Tequila Branca escrita por Van Vet


Capítulo 4
Um Acordo


Notas iniciais do capítulo

Olá! Tequila Branca tarda, mas não falha. kkk
Capítulo fresquinho para vocês nesse fim de sábado!
Comentem pessoal, comentem que escrevo mais rápido a sequência. ;)

Beijos!



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Hermione ficou imaginando aqueles dedos longos, magros e cheios de anéis brilhantes em pedra, digitando freneticamente na frente de um notebook e convertendo histórias para criança em milhões de dólares. Dizia a lenda que Dorah começou a escrever em guardanapos de papel, enquanto tomava um café de péssima qualidade numa lanchonete londrina.

A lenda dizia tanta coisa sobre aquela mulher, que ninguém sabia mais o que era verdade ou mito puro. Olhando para a figura dela diante de si, Hermione achou a própria autora uma espécie de ídolo encarnado. Seu sotaque britânico, polido e entrecortado ressoou para ela depois de bebericar o chá que Mary oferecia.

— Então estou diante da moça mais produtiva desta grande editora?

Hermione lançou um olhar quase lisonjeiro para sua chefa e disse:

— Mary é por vezes virtuosa nos elogios para com os funcionários, mas se pudermos medir eficiência por números, sim, eu sou a que mais trago títulos rentáveis da triagem para a gráfica. — de nada adiantaria a falsa modéstia, Dorah era madura demais para cair nelas.

— Minha primeira editora era uma mocinha com a idade próxima a sua... Qual a sua idade?

— Faço trinta e um daqui dois meses. — respondeu com relutância. Ela que gostava de fingir que os números de sua identidade mostravam quatro anos a menos. Fez uma promessa para si de que, para todos os defeitos, teria vinte e sete até que as rugas começassem a aparecer. Esse era um dos motivos pelo qual detestava os dias de Natal e Ação de Graças, a mãe a lembrava num prazer mórbido sobre seu tempo estar avançando e em breve a possibilidade de construir família ser apenas um sonho. A avó era ainda mais impiedosa, dizia que seu útero e suas sementes tão logo definhariam.

— Ela era um pouco mais nova que você então. — Dorah abanou a mão recheada de joias, e a frase enterrou a morena na poltrona como uma sentença — Essa minha editora tinha entusiasmo, perspicácia e risos fáceis. Por outro lado era quase machista, ao ponto de querer palpitar sobre minha vida sentimental. Que deveria construir um casamento sólido para elevar minha imagem perante a imprensa, parecia até minha mãe, que Deus a tenha. — nesse ponto, Hermione simpatizou com a autora.

— Dorah, aqui jamais vamos ditar o que você deve ou não fazer na sua vida pessoal. — Mary interviu no seu inglês nova-iorquino eloquente — Somos uma editora, não uma agência de namoros. E digo mais, uma mulher do seu status literário já não precisa mais destes subterfúgios ridículos para fazer mamães comprarem histórias para seus filhos.

— Gosto das minhas histórias. — rebateu.

Mary corou. Hermione viu a chefa, num divertimento mudo. Mary nunca se curvava para ninguém, era a última palavra, o ponto final e o martelo da justiça sobre todos os assuntos daquele andar. A chefona agora se curvara para algo, enfim; um montante verde de dinheiro agregado àquele contrato.

— Não foi bem... — chiou suas desculpas, mas Dorah a cortou com uma educação enregelada.

— Desculpe interrompê-la, Srta. Shermann, só que direcionei a questão a sua subordinada, não a você.

Outro tapa estralado e com dedos abertos dos anéis espalhafatosos e pesados no rostinho em pó compacto e base bege claro de Mary. Desta vez ela teve dó. Hermione viu que era sua vez de falar.

— Acho que qualquer mulher que tiver que depender de um homem pra droga que for está mesmo bem enrascada na vida. Talvez meu bisavô honrasse com suas obrigações com a família, com conforto, segurança, alimentação e esse tipo de coisa. Se as mulheres tiveram de se mexer, sair de suas casas, irem trabalhar, criar os filhos sozinhos e conhecer seus valores perante a sociedade, foi porque os homens começaram a ficar frouxos, como parte da natureza deles que é. Assim estamos e bem melhor ficamos, precisar se escorar em alguém do sexo masculino para promover imagem é retroceder. Nada além.

Ao terminar seu discurso delirante feminista olhou de soslaio para Mary e a viu fitá-la com olhos mortíferos. Logo, logo seria linchada em praça pública.

— Nem para abrir uma lata? — Dorah retrucou, seu rosto não transparecendo nada.

— Conheço uma técnica excelente com uma simples faca de cozinha para esse problema.

Então a sala rompeu na gargalhada potente e enérgica de Dorah. A mulher deu tanta risada que começou a ficar vermelha. Mary acompanhou em patéticos risinhos nervosos e o assessor riu mais alto que todas. Hermione notou pelos trejeitos do homem que ele não era bem o maior fã dos dotes anatômicos femininos.

Uma britânica excêntrica, uma chefa neurótica e um assessor gay. Sim, Hermione se saíra bem no meio daquela trupe!

Dorah recuperou-se do seu acesso de risos e pediu se era possível ficar sozinha com Hermione na sala. Mary teve de concordar, totalmente a contragosto e o homem saiu ereto como uma tábua, sem dizer nada. Uma vez sozinhas, a autora relaxou na cadeira, lançando um sorriso fatigado para a moça.

— Tá vendo o monte de puxa-sacos que tenho de aguentar? — resmungou sem esperar confirmação. — Estou farta disso. Onde quer que eu vá todo mundo fica empertigado, acumula estoques de risadas frouxas e adoram me dizer “sim”. Tem dias que acordo e acho que não sou eu no espelho, que deixei de ser uma humana e virei uma espécie de divindade temida. Você não sabe, e deve comemorar por isso, mas a fama e o dinheiro trazem coisas e levam outras, na mesma medida.

— Posso te tratar como trato minha ex-sogra. Se quiser, criamos essa clausula no contrato. — brincou a outra.

— É esse o espírito. — Dorah apreciou. — É casada, Srta. Granger?

— Graças ao bom Deus, não. — respondeu de imediato.

— Meu fraco são mulheres inteligentes, está me conquistando sabia? O que é? Andou estudando meu perfil e o traçando com aquela sua chefa neurótica?

— Experiência mesmo. — foi sincera, servindo-se de café em cima da mesa.

— Malditos homens. Eles vêm, nos levam tudo, o amor, a confiança, a dignidade... — a mulher rodou os anéis dos dedos enquanto exibia um semblante entristecido.

As frustrações amorosas da autora eram tão públicas como banheiros de shoppings, e a editora as conhecia muito bem. Dorah casara-se três vezes. Em todas elas seus maridos levaram vantagens. O primeiro fora antes da fama. Ficou com a guarda da sua primeira filha e boa parte dos bens. O segundo foi flagrado se engalfinhando aos beijos com uma modelo italiana. O terceiro era quinze anos mais novo que ela e tratou de subir na vida e se rodear de presentes, antes de abandoná-la.

Hermione tinha algumas histórias espinhosas em seus envolvimentos amorosos do passado também, entretanto, sua vantagem era de não precisar ver estampado na próxima revista de fofoca todos os detalhes do fim. Tivera um quase casamento e uma traição traumatizante. Hoje preferia evitar se lembrar dos dois.

— Srta. Vyrlant, quantas editoras ainda estão com a proposta em aberto com você? — ela interrompeu a melancolia da outra.

— Que me interessaram, apenas duas.

— Estamos entre essas duas, correto?

Dorah apoiou a mão no rosto e o cotovelo no braço da poltrona.

— Quer saber se vai conseguir comprar um carro esportivo, uma cobertura espaçosa ou um guarda-roupa na Europa, à custa da comissão do meu contrato? — confrontou-a.

Não havia meias verdades diante da criadora de Arthur Scott e os Feiticeiros do Oeste, portanto, usou a franqueza:

— Estou prestes a perder meu apartamento. Estou esperando um golpe de sorte, por assim dizer.

— Eu sempre adorei uma boa competição. Corridas de cavalo à bridge, não importa. Nunca acreditei em “todos ganham”, ou somos melhores que os demais ou não somos coisa alguma. É por isso que Annabelle — se referiu à filha mais velha — me detesta. Jamais entendeu porque ficava frustrada quando não era a melhor no balé ou a que tirava as notas mais altas da escola. Pressionei-a demais. Sou desse modo, nada posso fazer para mudar. Lembra que te disse que minha vida anda chata?

Hermione anuiu, posando a xícara de café vazia em cima da mesa.

— Ainda existem algumas coisas que me divertem e ela tem haver com essa sina das pessoas me vangloriarem. Darem a alma e sangue pelo meu dinheiro. Estava pensando como seria bom fazer as duas principais editoras de Nova York, que estão debruçadas sobre meu ombro feito urubus famintos, disputarem meu contrato.

A morena notou os olhos astutos de Dorah se prepararem para algo maligno. Quase prendeu a respiração para escutar a inglesa explicar:

— Quero te dar esse contrato, Srta. Granger, mas quero fazê-la trabalhar por ele. Melhor, iremos entrar numa coautoria.

— Estou ouvindo. — incentivou a editora, receosa.

— Estamos fartas do sexo masculino, nossas opiniões são sinérgicas nesse sentido. Será meu experimento e a ferramenta necessária para eu criar um livro completamente diferente, que tenho em mente.

— Srta. Vyrlant, está me torturando com tanto suspense.

Dorah ajeitou-se no assento, aproximando-se dela:

— Amanhã recebi um convite para esses shows pirotécnicos da Beyonce. A editora Bússola de Ouro me fez a gentileza. Lá, esperarei um rapaz chamado Ronald Weasley. Ele é a outra metade de você, que também quer ganhar meu contrato. Ouvi dizer pela diretora dele, de que este é um rapaz belo, inteligente e solteiro. Quero que o seduza.

— Seduzir? — Hermione ficou confusa.

— Ah, garota! Olhe seu corpo, olhe seu rosto. É perfeita e sensual. Quantos homens não suspiram de desejo por imaginarem tê-la enroscada embaixo dos cobertores deles?

— Nunca contei. — brincou a morena. Se contasse de cabeça, havia seu vizinho prestativo, um amigo de infância, o cara da padaria, o que levava para fazer a revisão do carro...

Hermione não se achava bonita, porém sabia que conseguia ser atraente em sua vaidade sobre medida e seu jeito expansivo de abordar os outros.

— E não é modesta. Os homens nova-iorquinos detestam as recatadas e humildes. Eles preferem as poderosas, já percebi. Está lançado o desafio, vai conquistá-lo... se quiser o contrato.

— Posso tentar. — respondeu ela, ainda incerta se gostaria de participar do desafio.

— Conseguirá. — sentenciou Dorah, resoluta. — A grande prova vem depois.

— Oh, não...

— Sabemos de cor e salteado como os homens são volúveis. As mulheres, normalmente, apressam mais esta fase deles. Desde quando os conhecem começam a meter os pés pelas mãos e fazer burrada atrás de burrada. Ligar obsessivamente, entregar-se ao sexo muito rápido, tornar-se pegajosa...

—...sentir ciúmes, privá-lo de sua intimidade, interferir na relação deles com os amigos, usar apelidos ridículos — Hermione foi completando.

— Exato, exato! — a autora pareceu empolgada pela conversa. — Primeiro quero que faça esse Ronald se apaixonar por você. Vai agir completamente ao contrário. Negará sexo o máximo que puder, será carinhosa, mas não pegajosa, demorará a ligar para ele. Melhor, fará ele ligar para você. Se comportará como a criatura mais irresistível do mundo nos primeiros dias desse relacionamento.

— Acho que estou entendendo.

— Nos outros dias agirá como todas agem. Nesse prazo ele vai ter que romper com você. A iniciativa terá de ser exclusivamente do rapaz. Acha que consegue?

— No fim de tudo o pote de ouro? — inquiriu-a pensando na assinatura do contrato.

— Tem minha palavra. — Dorah lhe estendeu a mão e ela a apertou.

Ao voltar para casa naquele dia, Hermione estava um pouco assustada por ter aceitado a proposta. Dentro do transporte público teve tempo de sobra para pensar na tal loucura e se teria iniciativa suficiente para mantê-la. Fez anotações mentais de ir ao cabeleireiro, comprar um vestido sensual e treinar seu lado femme fatale para conquistar seu concorrente. Ronald Weasley. Já ouvira falar dele, era eficiente, possuía faro profissional para bons contratos, e cairia matando em Dorah em busca de sua comissão. Nunca vira uma foto dele, logo, esperava que fosse pelo menos um tipo atraente para que valesse a pena os dias de farsa.

Entrou no apartamento, acendeu as luzes, descalçou os sapatos e andou exaustamente até a cozinha. Na geladeira um vinho de safra esmerada, guardado para alguma ocasião muito especial, esperava para ser aberto. Ela pegou uma taça de cristal no armário de cima e abriu a rolha lentamente, tornando o momento solene. Encheu sua taça, guardou a garrafa outra vez e saiu para sala. Parou em frente à varanda, abriu a porta de vidro, e caminhou indo debruçar-se na sacada. Arranha-céus imperavam naquela cidade de pedra. Dezenas de luzes, dezenas de vidas, de negócios e oportunidades. A oportunidade dela estava chegando, não iria desperdiçar. Hermione brindou com o ar e tomou um gole de quinhentos dólares.


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Notas finais do capítulo

Acho que já perceberam que Dorah Vyrlante é uma sátira (em alguns pontos) a nossa diva J.K Rowling. Gostaram?
E agora, como será a conversa entre Dorah e Rony? Será que ela vai jogar com ele também?
Até o próximo capítulo, queridos! :D



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