Weiß Dämon escrita por AneenaSevla


Capítulo 17
As coisas respondem




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A neve enfim resolveu ceder, derreter, e dar lugar à terra molhada. Como se estivessem sob comando, as árvores acordaram e se espreguiçaram com suas folhas novas, brotos e ramos. A terra parecia acordar com vida, o barulho de carne esticando e ossos estalando ecoavam, neste parâmetro, o som dos pássaros estava ensurdecedor, para seus ouvidos. 

O demônio respirou fundo aquele ar novo, enquanto fazia sua ronda pelo território. Alguns animais acordando da hibernação agora andavam para lá e para cá procurando comida, ou acordando os outros com seu barulho. Época de atividade, de agitação.

Mas para ele, era sinal de tranquilidade. Seu território sobreviveu a mais um inverno, então tudo continuaria bem, neste quesito.

E, nesta primavera, era sinal de algo importante. Iria começar o treinamento da humana. Ela não teria a mesma magia e poderes dos Shlanken, mas ao menos teria alguns trunfos que poderia usar.

Terminou sua ronda, satisfeito. Nenhuma perturbação digna de nota, nenhum intruso, aparentemente o humano teimoso da vila havia desistido, ao menos por agora, então ele podia relaxar um mínimo. Suspirou, inflando as narinas. 

Um Andar Esguio, e estava de volta em casa. A garota se encontrava, como quase sempre neste horário, diante do fogo, fazendo alguma coisa desse tal cozinhar. Ela se vira quando ele se aproxima.

— Bom dia Senhor - ela sorri - Eu fiz sua parte também.

Ótimo. Depois de comer, prepare-se.

Ela ficou sem entender por um momento até que a mente dela funcionou:

— Ah, começa hoje? A primavera está lá fora?

Evidentemente. Ele se senta ao lado dela, diante do fogo, quanto mais cedo melhor.

— Ooohh - ela soltou um som feliz, enquanto tremia os ombros - Eu estou ansiosa para isso, vai ser trabalhoso mas divertido.

O jeito como ela se agitava com a alegria, a fazia parecer um filhote, até mesmo um da espécie dele. A lembrança de tempos passados, quando ainda era ele mesmo ainda verde, o fez querer rir um pouco, mas ficou calado. Quando ela terminou de cozinhar, ele tomou seu caldo de uma vez e esperou ela terminar a parte dela. Comia devagar, mas ele tinha um pouco de paciência. Quando ela terminou, ela limpou, guardou os utensílios e ficou diante dele.

— Pronta, senhor! 

Bom. Ele se levanta. Venha.

Ele usa um dos tentáculos mais baixos para segurar a mão dela. Ela se treme um pouco com a sensação, mas segura firme. Satisfeito, ele a puxa, e num Andar Esguio, estavam do lado de fora da sua casa. A garota não teve nem tempo de reagir, só soltou um guincho e então ficou tremendo um pouco, a cabeça dela estava estranha, parecia que estava girando em todas as direções. Ela soltou o tentáculo dele e segurou a própria boca.

O que houve? 

— Eu… tou tonta… ughh…- e o café da manhã dela voltou, adubando uma jovem bétula ao lado dele. Ele franziu a testa, curioso. Humanos não costumavam evacuar por aí… então parecia ser algo ruim. Então tirou sua conclusão.

Devia ter me avisado que estava doente. 

— Você… poderia… poderia ter avisado… - e mais uma leva. Realmente, se levá-la num Andar Esguio traria esse tipo de consequência, seria um problema. Continuasse assim, logo ela estaria na finura de um dos seus tentáculos.

Eu fazia tanta ideia quanto você. E você não é digna ainda de saber o caminho da entrada de casa. Tem de aprender as coisas.

— Ugh… - ela pareceu se recuperar, ainda tremendo. A mente dela estava um pouco mais estável, e ela se aprumou apoiando-se no tronco. Recuperou o equilíbrio, limpando a boca e respirando, tossindo de vez em quando. É, isso era sinal claro de que estava doente.

Humanos não devem ter sido feitos para isso, se ficam doentes. Bom saber.

— Eu não estou doente... é só um pouco de náusea… estou melhorando - ela pigarreia, tentando ajeitar a garganta. E então se acalma. Volta aos poucos ao normal, como se tudo não tivesse sido um pequeno contratempo. Ele estranhou.

Já? Então tudo bem. Ele começa a andar. Venha, ande levantando bem os pés, aí não tropeça no chão, com o tempo, vai sentir as pedras antes de tocá-las.

A garota obedeceu, e andou um pouco para frente, testando o terreno. As mãos para frente, como se quisesse tocar em algo. Ele parou e a encarou.

Não precisa dos braços para frente. Ponha-os ao lado do corpo, use somente para equilíbrio. 

— Mas… mas eu posso esbarrar nas árvores… - ela toca num tronco, depois em outro. Parecia uma lesma.

 Isso só deixa seus passos mais lentos, e seu cheiro nos galhos, ele disse com um pouco de irritação. Você tem de andar rápido, se não vai ser pêga

Andeir hesitou um pouco, até que ela tentou obedecer e esbarrou a testa num galho baixo, e ele suspirou. Ai… Seria um looongo dia.

 

— POV Switch -

 

Okay, não esperava o quão isso poderia ser difícil.

Ela já sabia se orientar um pouco, em locais fechados, mas sempre tinham segurado sua mão para sair de casa e era avisada dos perigos à frente. Completamente sozinha pela floresta pareceria loucura para a Andeir daquela época, principalmente pelas raízes, os galhos baixos, os arbustos com espinhos… e a sua barriga, depois da náusea, estava vazia de novo, a deixando incomodada, ainda mais aflita, pela fome.

Ia com cuidado, andando, pisando no chão, como se fosse cair no abismo a qualquer momento... Aqueles momentos pareciam trazer horrores a sua confiança, e cada erro a golpeava como aquele galho no qual ela batera a testa… sua respiração ficando mais acelerada, ela queria levantar os braços, se segurar num galho e não sair dali.

Concentre-se, humana. Ela ouviu o rosnado irritado dele.

— Eu estou tentando! - ela protestou, batendo o pé.

Não está. Não está ouvindo, não está cheirando, está nublando a mente com pensamentos inúteis.

— Eu não tenho seu faro ou seus ouvidos… nem mesmo sua mente, senhor. Sou só… - ela queria chorar - só uma humana inútil.

O Slender parou, se virando até ela. Ela não escutava nada, mas sabia que ele tinha se irritado. Quando ela sentiu ele parar diante dela, se encolheu, de repente todo o seu medo antigo por ele retornou. Se sentia uma criancinha diante de um adulto severo. Só que o adulto severo era um monstro de três metros que comia humanos.

É agora. É agora que eu morro… pensamentos intrusivos vieram à tona.

Uma mão agarrou seu tronco, a impedindo de se mover.

Chega, ele disse. Pare.

Ela parou, pelo puro instinto de autopreservação. O sentiu se abaixar, se ajoelhar.

Primeiro, tem de limpar sua mente. Tudo isso atrapalha.

Ela sentiu o formigamento familiar da mente dele vasculhando a dela, e começou a se sentir mais calma, mesmo que na base da força. Andeir tremeu, achando que eram os sinos, mas não eram. Ela respirou fundo e deixou-se influenciar.

Isso. Ele assentiu. Agora, escute o que eu escuto.

Ela ouviu. Primeiro a própria respiração, se acalmando. Então escutou a respiração dele, muito próxima da dela, mas tentou ignorar. Depois, vieram os pássaros. As árvores, os galhos… um picapau batendo na madeira, distante. Ela. Ouvia.

Ótimo. Agora, sinta o que eu sinto.

Ele soltou os ombros dela aos poucos, a deixando se firmar no chão. Os pés dela sentiam o chão meio úmido, perto dos sapatos. Com os ouvidos abertos, ouviu o som da terra. Uma leve vibração próxima. 

Use os outros sentidos que tem. Aos poucos, um por um. Ele instruía, a voz surpreendentemente calma e paciente. Agora… uh…

Ele hesitou. Ela compreendeu.

— Eu não tenho tentáculos para sentir todos os arredores de uma vez como o senhor, por isso as mãos para frente - ela explicou.

É. Tem de ter algo para servir… Espere aqui.

Ele se levantou e desapareceu, ela nem mesmo o ouvia mais. Ela… estranhou, mas esperou, enquanto experimentava mais das sensações que ele havia acabado de ensinar. Seus ouvidos internos recuperaram todo o equilíbrio perdido na hora que sentiu a náusea, levantou a cabeça para frente, a fim de recuperar a postura. 

Lembrou-se de uma coisa que tinha aprendido há muito tempo atrás, mas anos de condescendência a fizeram perder a prática: estalou a língua, fazendo um clique. Ouviu a árvore responder, e outra mais atrás, depois dela. Sorriu, seu coração acelerando de novo, mas de alegria. Ainda sabia fazer aquilo.

As freiras a tinham proibido de clicar com a língua, dizendo que “não era coisa de uma dama”, mas agora, não tinha mais freiras lhe dizendo o que fazer, não é?

Arriscou um passo, tateando, então se lembrou do jeito que o demônio tinha lhe ensinado.Um passo, clique, depois outro, clique, e… um galho de árvore, certo. Abaixou-se, passou por ele usando o braço pra se guiar, e então voltou a andar. Não foi longe, fez a volta, andou um pouco mais, clicando de vez em quando. Não podia ir tão rápido, tinha de ouvir, mas aos poucos entendeu o que estava se passando. Precisava de algo para tatear, ainda…

Aqui. Ela o escuta na mente, e ela o escuta se aproximar. Tome isso.

Ela estende a mão e sente… uma vareta comprida. Testou-a no chão, tocando em certos pontos, e com isso tinha agora certeza que não esquecia nada pelo chão.

— Ah! Isso vai ser bem útil. Obrigada, senhor. - ela sorriu.

Ótimo. Podemos continuar?

— Sim, eu… estou mais calma agora.

Notei. Vamos. Tem mais coisas que deve saber para se locomover aqui.

Ela o ouviu se virar e andar numa direção. Usando o  que tinha aprendido e se lembrado, começou a clicar e usar o cajado para se mover. Ele parou.

O que é esse estalo?

— Isso? - ela clicou com a língua.

É… Isso foi você?

— Foi. Eu… notei que escuto as coisas responderem quando faço.

De fato. Elas respondem. Mas faz barulho, isso é ruim quando há perigo.

— Humanos não escutam tão bem quanto o senhor.

Ursos e lobos escutam. Mas vai aprender a evitá-los. Ele pensou um pouco, com uma pausa. Isso te faz se mover melhor, não é?

— Sim senhor.

Como morcegos de noite. Eu escuto sem barulhos, mas tenho minha mente e sentidos para ajudar. Continue, mas vai ter de aprender também a silenciar quando ouvir algo diferente. Uma coisa de cada vez, porém.

Andeir assentiu, e voltou a andar atrás dele.

É, ela não imaginava mesmo que ia ser difícil, mas também não imaginava que podia superar esses obstáculos. Tinha ganhado um pouco mais de confiança.

Nunca tinha pensado que um demônio cego pudesse ensinar tantas coisas. E estava adorando cada lição.


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Notas finais do capítulo

Eu quis falar mais em dar um pouco de independência para Andeir, espero que tenham gostado!
Sim, esse jeito de ecolocalizar é uma coisa que humanos podem aprender. Tem vídeos sobre isso, só procurar.



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