Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 17
Capítulo 17: Insoluções Deploráveis




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Após finalizar o procedimento com as algemas, Mero encostou-se na parede, ao lado de Eva, para fitar os dois homens acorrentados no chão, com desdém.

– O que pretendem fazer conosco agora? - perguntou Wilbur, movendo suas mãos em trajetórias limitadas enquanto as correntes que as uniam emitiam um irritante tilintar de metal.

Robert não era muito bom com as palavras, então decidiu que o melhor a se fazer naquele momento era deixar os argumentos a cargo de Wilbur, ele saberia orientar a situação muito bem desde que não falasse demais, porém, isso seria praticamente inevitável.

– Vocês vão passar a noite aqui - respondeu Eva. - Aparentemente, não tem para onde ir.

– Como sabe que não temos para onde ir? - começou Wilbur. - E se eu tiver filhas esperando por mim em casa nesse exato momento?

Falando demais. Exatamente o que Robert temia. Que assunto era aquele?

Wilbur não havia notado, mas a gola do vestido roxo que colocara sobre a cabeça havia folgado e ele estava agora praticamente trajando a vestimenta, assim como estava descoberto, desprotegido.

– E você tem? - indagou Eva. Era incrível como ela ainda encontrava-se na mesma postura rígida que estava quando os recebeu no apartamento, provavelmente proposital para que aparentasse ser mais autoritária do que realmente era.

– Tenho o que? - Wilbur franziu a testa.

– Filhas - Eva abriu um pequeno sorriso, sincero e provocativo, como se já soubesse a resposta.

– Não - disse Wilbur, se aconchegando no chão de cimento. Ele respondeu com seriedade. - Mas eu poderia ter.

– Então acho que não haverá problema - Eva enrijeceu o pescoço enquanto olhava para Wilbur, então tornou para Robert. - E você?

– Quer saber se eu tenho família? - Robert evitou falar muito, e aderiu um tom de voz neutro.

– Isso.

Robert aguardou um tempo antes de abrir a boca.

– É ela que eu estou indo buscar - aquela frase não havia sido exatamente para expressar seus sentimentos ou responder corretamente a pergunta, mas sim para causar um impacto em Eva, que com certeza entendia o que aquela frase significava.

Ela acenou com a cabeça, indicando que compreendera.

– Isso é tudo, por enquanto - disse, virando de costas. - Volto para ver vocês de manhã - Eva atravessou a porta, lentamente, seguida por Mero, que até aquele ponto havia desistido de exibir seu sorriso sarcástico.

》》》

Ao fechar a porta do quarto que abrigava aqueles dois homens desconhecidos, Eva fez questão de trancá-la com uma das chaves do molho que carregava no bolso, era apenas mais uma formalidade para concretizar a ideia de segurança. Após a ocorrência, ela guiou Mero até a entrada do apartamento. Esperava que levá-lo até lá o fizesse entender que era hora de ir, mas como era de costume, o rapaz não pareceu entender.

– Quer que eu passe a noite com você? - indagou ele. - Tem duas pessoas perigosas aqui com você e eu não confio em você sozinha aqui com eles.
Eva franziu a testa e forjou um sorriso.

– Eu sei me cuidar - aquele era o máximo de gentileza que Mero merecia naquele momento.

– É, mas... e se dobrássemos a segurança? - Mero apoiou o braço na parede ao lado de Eva, aumentando a proximidade entre os dois, e aparentando ser um conquistador.

– Não é necessário - Eva recuou, com uma sensação de repulsa percorrendo todo seu corpo, e abriu a rígida porta de madeira que dava para o hall do elevador. - Boa noite.

Mero umedeceu os lábios, antes de caminhar, com passos pesados, para fora do apartamento. Talvez ele resolvesse se despedir, mas Eva foi mais rápida, e fechou a porta.

Estava exausta. Toda aquela confusão a cansara, talvez sua frigidez fosse a principal culpada, ou talvez fosse Mero.

》》》

– Me sinto um prisioneiro - revelou Wilbur.

– É mais ou menos o que somos agora - respondeu Robert.

Os dois apostaram na tentativa de uma risada, realizando sons discretos, e honestos.

Aquela minúscula brincadeira aliviara a tensão no ar. E foi o suficiente para que Wilbur tomasse partido em iniciar mais uma conversa.

– Eu posso... perguntar uma coisa? - pediu ele.

– O que? - Robert sentia-se bastante à vontade naquele instante. Era provável que ele se permitisse responder a pergunta de Wilbur.

– Como é sua filha?

Aquela pergunta incomodou um pouco o estômago de Robert, era bastante pessoal. Mas, a relação que estava tendo com Wilbur já encontrava-se bem íntima, ou talvez por não possuir muitos amigos estivesse se iludindo por isso. De qualquer forma, resolveu prosseguir com o diálogo.

– Fisicamente? - indagou.

– Ao todo.

– Ela é... loira.

– Sério? - Wilbur parecia descrer na informação.

Robert arqueou uma sombrancelha para Wilbur.

– Eu imaginava ela mais como você. Sabe? Cabelos negros - explicou Wilbur.

Robert riu baixinho.

– Qual a cor dos olhos dela? - retornou o calvo.

– Verdes.

– Caramba! - o tilintar das correntes de metal de Wilbur emitiram um som agudo.

Robert riu novamente, compreendendo que a surpresa de Wilbur se dava pela revelação de não haver nenhum detalhe aparente do pai na filha.

– Ela herdou o meu sorriso - brincou Robert.

– Eu nunca vi você sorrir - Wilbur virou para o lado.

– É, mas também... Faz apenas um dia que nos conhecemos - aquela conversa até que estava bem divertida. - E ei, eu estou sorrindo agora.
Wilbur grunhiu, talvez fosse para ser uma risada.

– Não dá para ver nada. Está tudo escuro - disse Wilbur.

Robert sorriu.

– E hoje foi um dia bastante... movimentado - comentou Wilbur.

– Foi mesmo - concordou Robert, esticando as pernas. Estava tão relaxado que não sentia qualquer efeito dos problemas que o oprimiam desde cedo.

– Quando é que isso vai acabar? - Wilbur respirou fundo, o que indicava que ele acabara de abandonar a descontração, causando o mesmo efeito em Robert.

Robert pousou os olhos em algo que conseguiu distinguir na escuridão. Ele tinha um objetivo, resgatar Mayla, custasse o que custasse, sem, na verdade, ter a menor ideia do que custaria.

– Quando recuperarmos Mayla - respondeu ele, pensativo.

– Eu não acredito nisso.

Robert franziu as sombrancelhas.

– Como assim? - perguntou.

– Todo esse conteúdo arriscado guardado no quarto que estamos agora me fez refletir... Eva é uma mulher cheia de conexões - explicou Wilbur. - Ninguém consegue armas se não tiver fontes, fontes infiltradas na ala presidencial. Eles são os únicos que usam armas, certo?

– Sim - confirmou Robert. - Mas onde você quer chegar?

– Traidores - replicou Wilbur. - Pessoas contra o próprio governo. Pense nisso, alguém lá de dentro, um oficial talvez, está fornecendo armas para um grupo de pessoas que quer ir contra o governo.

– E...? - Robert esperava que Wilbur fosse direto ao ponto.

– Recuperar crianças desaparecidas não é o único objetivo desse grupo - aquele era o ponto. - E eu não quero me envolver em mais nenhuma confusão além dessa. Achar Mayla é a minha cota.

– O que você acha que vão fazer depois que nós encontrarmos Mayla, Thomas e o resto das crianças? - Robert estava confuso, a lógica de Wilbur ainda não fazia muito sentido para ele.

– O resgate às crianças é só um ato de rebeldia - Wilbur apoiou o antebraço esquerdo no chão para poder encarar a direção do breu em que Robert se encontrava. - Estamos em um grupo rebelde.

Robert levou um tempo para ligar as coisas. E enfim, lembrou-se do pequeno confronto que Wilbur e Zack travaram quando estavam no edifício de concreto momentos atrás.

– Trazer crianças desaparecidas de volta é o único objetivo deste grupo? - perguntou Wilbur.

— O que está sugerindo, Wilbur? — Zack permaneceu com o sorriso nos lábios.

— Você me entendeu... — Wilbur respondeu com outro sorriso.

— Nosso grupo não é revolucionário, se é o que quer dizer. — Declarou Zack.

O que Wilbur insistia em defender era completamente o oporto ao declarado por Zack.

– Mas Zack disse... - começou Robert, mas foi interrompido.

– E você vai confiar nele? - Wilbur apropriou-se de um tom de voz mais sério.

– Ele também falou que Mayla foi raptada, e estava certo - argumentou Robert.

Robert estava certo, pelo menos naquele momento, mas não significava que o grupo em que estavam não fosse revolucionário. E aquilo era uma tragédia.

– Tudo bem, digamos que seja apenas uma teoria então - disse Wilbur. - É uma teoria bem convincente, não?

– Não - negou Robert, rispidamente.
Wilbur ignorou.

– Bom, tem uma coisa que eu venho querendo perguntar - contou ele.

Robert revirou os olhos.

– O que é? - indagou.

– Como foi que você matou dois guardas em um trem em movimento?

》》》

O anônimo realizou mais um comentário:

Você deve nos encontrar

Clarice não se sentia preparada para aquilo, e seu corpo esforçava-se para afastar aquela sensação de culpa prévia. A única forma de não criar um problema para Key, ou para si mesma, era adentrar em um maior ainda com seu pai como objetivo. Era uma decisão árdua.

Ela, então, enviou uma resposta, sem necessariamente concordar em participar. Estava apenas analisando como a situação se sucederia antes de aceitar fazer parte de qualquer coisa.

E como faço isso?

Levou algum tempo, mas o autor misterioso se comunicou novamente.

Peça para o oficial Key Farrer levá-la até a estação de trem no dia marcado

Clarice franziu a testa. No dia marcado? Algo aconteceria naquele dia, talvez. E Key. Key estava incluso no plano, aquilo apenas agravava ainda mais suas suspeitas, mesmo que não esclarecesse nenhuma de suas dúvidas. O que realmente estava acontecendo? Key provavelmente sabia a resposta.

Era engraçado como poderia saber a identidade do autor anônimo em questão de segundos após contatar os supervisores da rede de internet no edifício de administração, mas como cada ato ou decisão realizado por ela era registrado automaticamente no sistema para receber a aprovação do presidente posteriormente, a ideia tornava-se inútil, já que seu pai descobriria o ocorrido.

Outro comentário anônimo:

Nos falaremos em breve

Clarice engoliu em seco. Tudo aquilo causava um pane em sua mente, estava em um beco sem saída. De qualquer forma, alguém sairia machucado, ela apenas decidiria quem.

E a resposta para aquela questão estava quase completamente definida.


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