A menina no bosque escrita por Silva chan


Capítulo 3
O acordo




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A menina no bosque

''Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome. ''

–Clarice Lispector

Os grisalhos e lisos cabelos de aspecto macio e brilhoso, de cor não correspondente a idade e sim ao fato de ser um louro claríssimo de nascença. Os olhos escuros oblíquos, totalmente apáticos, com uma cicatriz na pálpebra esquerda. Lábios finos e rosados que não se destacam muito em contraste com a pele branca. Esse é o homem no qual ela pintava com toda sua minúcia e perfeccionismo. Este é o homem que a pouco conhecera e que é dono de seu refugio.

Concentrada demais para perceber o par de olhos fixos sobre si. Nova de mais para decifrar os olhares que lhe eram lançados. Recatada demais para um homem tentar seduzir sem empenho. Coberta demais para perceber os olhares repletos de segundas intenções. Mas parecia uma mulher extrovertida, dessas que alguns suspeitam de sua inocência, seu jeito de falar sempre contido com um ''que'' de escárnio sugeriam que ela muito da vida já sabia, mas a verdade lhe era contraria. Seu paradoxo era o que chamava a atenção dele, pois já estava tão presa a essência da garota que, às vezes lhe era impossível distinguir se ela era mesmo tão santa quanto se dizia. Como pode uma mulher com face tão inocente, aparentando ser uma criança, a exceção do corpo curvilíneo, ser tão madura, possuir um olhar carregado, pensou o homem.

– Qual a sua idade, dama Sem Nome?

– Nã- Não se pergunta a idade de uma mulher. Mas lhe direi, conto 16 primaveras.

– Já esta na idade de se casar.

– Meu pai crê que eu deva fazê-lo.

– Sabe quem será.

– Me- meu futuro é incerto.

– Apenas creia que teu marido aparecerá a qualquer minuto.

– Obrigada por consolar-me - o rubor se desfez e a gagueira se foi.

E assim mergulharam em novo silencio confortável. Ele observava-a e ela pintava-o, o tempo passava e o sol buscava desaparecer no horizonte. Ao olhar o tom abóbora do céu, a morena decidiu partir rumo a sua casa. Se foi rapidamente, condenando o grisalho a solidão por mais uma noite.

Estava entediado. A pequena menina não apareceu para fazer-lhe companhia, então resolveu ir pescar. Cravou a vara entre duas grandes rochas e subiu em um carvalho de copa espessa, que lhe proporcionava sombra, ar fresco e visão privilegiada.

Após um tempo, depois de pegar alguns peixes e solta-los novamente, ele resolveu ficar ali apenas por não ter mais nada para fazer. Observou uma moça se aproximar do rio. Ainda pequeno aprendeu que sempre que uma mulher se aproximasse de um rio, ele devia dar as costas e voltar outra hora. Abstendo-se da imagem. Mas há tempos não o fazia. A morena que agora erguia seu vestido é a mesma artista que invade sua casa. Já havia a surpreendido em um momento íntimo e dessa vez não seria diferente.

De início, apenas a pele cândida dos pés aos joelhos estava exposta. Mas o dia quente a fazia suar. Depois de analisar o local a procura de qualquer pessoa nos arredores, a moça despiu-se, ficando apenas com suas roupas de baixo, e entrou na água cristalina. Nadava de uma extremidade a outra sem se deixar ser levada pela correnteza. Subiu em uma pedra submersa e deitou-se nela, deixando apenas sua cabeça de fora.

Ainda sentado na árvore, o homem a admirava silenciosa e furtivamente. Observava com atenção cada curva dela. Cada parte do belo corpo que ela escondia com tanto afinco estava agora revelada e brilhava com os reflexos do sol na água. Devido a ausência de linhas esverdeadas sobre a pele, ele pode concluir que ela tinha hábito de se banhar ao sol.

Depois de um tempo, ela se levantou, secou-se e vestiu-se. Passou um tempo penteando o cabelo com os dedos e, após perceber que ele havia secado, ela o trançou e saiu andando mata adentro. O homem a acompanhava com olhar até que sua curva desaparecesse entre as plantas.

Decidiu ir para casa pouco depois da saída dela. Andou a passos arrastados, preguiçosos, com a imagem da moça no rio rondando sua mente. Chegando lá, ele deparou-se com ela desenhando, as mãos manchadas de carvão e o rosto também.

– Pensei que não viria hoje.

– E não vinha, não fazia parte de meu plano, mas preferi vir.

– Ainda fico pasmo com a liberdade que lhe é c-concedida.

– É um acordo com meu pai.

– Interesso-me pelo acordo. Pode me contar suas cláusulas?

– Se o senhor assim deseja- ela olhou-o desconfiada, porem logo relaxou-. Trata-se de um c-contrato assinado por am- ambos. Eu posso me refugiar sem companhia alguma para estudar, pintar e desenhar desde que meu p-pai possa escolher meu marido e eu me case antes dos 18 anos. Também devo aprender como ser uma boa e-esposa com minha governanta.

– Mas, dependendo do marido, ele pode não permitir que saia de casa.

– Por ...Por isso que o faço agora - ela sorriu-, também não permitirão que eu estude e o faço agora.

– Estuda sobre o que?

– Já li sobre Copérnico, Giordano Bruno, Sócrates e Platão. Aprendi matemática, três dialetos diferentes, historia, geografia e outras ciências. Possuo as tragédias de Sófocles na ponta da língua. Leio todos os livros de meu pai e, quando estamos a sós, debatemos sobre tudo que aprendi.

– Gosto de mulheres inteligentes. Reduz nossa solidão e as torna mais interessante. São absurdamente mais adoráveis.

– És diferente da maioria, então. A maior parte dos homens abomina a ideia de ter uma mulher que não sirva apenas para reprodução- ela comentou com amargura. Ele apenas riu.


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Notas finais do capítulo

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