilbur, antes que Robert pudesse responder.

Eva sorriu, como se houvesse acabado de confirmar uma tese.

– Vocês acham que podem nos guiar até lá? - ela parecia um pouco empolgada.

– Podemos - respondeu Wilbur, enquanto Robert confirmou com a cabeça.

– Excelente - disse ela, antes que seu relógio de pulso apitasse freneticamente.

Após conferir o que havia acontecido, Eva se dirigiu para a porta novamente.

– Tenho que ir, preciso resolver um problema agora - avisou ela, antes de se retirar.

– Obrigada pelas informações.

Wilbur aguardou alguns segundos antes de emitir mais alguma coisa.

– Ela é legal.

Robert concordou com a cabeça.

– É.

》》》

Eva caminhou depressa até o quarto, era lá que se localizava o telefone.

Necessitava fazer aquela ligação.

Ela puxou um objeto plano transparente de uma placa de metal que o atraía magneticamente, e instantaneamente, os dígitos se acenderam, em luzes alaranjadas. Eva discou o número desejado, e aguardou chamar, com o dispositivo colado ao ouvido.

– Alô? - atendeu alguém do outro lado da linha, provavelmente um guarda, já que estava ligando para o quartel de polícia vespertina.

– Oi - cumprimentou Eva, na tentativa de parecer doce. Era boa com representações. - Eu gostaria de falar com Cordon, por favor.

– Qual seu nome? - perguntou o guarda do outro lado da linha.

– Michelle - mentiu ela, implicando em um tom de voz altamente feliz.

– Ah. Michelle. Ele, infelizmente, acabou de iniciar seu turno, não vai poder falar agora - explicou o homem.

Eva franziu a testa.

– De noite? - indagou ela.

– Sim. Mudanças confidenciais - respondeu ele novamente. E após algum tempo, indagou. - Era só isso?

– Era sim. Muito obrigada - agradeceu ela, e desligou o telefone.

O que será que havia acontecido?

》》》

Scadrish desligou o telefone, e o encarou por alguns instantes.

– Parabéns, Cordon - ele sorriu, maliciosamente. Estava falando sozinho. - Você vai ser o responsável por uma grande causa.


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