Weiß Dämon escrita por AneenaSevla


Capítulo 16
Rastro de Migalhas




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No final do inverno, bem antes da vila acordar, Alexander estava de pé e andava para fora da estalagem. Não via a hora de sair daquele quartinho, e um dia se perguntou se iria voltar para a capital, onde estava a casa que havia conseguido, anos atrás. Estava completa e mobiliada, mas nunca morou nela. Não fazia sentido sem a pessoa que ele escolhera para morar com ele. “É loucura!” disse o seu senhor, quando disse que ia sair para procurá-la, mas ele estava irredutível. 

E bem, não achou mas sabia onde ela estava. Ou os restos dela, se fosse tentar ser um pouco mais realista.

Chega, eu não acredito que ela está morta até ver os restos dela, ele pensou, balançando a cabeça, ao olhar a borda da floresta. Havia tomado cuidado para não deixar rastros óbvios de sua saída, mas ele tinha de observar um pouco mais de perto. Levou sua espada, por precaução. 

Passou pelo pinheiro onde estava o esqueleto empalado. Ele parecia que dizia “vá embora, salve sua vida, suma daqui!”. Alexander ignorou o aviso, deu um “salve” para ele e passou da linha das árvores. 

O silêncio era aterrador, salvo alguns sons de galhos rangendo pelo vento acima das árvores, e seus passos na neve. Não iria muito fundo, mas queria saber mais sobre as enormes marcas de garras que havia encontrado. Tinham várias árvores assim, seguindo para dentro da floresta. Não estavam dispostas em uma linha reta, mas elas praticamente faziam um caminho para dentro, quase como se fossem sinalizadores, o rastro de migalhas ou doces que se ouviam nas histórias, o chamando para dentro, para se perder. 

Só que macabro e feito por um demônio. 

Ele realmente era o tipo inteligente, as marcações estavam dispostas longe uma da outra, mas incrivelmente nunca estavam fora do ponto de vista. Uma vez que encontrava uma, a próxima estava em uma linha a umas três ou quatro árvores de distância. Uma pessoa comum não acharia isso fácil. Mas Alexander tinha treinado, e ele tinha um olho bom para isso.

 Assentiu. Sabia que, se seguisse essas linhas, poderia chegar a algum ponto. Voltou, sem mexer em mais nada, tentando não fazer outro barulho. Achou estranho o demônio não aparecer, mas não se deu ao luxo de ficar mais tempo. Porém, sabia que podia entrar sem problemas. Outro dia, tentaria ir mais fundo, e testar seus limites. 

Vamos ver em que ponto o monstro se irrita…

 

— POV Switch -

 

Mas mal ele sabia que o monstro já sentia que ele estava ali. 

Levantou-se ao acordar com uma sensação peculiar na nuca, que na verdade ele conhecia muito bem.

Intruso. Humano, provavelmente.

Tendo acabado de acordar, não estava conectado completamente para saber exatamente onde, então teria de fazer rondas de novo. Mas sabia mais ou menos em que direção. E rosnou ao perceber que eram da vila. 

E lá vamos novamente, ele pensou consigo mesmo. Mas na hora que ele se levantou, o intruso… simplesmente saiu. Ué.

Ele balançou os tentáculos nas pontas, confuso. Será que era impressão? Não, ele nunca se enganava quanto a isso. Era um intruso, certeza, mas ao mesmo tempo que entrou, rapidamente saiu. Seria, talvez…um Andar Esguio?

Não, é pouco provável. Seu território era muito perigoso para uma visita de sua espécie aparecer, muito menos uma tão estimada como essa. Balançou a cabeça. Prestaria atenção nisso. Espreguiçou, esticando as garras e os tentáculos. Encarou a humana adormecida, em seu cantinho, enrolada numa pele de urso bem maior que ela. Bem, ele não estava precisando daquelas peles, então a deixou usar. 

Enquanto andava para a sala do lago, contemplou sua situação e a dela. 

Estando ali há duas luas completas, a humana até agora realmente não estava dando trabalho a ele, com exceção da parte da comida em que ele tinha de ir buscar, mas logo isso se resolveria, talvez, se ela se empenhasse. Não parecia o tipo que não o faria, porém. E era até inteligente para um humano, e deu umas dicas a ele sobre o plano que estava formulando de a transformar numa lenda local, uma que pudesse falar com os seus e impedir que eles invadissem suas terras. Parecia um plano simples. Ainda era uma pequena peste que o irritava com aqueles argumentos, mas não o bastante para fazer com que quisesse enfiar as garras e abrir-lhe as entranhas.

Despiu-se e entrou na água, ainda pensativo. Os humanos a deram para ele, isso já está estabelecido, nenhum veio buscar desde então, e a carta reforçava o caso, mas ainda assim, ele sentia os humanos próximos, um deles inclusive, ficava rondando o perímetro, não fazendo nada, somente… observando. 

Seus tentáculos se agitaram, provocando ondulações na água, enquanto ele grunhia indignado. Eu quem observo aqui! Pensou. Se aquele humano é o mesmo que invadiu, então havia algo de errado. Seus instintos diziam que não se devia confiar, que ele tinha de mostrar àqueles imbecis que ninguém invade… que…

Exalou pelo nariz, afundando na água, já exausto pelo pensamento. Quatrocentos e quarenta anos, uma lua, três quartos de outra, lutando contra isso. Já tinha virado rotina, mas estava cansado. Humanos eram uma presa até deliciosa, com uma pele bem fina, de pêlos naturalmente finos, perfeita para muitas coisas, mas já não sabia mais o que fazer com elas. 

Esse é outro dos motivos pelo qual não tinha transformado a humana em uma camisa, mesmo que a pele branca daquele tom fosse uma raridade. Aliás, por ser raro, era inviável. Precisava de pelo menos quatro para fazer uma que o servisse. Meh. 

Seus pensamentos devanearam um pouco sobre essa questão, até que ouviu a garota acordar e vir para o lago também. Ela sempre vinha quando acordava. Ao chegar, ela bocejou, movimento respiratório que ele achava estranho, e então parou diante da água, ficando tímida de repente.

— Senhor? Está aí?

Ela aprendeu a lhe detectar sem que ele tivesse de fazer barulho, impressionante. Ele ronronou um pouco, satisfeito com o que tinha ensinado. Os tentáculos em suas costas não se contiveram e fizeram um pouco de splash ao ondular. Ela sorriu.

— Obrigada. Eu posso voltar outra hora - continuou, tímida - devo ter acordado muito cedo…

Tanto que estranhei, disse ele, mas a vida começa cedo na floresta. E não estou proibindo de ficar aqui, se é o que a preocupa...

— Mas… eu ia tomar banho e o senhor está aí.

E…? Ele estranhou. Voltou a ter medo?

— Ah… não, é que… humanos não costumam tomar banho juntos.

Está me chamando de humano? Que rude de sua parte.

— Não é isso! - ela diz, tremendo, as mãos no rosto como se quisesse escondê-los - é que eu não tou acostumada a tomar banho com… ninguém junto.

Ele grunhe baixo. Besteira, o lugar é grande, dá três de mim, e você é minúscula até para um humano. 

— O senhor vai me ver nua...

Você se esquece que eu sou cego também. Bem, não como você, mas não tenho a famosa visão da qual vocês tanto se orgulham.

Ela ainda estava hesitante, ele deu de ombros.

Meh, faça o que quiser. Não tem nada aí que eu não saiba que exista, de qualquer forma.

De fato, pela quantidade de humanos, de todos os tamanhos e qualidade, que ele tinha dissecado a esta altura de sua vida, ele poderia se considerar um legista.

Ela pareceu se convencer, e então assentiu, tirando enfim a roupa fina que ela usava e entrando na água devagar, tremendo um pouco. Ele ficou onde estava, no canto oposto, imperturbável.

— Tudo bem então - ela diz baixinho - eu então vou tomar banho. Não… não repare em mim.

Impossível. Meus sentidos não deixam. Por que esse medo todo, afinal?

— Não é medo, é vergonha…

De seu corpo? É um corpo mais magro que outras fêmeas de sua idade e espécie, mas não é diferente dos outros humanos. Por quê?

— É que eu fui ensinada que… que homens não podem ver as mulheres sem roupa… se não pensam em pecados. E minha cuidadora dizia que eu, por ser bonita, eu inspiro pecados…

O que seria pecado? — ele franze as sobrancelhas, e, como ela não respondia, sondou de leve a cabeça dela, que naquele ponto estava acostumada com a sensação de formigamento. Então ele pareceu entender. Oooh, isso é tal pecado... Ele suspira, exasperado, eu já falei…

— Eu sei! - ela pausa - quer dizer, agora me dei conta disso. E estou com vergonha agora de mim por ter pensado numa coisa tão estúpida.

É. Eu não sou um humano, e nem quero que pense assim. Não somos iguais.

Ela assentiu, e ficou quieta por um tempo, se acostumando à temperatura da água. Ele continuou ali, pensando em coisas relacionadas ao seu território e os problemas que vinham com ele, até que ela quebrou o silêncio:

— E… como seria uma fêmea de sua espécie?  

Isso o pegou de surpresa, tanto que ele ergueu a cabeça e os tentáculos se agitaram. Ela se encolheu.

— Ah, perdão, eu não vou tocar nesse assunto de novo…

Não, eu só… até seus pensamentos estavam agitados, maldição. Sentiu as laterais de sua face se esquentarem ao se lembrar das informações que sabia para repassá-las.

A menina abriu os olhos e encarou-o, agora que sabia que não tinha passado de um limite, estava curiosa. Ele conseguiu a paz de espírito para continuar e formular um pensamento coerente.

Elas são… como eu. Só que com uma forma mais delicada e mais curvas. Não tem pêlos abundantes na cabeça como vocês. Aliás, em lugar nenhum, eu acho. Mesma altura. Os tentáculos delas são mais finos…

— Ah… então é assim que chama os seus braços-cobra. Tentáculos.

Sim. Braços tem ossos, esses não. Ele agita a água com os ditos-cujos. Enfim. Elas são diferentes de humanas. E possuem magias diferentes da dos machos também.

— Magia? Nossa - ela sorri, feliz com a informação - Imagino que devam ser bonitas.

Isso é dizer pouco, ele ronrona, mas também são raras. Tanto que… não sinto a presença de sequer uma delas há muito, muito tempo. Quase me esqueci de como elas são. Que cheiro elas possuem.

— Elas estão em extinção? Por isso sente raiva dos humanos? - a garota pareceu quase sentir pena. Ele bufou.

Não, elas são espertas demais para cair em armadilhas de humanos, ele disse com um toque de orgulho. Não é por isso que tenho raiva deles. Como eu já disse, vocês para mim são como ratos, um só já é sinal de problema, e sinal de que vão ter mais deles por perto. Se deixar, logo logo um monte deles aparece, vão ter coisas destruídas pela casa e sua comida não vai estar salva, sem falar no barulho que fazem em algumas ocasiões. Vocês são péssimos vizinhos.

— Eu sei… eu peço desculpas por isso - ela abaixa a cabeça - Normalmente não fazemos ideia…

É, vocês agem como se fossem os únicos no mundo.

— É, eu sei - ela suspira - Então… quer dizer que humanos não as mataram…

Não, são raras por natureza. Sortudo é o que tem a honra de… ele hesita, estava falando demais. Ah, que se dane …de ser escolhido por uma. 

— Então… nenhuma te escolheu ainda?

É. E não quero mais falar nisso. Fim da história.

— Tudo bem - ela sorri - eu realmente estou feliz.

Pelo quê?

— Você está me tratando como uma serva. Ou talvez… como uma amiga.

Ele bufa um pouco, ainda sentindo as faces quentes. Amiga? Não exatamente. Aliada, talvez. Na verdade, quase seu animal de estimação, a esse ponto. Como um cão seria para os humanos. 

É, exatamente como um cão. Um manso, que precisa ser treinado para caça.


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Notas finais do capítulo

Eu estou feliz de como a história está se desenrolando. Vamos ver o que vai rolar de agora em diante, hihihehehahahaha...



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