A Herdeira de Hécate escrita por Rocker


Capítulo 6
Capítulo 5 - Wind of Change




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A Herdeira de Hécate

The world is closing in
Did you ever think
That we could be so close, like brothers
The future's in the air
I can feel it everywhere
Blowing with the wind of change

Capítulo 5 - Wind of Change (Scorpions)

– E então, vai me contar alguma coisa sobre você? - perguntei, mexendo um pouco o canudo do meu milk-shake de morango.

Depois da aula - onde Kyle tentou me perturbar mais um pouco, mas Nico o impediu -, pegamos um táxi de Manhattan até o Brooklyn e fomos para uma sorveteria que ficava entre as ruas onde morávamos.

– O que quer saber? - ele perguntou, tomando um pouco do seu shake de chocolate.

– Você disse que era novo em Nova York... Por quê veio para cá?

Bebi um pouco do meu milk-shake; e gemi. Nico me olha com a sobrancelha erguida e os lábios franzidos, como se quisesse segurar o riso. E eu, como não sou nem um pouco maníaca, fiz exatamente o que precisava para vê-lo rir.

– Ai! - resmunguei, colocando a mão na cabeça e fechando um dos olhos. - Congelou tudo!

E valeu a pena no momento em que ele jogou a cabeça para trás e gargalhou. Uma risada gostosa, rouca e contagiante. E enquanto ele ria da minha cara, eu não pude deixar de analisar cada traço de suas feições aristocráticas. Traços fortes, um pouco mais firme que o comum para um garoto de dezesseis anos. Os cílios longos que dariam inveja em qualquer garota. As sobrancelhas grossas emoldurando perfeitamente seus olhos negros. Os olhos... Olhos profundos e misteriosos, que escondiam vários segredos e um olhar duro e frio, como garantia de que ele já passara por mais coisas do que eu sequer poderia imaginar. E tinha os lábios - finos e levemente avermelhados, emoldurados por duas maravilhosas covinhas.

Fiquei tão envolvida em meu torpor que mal reparei quando ele balançou a cabeça, como se não acreditasse no que eu tinha dito, e depois me analisou como eu o analisara. Então quebrei o silêncio, mas com uma frase tão idiota que no mesmo instante preferi ter ficado calada.

– Você tem covinhas!

Nico sorriu, fazendo as covinhas aparecerem, e eu corei. Ele se inclinou sobre a mesa e me olhou demoradamente.

– E você tem olhos lindos.

Eu arregalei os olhos e logo os desviei para a mesa tentando evitar que ele olhasse tão diretamente em meus olhos. Ele não poderia olhá-los tão diretamente. Ele não podia perceber que o escuro que via era a lente que encobria a perigosa oscilação entre o rosa envergonhado e o lilás nervoso.

– Mas você não respondeu minha pergunta. - eu disse, tentando escapar da situação embaraçosa.

Nico deu de ombros, antes de se recostar na cadeira e responder. - Me mandaram para encontrar uma pessoa.

– Quem te mandou? Sua família? - perguntei, confusa.

Ele parou por um segundo, analisando. - É, pode-se dizer que sim.

– E quem você está procurando? - perguntei, sentindo um nó na garganta e um aperto no peito.

– Ainda não sei. - ele disse. - Mas aos poucos eles vão mandando algumas dicas.

– Já tem alguma dica? - perguntei, bebendo mais um pouco do meu milk-shake para disfarçar meu nervosismo.

– Não, só a de que essa pessoa também estuda no nosso colégio. - ele disse, e eu logo levantei meus olhos para olhá-lo.

– Não seria mais fácil essa pessoa te encontrar? - perguntei. Não que eu quisesse que Nico me trocasse por qualquer outra pessoa.

Nico balançou a cabeça negativamente, e eu quase suspirei de alívio. - Ela não sabe que estou procurando.

– É ela? - perguntei, arqueando uma sobrancelha em dúvida.

Mas Nico deu de ombros, como se nem se importasse com esse detalhe. Mas eu me importava. Uma coisa pior do que perder Nico para alguém, era perdê-lo para uma garota. Mas eu não devia me sentir tão possessiva ou ultrajada... Devia? Bem, ele salvou minha vida e está se tornando um porto de ancoragem para mim. Era por isso que eu me sentia estranha assim, não era?

Resolvi então quebrar o silêncio incômodo que se formara.

– Sabe, eu estava pensando em arranjar um emprego, sabe, pra dar um jeito na minha vida. O que acha?

Nico parecia distraído com alguma coisa, mas logo me olhou e sorriu - aquele famoso e charmoso "tenho 32 dentes". Mas, claro, de um jeito completamente misterioso. E que, de algum modo, fez meu estômago embrulhar.

– Acho que tenho a opção perfeita para você.

Franzi o cenho, completamente confusa com o sentido de suas palavras. - Ahn?! - foi a única coisa mais perto de "o que diabos você quer dizer" que eu consegui dizer.

Nico não respondeu, só apontou para algo atrás de mim e eu finalmente entendi o que diabos ele quis dizer. Eu estava de costas para o balcão, então provavelmente eu não teria visto sem sua ajudar. Ali, no balcão, tinha uma placa, relativamente grande.

"Procuramos um funcionário para meio turno."

Parecia até mesmo uma ajuda que caiu dos céus e quase jurava ouvir uma vozinha soltando uma risadinha alegre no fundo da minha mente. Mas apenas arquivei como mais uma alucinação.

Virei-me para Nico, compartilhando-lhe um sorriso cúmplice.

~*~

E a vaga na sorveteria foi ocupada.

Por mim, claro.

Depois disso eu e Nico resolvemos ir embora. Sabe, de acordo com ele, eu já havia passado por fortes emoções por aquele dia e se houvesse mais alguma, que era bem capaz de eu ter um algum tipo de ataque cardíaco. Eu ri quando ele disse isso. Sarcasticamente, que fique bem claro. Mas acho que talvez ele queria só me acompanhar até em casa de novo. Hey, me deixa sonhar, okay?!

– O que foi, Anjo? Está muito distraída.

A voz de Nico me fez acordar dos devaneios, e só então percebi que ele me chamou por um apelido. Um apelido que nunca tive e que arrepiou cada milímetro da minha pele. E percebi outra coisa também. Nós já tínhamos chegado em frente ao meu prédio, e eu não tinha ideia de há quanto tempo já estávamos ali.

– Não estou, não. - eu jamais daria o braço a torcer.

Mas sabia que eu tinha deixado passar alguma coisa assim que vi um sorriso maroto se abrindo nos lábios de Nico.

– Distraída o suficiente para não perceber que chegamos tem quase cinco minutos.

Corei fortemente e andei rapidamente até o portão. Imaginava que a essa hora meu pai estaria num bar, enchendo a cara, como todos os dias. E eu não queria ficar sozinha, afogando na minha tristeza - como todos os dias. Então minha mente deu estalo, dando-me uma ideia completamente insana. Virei-me para Nico, ainda com a mão sobre o portão de ferro, e o vi me olhando de um jeito... diferente. Não soube identificar o brilho que surgiu em seus olhos, mas logo ignorei e resolvi colocar minha ideia em ação antes que minha consciência apitasse que eu era uma louca varrida. O que, eu acreditava, era.

– Você não... Ahn... Quer entrar? - corei novamente assim que as palavras escaparam da minha boca, e esperei por um sorriso cafajeste da parte dele.

O que realmente veio, mas logo ele percebeu meu rubor e acanhamento, e seu sorriso se tornou limpo e triste ao mesmo tempo.

– Medo de encarar seu pai, Anjo? - ele perguntou e eu neguei.

– Medo de encarar minha própria realidade sozinha.

Nico nada disse e me olhou profundamente. Assentiu, como se soubesse exatamente o que eu queria dizer, e me seguiu para dentro.


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