William pendurou o seu chapéu no chapeleiro e sentou-se na velha poltrona da sala. Charlie logo reparou na pequena mesa de canto, feita de madeira escura, logo ao lado dele, onde havia um maço praticamente vazio de cigarros.

– Andou fumando outra vez?

– Não. – Respondeu ele enquanto mastigava um palito de dente. – Isso aqui se chama “Passa- Tempo”. – Ele levantou o maço dando uma Leve chacoalhada colocando de volta onde estava.

Charlie revirou os olhos. Assim que Sara partiu para a cozinha, William levantou-se da poltrona rapidamente e apagou a luz da sala deixando apenas acesa a luz do pequeno abajur ao lado do maço de cigarros.

– O que é isso?

Perguntou Charlie sem entender a ação de seu tio.

– Olhe para os seus olhos, estão claros como os de um lobo!

William cochichava um tanto irritado.

– Mas como? Eu não senti nada! Como um Youkai poderia...

– Psiuuuuuu! Fale baixo, ou quer que Sara escute? – O velho indagou interrompendo-o. – Talvez fosse um Youkai com dominância insignificante demais, a distância entre vocês pode ter impedido de você sentir a presença dele.

– Bem, tio... Eu tenho que dizer que Sara já sabe sobre os youkais.

– Como?!

– Ela foi perseguida por um, eu tive que contar á ela sobre eles. Tem algo estranho acontecendo tio, eu já estava mesmo querendo falar com o senhor.

– O que há? Como assim perseguida por um youkai?

– Parece que tem um youkai desgarrado por ai e ele tentou atacar Sara, nunca senti uma presença com dominância tão forte quanto a daquele youkai.

– Você o viu?

– Não, nem ela. Ela só pode ver uma parte da pelagem dele e alegou ter ouvido o rosnado dele. Poderia ser um youkai lobo, não acha?

– Haam... Poderia. Um youkai desgarrado por esta floresta é muito estranho, e ainda mais com tamanha dominância como a que você disse... – William olhava para Charlie enquanto falava, mas Charlie sabia que ele estava com o olhar muito longe dali. – Um youkai lobo costuma viver em grupo a não ser que... Ele se sinta rejeitado por ter perdido alguma luta...

– Luta?

– Sim, eles lutam pra assumir o comando do grupo, não sei se podemos chamar de alcateia, pois eles não são como os lobos normais.

– Eles são agressivos? Acho que vou duvidar se o senhor disser que não.

– Bem, eu não sou nenhum especialista, mas... Pelas minhas pesquisas e observações, não. Eles não costumam ser agressivos... Desde que não percam nenhuma luta. Tal youkai que tenha atacado Sara deve se sentir mesmo rejeitado, ou eu não sei. – Ele pensou um pouco– Alias, quando isso aconteceu?

– Semana passada, ela foi procurar o lago onde eu estava pescando e acabou se perdendo e... E se estivermos sendo perseguidos?

– Como assim?

– Notei a presença de vários youkais recentemente, e então nos aparece um youkai desgarrado com uma dominância inexplicável... Que tipo de youkai com tamanha dominância, perderia uma luta para algum outro youkai?

– Um com dominância maior, talvez?

– Impossível!

– Sobre o que estão falando? E pra que toda esta escuridão?

Sara entrou na sala acendendo a luz. Ela ficou parada na porta olhando para os dois. Rapidamente, William voltou-se para a poltrona e acendeu um dos cigarros. Charlie a observava.

– Então, o que foi pessoal?

– Venha Sara – Disse William– Você tem de participar desta conversa.

– Tudo bem... – Sara estranhou, mas caminhou até eles e apoiou-se em um dos braços de Charlie, assim ela se sentiria confortável o suficiente. – Sobre o que falavam?

– O youkai que tentou te atacar. Pode ser que seja um youkai lobo, ou qualquer outro youkai que esteja desgarrado.

– E essa não é a única questão. – Disse William – A sua sugestão sobre os youkais nos perseguirem Charlie, também pode ser considerada. Eu também notei que os youkais haviam se afastado daqui, mas acabei de pensar que o fato de um youkai com grande dominância e tamanha irritação possa ter os atraídos para cá, seja lá qual forem os motivos.

Charlie sentiu Sara encolher-se ao seu lado e aperta-lo pelo braço puxando a camisa xadrez que vestia.

– Também poderia haver algo de errado com a outra parte da floresta não acha?

– Você quer dizer, algo de errado com a floresta? Não creio muito nisso. Você não costuma sentir a presença do youkai desgarrado frequentemente, sente?

– Não. Só pude sentir umas duas vezes, por quê?

– Porque das duas uma: O youkai pode estar atraindo os outros para cá devido a sua dominância, ou a mais provável... O youkai desgarrado pode estar espantando os outros para cá, ocupando todo o território somente para si próprio.

– Isso é loucura... – Disse Sara, um tanto nervosa.

Charlie a abraçou apertando-a contra o peito e apoiando o queixo sobre a sua cabeça, enquanto sua avó descia as escadas.

– Ora, ora... Sabia que vocês dois se resolveriam enquanto suas brigas passadas, mas não que seria dessa forma.

– Vovó, pensávamos que estivesse dormindo... – Disse Charlie tentando sorrir.

– Não durmo sem tomar o meu Chá. – Ela passou por trás da poltrona dando um tapa na cabeça de William – Nada de fumar dentro de casa!

– Desculpe, desculpe!

William levantou-se e foi para a cozinha. Sara ainda no abraço de Charlie, olhava para sua avó.

– Tomem cuidado com esse youkai desgarrado, melhor ficarem longe da floresta.

– A senhora ouviu... – Sara falou baixo.

– Ouvi. Não se preocupe, nenhum youkai ousaria nos atacar, eles nem se aproximam da casa– Ela sorriu – E nenhum dos youkais daquela floresta nos machucaria, convivemos com a presença deles há anos. Agora, vão dormir que esta tarde.

– Tudo bem.

Sara e Charlie seguiu para a escada. Enquanto Charlie subia na frente, Sra. Bartoli chamou por Sara:

– Fico feliz em você não ter ido para a festa com Seth. Você fez a escolha certa minha querida.

Sara apenas sorriu e continuou a subir as escadas.