A menina no bosque escrita por Silva chan


Capítulo 2
Capítulo 2




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A menina no bosque

Capítulo 2

''Aqueles que sonham acordados têm consciência de mil coisas que escapam aos que apenas sonham adormecidos.''

–Edgar Allan Poe

Ela estava num dos galhos mais resistentes de sua amada macieira. Em suas mãos há um caderno no qual desenha com necessidade. O desenho é o retrato de um homem belo, cabelos grisalhos de tão louros e com aparência macia e brilhante, pele branca sem muitas manchas, rosto de traços suave e fino, bastante elegante e admirável, os lábios finos receberam atenção especial ao serem retratados com a ponta do carvão.

A sua frente o homem que desenhava a olhava fixamente. Seus olhos intensos formigavam sua pele de tão intensos e expressivos. Ele estava sentado com as costas apoiadas no tronco, uma perna dobrada com o braço apoiado sobre o joelho e a outra perna pendia ao lado do galho que estava sentado.

–Por que me olhas tanto?

– Por que perguntas tanto?- rebateu em tom irônico.

– Talvez se não me olhasse tão fixamente por tanto tempo, eu falaria mais – ela o olhou e viu-o arquear a sobrancelha.

–Não posso te observar? És indigna de passar despercebida.

– Não gosto de atenção.

– Não gosto de não observar-te.

Ela continuou encarando-o por um tempo e soltou um suspiro de desistência, voltando a dedicar-se as imagens que nasciam nas paginas brancas. Sentiu a terra tremer e acabou deixando o lápis cair, pensou que estava ocorrendo um terremoto. O chão tremeu com maior violência mais uma vez e ela caiu, sendo segurada pelo homem. Mais um abalo e a dor do impacto contra o chão a acertou em cheio. Fechou os olhos fortemente para tentar suportar.

Abriu os olhos e percebeu que novamente estava em seu quarto. A dor em seu sonho não passava de uma dormência por passar a noite sem mudar de posição. Se levantou e foi sorrateiramente até a cozinha. Sentia um enorme vazio por reconhecer que não esteve na árvore junto ao homem.

O relógio da sala marcava meia-noite e quarenta minutos. Talvez ela pudesse ir até a casa no bosque e se refugiar lá. Seria arriscado e gostoso se arriscar. ''Talvez se eu for agora e voltar antes do nascer-do-sol, não seja pega'', pensou. Com a maior discrição possível, voltou ao quarto e vestiu uma roupa leve e descente, calçou uma bota fechada e confortável. Foi na cozinha e pegou uma das lanternas e um isqueiro, esperou para saber se alguém havia percebido que estava acordada e só depois de se certificar, ela saiu.

Caminhou no breu de início para não acordar os empregados ou chamar alguma atenção indesejada. Após atravessar a fronteira imaginaria que definia o fim das suas terrar e o início do bosque ela acendeu a lanterna e começou a andar tão rápido que quase corria pelo seu tão conhecido caminho. Em pouco tempo a imponente casa verde, com a tinta descascando e os vidros quebrados, surgiu a sua frente. Ela entrou no imóvel e subiu para o quarto que antigamente devia servir para uso de hospedes, mas que agora servia de abrigo para seu estoque de tintas. Com todo o material necessário a mão, subiu para o sótão e começou a pintar as telas.

Pintava em tal frenesi que não percebeu que aquele que antes dormia naquele quarto, acordou e passou a observa-la. Estava pintando o céu quando errou em uma das estrelas e se preparou para destruir tudo, mas foi impedida por mãos grandes e masculinas, sentiu um corpo colar-se ao seu, o topo de suas costas roçando o peitoral masculino, as mãos cobriram as suas e uma respiração calma e compassada se fez presente perto de seu pescoço, fazendo com que ela se arrepiar-se.

–Não destrua tudo. Basta cobrir a estrela com azul novamente e ninguém perceberá.

–Haverá mais camadas nesse ponto que no resto e isso destacará o canto defeituoso- ele riu baixinho-. Ora! Do que estás rindo, senhor?

– De ti, senhorita Sem Nome. Não percebe que basta passar este tom de azul- ele mergulhou o pincel na tinta-, sobre o erro – ele pincelou a tela-, dessa forma e passar essa tinta aqui- ele trocou de pincel e o mergulhou no líquido-, assim e pronto!

–Ficou... Perfeito!

Ele sorriu de canto novamente e se afastou. Reduziu-se a insignificância de mero espectador. Passou-se mais um tempo naquele silencio, ela pintando e ele observando. Ele comentou que o sol começava a marcar presença ao tonalizar o horizonte com a cor salmão, e ela, nervosa, limpou o rosto e braços com um pano úmido e pôs-se a correr rumo a sua casa.

A nevoa da manhã atrapalhava parte de sua visão, mas não a impediu de chegar em casa sem sujar a barra de seu vestido com terra. Tirou os enlameados sapatos e os carregou nas mãos, andando descalça a passos cautelosos pela madeira. Entrou no quarto pela janela, retirou o vestido e o colocou junto com a bota, no local destinado as roupas sujas. Novamente com a camisola ela se enfiou debaixo das cobertas e fingiu dormir.

Estava sentado no parapeito de sua janela olhando para os quadros espalhado pelo local. O sol brilhava fraco ao atravessar a densa névoa matutina, mas era suficiente para aquecer lhe as costas. Seu olhar se perdia nas inúmeras telas em preto e branco que realçavam uma única parte colorida, como na qual há uma casa, um jardim e o céu em uma escala de cinza, mas as tulipas vermelhas foram retratadas com todo o seu esplendor natural.

Um deles retratava uma moça loura, mulher retratada também em vários desenhos espalhados pelo local. Em outro, há um homem robusto e dono de uma beleza comum, sério e altivo em sua posição, foi pintado em diversas variações de sépia, mas toda a natureza comum do homem é quebrada pela cor que preenche seus olhos, a íris de coloração incomum, que varia entre a prata e o roxo, é muito próxima a da artista. Mas a que o homem mais se deleitava ao analisar é um autorretrato da pequena, seu olhar sereno fixo no horizonte, o cabelo preso em uma trança desleixada e a postura totalmente relaxada, com as postas apoiadas no tronco imponente de uma árvore, os pés nus e enlameados pendendo para fora do penhasco em que ela está.

Soltou um suspiro pesado e começou a zanzar pelo casarão. Foi olhando os moveis velhos e corroídos por cupins, as paredes com mofo e infiltrações, a tinta manchada e descascada, os lençóis sujos que cobrem o sofá há muito devorado por traças e o piso rangendo. Saiu e se deparou com o que um dia já foi um belíssimo jardim, mas agora não passa de um monte de ervas daninhas, heras e gramíneas não aparadas, planta não podada, um poço com o muro quebrado e uma roseira próxima da morte devidos as inúmeras trepadeiras.

– Esse lugar precisa, definitivamente, de uma boa reforma- declarou para o vento.

Entrou e foi direto para o porão. Lá encontrou sua caixa de ferramentas e a subiu para o térreo, tirou a blusa e começou a arrastar a velharia para fora do lugar, desmontando armários e estantes. Esvaziou a casa quase por completo, pôs os sofás, os moveis, as camas e os tapetes no jardim. Depois de fazer isso até ficar exausto, ele tomou banho e se arrumou, montou seu cavalo e rumou para a cidade. Encontrou seu amigo e começou a conversar com ele sobre a necessidade de reformar seu lar.

– Melhor derrubar e construir outra no lugar- o amigo dizia, mas o outro discordava.

– Aquelas paredes contam historias e delas não posso me livrar.

Depois de muito debater chegaram a um consenso. A estrutura será a mesma, com suas fortes vigas, as paredes serão refeitas, ou concertadas, ou mantidas. Tintas serão compradas para colorir o imóvel e o piso de madeira receberá o devido tratamento, os encanamentos serão de ultima geração e os móveis, em sua maioria serão reformados, com exceção de alguns que resolveram livrar-se. Ao fechar negocio, voltou para o seu pedaço de terra.

Adentrou o lugar sem receios e foi engolido por uma intensa nostalgia. Lembrava-se de seu doloroso passado, que fora testemunhado por aquelas mesmas paredes frias. Paredes essas que lhe sussurram lembranças tingidas de carmim, que guardam segredos e observaram erros. Sentado na sala com uma garrafa de whisky na mão e os olhos fixos no nada, nem percebeu que era minuciosamente observado. Perdido em suas angustiantes memórias, não poderia dizer com exatidão quando a moça chegou ou o porque dela não tentar chamar sua atenção, anunciando sua presença.

– Há quanto tempo estás aí a me observar?

– Cheguei a um par de horas- ela ruborizou-. Percebi que o senhor estava muito distraído, então não ousei interromper seus agradáveis pensamentos.

– Não o faça, é deveras vergonhoso ser pego alheio ao mundo e ser repreendido pelo ato de pensar.

– Não o farei, se assim desejas.

– O que a leva a me observar durante todo esse tempo, senhorita?- novamente corada, ela sorriu minimamente.

– Tomei a liberdade de desenha-lo, mas se não o quiser, posso queimar a folha.

– Não há necessidade.

– Posso tomar a liberdade de lhe perguntar qual a origem de teus pensamentos?

– Não há problema algum em faze-lo- ele a encarou-. Sente-se ao meu lado- ela obedeceu-. Lembrava-me da época em que aqui residi.

– Eras tu o antigo dono?

– Sim, pequena menina, esta terra me pertence.

– Lembra-se então, da ultima vez que aqui residira.

– Decerto, o fazia.

– Deixarei que continue a pensar, senhor. Irei pintar no andar superior- ela fez uma leve reverencia e subiu, a escada rangia a cada passo.


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Notas finais do capítulo

E então? Alguém gostou?



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