A Guerra dos Imortais escrita por Cora, O Raposa, Camille M P Machado, PinK Ghenis, Mr Viridis, Mr Viridis, Julia, H M Stark, SuzugamoriRen, Joko


Capítulo 17
Capítulo 17 - Susan


Notas iniciais do capítulo

Hey, meus leitores queridos. Para quem estava esperando, Susan está de volta! Peço desculpas pela demora, era para ter postado semana passada, mas tive alguns probleminhas de saúde que me impediram. Mas aqui está, antes tarde do que nunca :). Espero que gostem



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O sabonete líquido estava a poucos centímetros de seus olhos, Susan fitava-o com espanto.

— Como isso é possível? — Pensou alto.

— São os seus poderes.

A jovem fitou o espelho logo atrás do objeto, a fonte da voz que ouvira. Se não tivesse olhado com atenção, juraria que era apenas seu reflexo e que estava ouvindo coisas, porém já tinha visto coisas estranhas demais para acreditar nisso. Percebeu que estava diante de si mesma, mas não de qualquer reflexo, era uma versão mais velha e com um olhar desprovido de brilho.

— Poderes... — Repetiu ela voltando a fitar o sabonete, o qual flutuava até a altura de seus olhos a poucos centímetros de sua face. — Então sou eu...?

— Sim, e em breve poderá fazer muito mais do que levitar alguns objetos pequenos.

— Alguns? — Ela olhou de volta para o reflexo no espelho, confusa.

Ao olhar a superfície refletora, ela percebeu o que a deusa queria dizer. Virou-se para trás e viu vários pequenos objetos levitarem como o sabonete líquido, por todo o banheiro, sala e quarto. Em outrora, acharia que tudo aquilo não passava de delírios de uma mente doentia, mas agora... Parte dela rejeitava aquele novo mundo, a outra queria acreditar que tudo aquilo era real. Uma guerra se iniciava dentro de si.

Onde a realidade acaba e a fantasia começa? Susan não fazia ideia, tudo o que sabia era que seus conceitos estavam sendo testados e elevados ao limite.

— Você tem um dom natural para a magia, Susan. É a mais poderosa que eu já conheci. — Ouviu Hécate dizer, mas não deu muita atenção.

Enquanto se afundava em pensamentos conflitantes, mais objetos, um a um, levitavam como se todo o ar do lugar tivesse se transformado em líquido e eles estivessem boiando a mercê das correntes de ar. Contudo, uma batida violenta na porta de seu quarto a despertou, em um susto, de seus devaneios e fez todos os objetos caírem no chão, provocando um estrondo.

— Susan? — Eleonor gritou receosa do outro lado da porta, batendo com ainda mais força. — Ouvi barulhos... Você está bem, querida?

— Estou — respondeu Susan abrindo a porta. Eleonor entrou no mesmo instante, preocupada.

Ela examinou cada centímetro do quarto de Susan com os olhos, o qual estava todo revirado. Os preciosos livros da menina estavam todos espalhados pelo chão, alguns abertos e outros fechados; objetos de decoração estavam por todo canto, muitos espalhados pelo chão, outros, ainda, quebrados... Tudo parecia fora do lugar ou quebrado, mesmo os móveis mais leves.

— O que aconteceu aqui? — Indagou Eleonor.

Susan abriu a boca para responder, porém a fechou na mesma hora quando deu uma boa olhada nas condições do quarto. Como poderia explicar que ela bagunça toda foi causada porque ela deixou tudo cair enquanto os levitava? Como explicar algo que, supostamente, não existe?

— Eu estava procurando uma coisa — mentiu.

— Encontrou o que procurava?

— Não...

Eleonor arqueou uma sobrancelha e virou-se para Susan.

— O almoço será servido em alguns minutos. Em duas horas você tem uma consulta com seu psicólogo. — Ela deu alguns passos em direção a porta, mas parou antes de atravessá-la e virou-se para olhar o quarto mais uma vez. — Vou mandar alguém vir arrumar essa bagunça.

— Obrigada.

Susan fechou a porta logo que Eleonor se afastou da porta. Então, apoiou-se na porta e suspirou.

Isso tudo é loucura, pensou enquanto olhava para as coisas fora do lugar em seu quarto, e, então, retirou-se para seu banho.

O sol ainda estava terminando sua corrida pelo céu quando Susan chegou e viu todas as luzes acesas. Ela entrou e se deparou com um cenário bastante incomum: a casa parecia estar deserta. Estranhou, pois, apesar da casa ser grande, havia muitos empregados que circulavam por todo canto limpando-a dia e noite. Entrar e não ter alguém esperando por ela nunca acontecera em seus dezoitos anos de vida.

— Eleonor? — Sua voz ecoou pelas paredes vazias, provando o que já sabia, não havia ninguém em casa. Uma aflição se instaurou dentro de si. Teria acontecido alguma coisa?

Ela continuou caminhando pelos corredores e entrando de cômodo em cômodo a procura de alguém, sem sucesso. Passou a correr, ao invés de andar, e arfar enquanto vasculhava cada canto. A sensação de estar sozinha naquele lugar a apavorava e sufocava.

Uma voz, a princípio indistinta, ao fundo, em algum lugar distante, a fez ter alguma esperança. Ela correu se aproximando do ponto de onde vinha a voz, a qual fora se tornando cada vez mais nítida e ela reconheceu, mesmo não estando perto o bastante para entender o que falavam. Eram duas vozes femininas, uma de sua avó, Mary, e outra de Eleonor.

Conforme se aproximava, conseguiu ouvir pedaços da conversa. As duas pareciam discutir sobre alguma coisa com suas vozes alterada. Porém, só conseguiu descobrir sobre o que quando se aproximou o bastante da porta do cômodo onde estavam para ouvir toda a conversa.

— Olha só o que você fez, Eleonor — gritou Mary. — Essa sua mania de protege-la de tudo só a está estragando.

— Susan não é uma boneca que você pode usar a seu bel prazer — rebateu Eleonor com desprezo.

Ela parou a um passo da porta. Estão falando de mim? Perguntou-se e ficou tentada a ouvir o restante da conversa, então se escondeu atrás da parede de onde não a veriam em nenhuma parte do cômodo.

— Não. Ela é a realização de todos os nossos desejos, de todas as nossas ambições.

Suas ambições — corrigiu Eleonor.

— Você concordou com tudo isso quando aceitou carregá-la em seu ventre — Mary rosnou de volta antes de voltar à compostura.

— O quê? — Antes que pudesse perceber, Susan se colocou na frente da porta, que estava aberta, e se fez visível. O choque daquela informação a deixara sem cor em sua pele.

— Susan! Você...

— Eu ouvi tudo — cortou a menina enquanto adentrava o cômodo: um grande escritório com várias estantes, uma escrivaninha, um sofá e algumas poltronas. Ela se sentia como se tivesse sido apunhalada pelas costas.

Eleonor, por outro lado, estava assustada com a presença de Susan e sua declaração.

— Então toda a minha vida foi uma mentira? — Perguntou Susan.

— Elizabeth era uma incompetente... — Começou Mary antes de ser cortada e sua irritação aumentar.

— Mary, não, por favor — implorou Eleonor. Lágrimas começaram a se acumular em seus olhos e escorrerem lentamente pelo rosto. — Ela não precisa saber desta forma.

— Você já a protegeu demais, está na hora dela saber a verdade — bradou Mary, que andava de um lado para o outro, visivelmente alterada.

— Deixe-me con... — Eleonor tentou dizer em vão.

— A mulher que você pensou ser sua mãe era estéril e uma incompetente — continuou Mary, ignorando completamente o que Eleonor dizia. — Ela não foi capaz nem de me dar uma neta, então precisei intervir. — Apesar da idade, Mary se movia com o vigor de um uma mulher jovem.

— Então...? — Ela olhou para a governanta e depois de volta a Mary.

Mary anuiu. Susan olhou de volta para a mãe, sem saber o que dizer ou o que pensar. Lágrimas teimosas escorriam pelo rosto dela enquanto um nó se formava na cabeça da menina.

— Susan, minha menina, eu...

Eleonor se aproximou, com os braços abertos, da menina, que reagiu com um passo para trás. Susan percebeu, com certa melancolia, a tristeza que sua reação causara em sua mãe, mesmo quando tentou disfarçar.

— Você e meu pai... — Sua voz falhou por um instante, sentia-se estranha só de pensar na possibilidade. — Eram amantes?

Olhando-a agora, até que conseguia notar algumas semelhanças, como o formato do rosto ou a cor dos olhos. Também tinham a mesma altura. Mas ainda era muito difícil de acreditar que tudo aquilo fosse verdade, apesar de que agora algumas coisas faziam sentido na cabeça dela.

Por tantos anos se perguntou porque Eleonor nunca tinha se envolvido com alguém ou porque nunca quis formar uma família. Ela sempre se dedicou tanto à Susan e foi como uma mãe para ela porque, na verdade, ela era sua filha, sua família.

— Não, querida, nunca tivemos nenhum envolvimento. Sua concepção foi através da ciência.

— Você quer dizer reprodução assistida¹?

Eleonor balançou a cabeça afirmativamente.

Susan recuou mais um passo. Ela gostava de Eleonor, gostava de verdade, e descobrir que ela era sua mãe verdadeira poderia até aumentar o sentimento que já tinha. Mas naquele momento, a única coisa que sentia era que estava sufocando com aquela enxurrada de informação. A necessidade de sair dali e respirar se tornava cada vez maior. E foi o que fez, correu em direção à porta. Contudo, esta se fechou em uma batida forte antes que pudesse cruzá-la.

— Onde pensa que vai, mocinha? — Inqueriu Mary.

— Sair daqui. Não é óbvio? — Ela agarrou a maçaneta da porta e a girou para abri-la. Girou a maçaneta de novo, e de novo e depois a chave, sem sucesso. A porta estava estranhamente trancada.

— Não, não vai.

Uma força puxou a menina até uma poltrona. Esta, por sua vez, moveu-se até o centro do escritório, deixando-a atônita e de olhos arregalados. Como aquilo era possível?

— Depois de tudo o que fiz para chegarmos até aqui, você não irá simplesmente embora, menina! Ainda temos muito o que conversar.

Eleonor tentou partir em defesa da filha, porém Mary foi mais rápida. Mary criou uma parede de ar que a empurrou para um dos cantos do cômodo enquanto uma placa invisível a amordaçava e correntes, também invisíveis, enrolavam-se por todo o corpo, deixando-a incapacitada de se mexer. Ela se remexeu o chão, lutando contra as amarras em vão.

— Sabe qual é o seu problema, Eleonor? — Mary a olhou com desprezo, sentada em uma poltrona do outro lado do escritório. — Você é fraca. Nunca teve coragem para fazer o que era preciso. Sempre foi uma boneca inútil.

As correntes ao redor da mulher se apertaram, fazendo-a grunhir de dor para o divertimento de Mary. Susan se remexeu na cadeira, mas também não conseguia se mexer. Era como se todo o seu corpo do pescoço para baixo estivesse paralisado por algum tipo de feitiço.

— Não gaste suas energias atoa, querida. Eu me garanti para que não pudesse se mexer ou mesmo usar sua magia.

— O que você quer? — Rosnou Susan.

— Eu quero que fique ao meu lado, Susan. Se ficar ao meu lado, poderá ter o mundo aos seus pés. Ao meu lado, farei de você a bruxa mais poderosa deste mundo, será a minha sucessora. Pessoas como Roger nunca mais irão te incomodar e ameaçar novamente. Poderá ter tudo o que quiser, minha neta. O que me diz?

Susan a olhou de soslaio. O que dizer de sua avó? Aquela Mary a sua frente era uma pessoa completamente diferente da avó gentil que conhecia. Parecia outra mulher, uma amarga e ambiciosa.

Ela se perguntou se a avó que conhecia existia em alguma parte de seu âmago ou se era tudo mentira.

— Minha resposta é não — respondeu sem nem pensar duas vezes —, apesar de que não acredito que ela tenha alguma relevância, visto que você me prendeu nesta poltrona.

— É uma pena. — Susan notou a decepção e a tristeza tomarem conta do olhar e da voz de sua avó. — Eu até que gostava de você, minha neta. É inteligente e determinada, me faz lembrar de mim mesma quando tinha a sua idade.

— Eu não sou como você — rosnou novamente, cerrando os dentes. Tentou cerrar os punhos, mas, ao invés disso, conseguiu apenas mover os dedos por alguns milímetros.

— A vida se encarregará disso, querida. Quando não tiver mais ninguém; quando a vida te tirar tudo; quando ver todos os que amam morrer, um a um, e continuar viva, você será exatamente como eu. É só uma questão de tempo. Tentei fazer do modo fácil e te poupar deste destino, mas como recusou minha oferta, faremos do modo difícil.

Susan escutou os gemidos abafados de Eleonor, que aumentavam à medida que as correntes invisíveis apertavam seu corpo com mais força. Tentou se remexer na poltrona, uma tentativa inútil que não deu em nada.

— Desista, querida. A única forma de salvar sua mãe é aceitando minha proposta. — O tom de voz de Mary passava tranquilidade. Ela estava convicta de que havia ganhado a guerra.

— Por que a envolver nisso?

— Porque ela é um meio de te controlar. Você é apegada demais à ela. Até onde iria pela vida dela?

Mary retirou a amarra da boca de Eleonor e apertou as correntes, fazendo-a gritar ainda mais alto. Aquilo soou como uma tortura para Susan, que não sabia o que fazer. Mary já tinha chegado até aquele ponto para conseguir o que queria, não havia nenhuma garantia que aceitar sua oferta libertaria Eleonor das mãos da avó, pelo contrário, as possibilidades de se tornar refém dela para sempre eram altas. Porém, pelo menos ainda continuaria viva.

— Se a matar, nunca terá o que quer de mim. — Tentou ganhar.

— Você que se engana, querida, há várias formas de controlar uma bruxa destreinada.

— Deixe-me... morrer... — Arfou Eleonor entre gritos de dor. Lágrimas escorreriam por seu rosto e se acumulavam no chão, onde uma pequena poça se formou.

— Cale-se — Mary ordenou em fúria e a amordaçou novamente.

— Não! Eu me recuso a descobrir que minha mãe está viva e perdê-la no mesmo dia. — Um ódio cresceu dentro de si. Em parte por não saber o que fazer, em outra por nunca ter percebido quem sua avó era de fato. Talvez, se tivesse descoberto sobre os poderes há mais tempo, não teria acabado daquele jeito. Mas ela sequer podia controlar sua magia...

Você é mais forte do que isso, concentre-se, encorajou a voz em sua cabeça dizer.

Ela seguiu o conselho da deusa e se concentrou. Com os olhos fixos em Mary, primeiro tentou quebrar as amarras de Eleonor, o que se mostrou bem difícil no início. Tentou imaginar as correntes se partindo e a amordaça se dissipando, mas nada parecia fazer efeito. Nada do que imaginava funcionava.

Então algo mudou, uma sensação estranha percorreu por todo seu corpo. Sentiu uma energia percorrer por suas células como a eletricidade percorria um cabo de energia. Sentiu o ar ao se redor vibrar e se aquecer até tornar a sala quente demais para uma noite de outono na Inglaterra. Pôde ouvir o pulsar dos corações de todos, inclusive dela, em sua cabeça enquanto todo o resto ficava mudo.

Então ela viu, em sua cabeça, uma pequena corrente de ar. Viu todos os elos que a compunham. E, para quebrá-lo, ela sabia o que tinha que fazer. Aqueceu ainda mais o ar até que uma chama, visível apenas em sua cabeça, aparecesse e consumisse todo aquele ar, como um monstro engolindo sua presa de uma única vez.

Ela ouviu um estalo que a trouxe de volta para a sala onde estava bem a tempo de ver um anel de sua avó quebrar e queimar a carne onde estivera. O objeto caiu, esfarelando-se durante a queda até restar apenas as cinzas levadas pelo vento. As amarras entorno de sua mãe se dissiparam, libertando-a.

Mary se levantou em um impulso e susto, porém Susan não a esperou dizer alguma coisa. Concentrou todo aquele poder que percorria seu corpo para impedir a avó, e uma guerra invisível se iniciou entre elas.

Eleonor se sentou no chão, apoiando as costas na estante, e assistiu a tudo sem forças para fazer alguma coisa.

Susan apertou os dedos nos braços da poltrona, arranhando-os com suas unhas, enquanto se concentrava em uma única coisa, em um único barulho, o pulsar daquele débil coração. As luzes de toda a casa piscaram e depois se apagaram após uma pequena explosão, deixando tudo no escuro. Em seguida, a luz daquele aposento acendeu novamente, apenas com a metade da fase, enquanto o resto continuava na escuridão. Mary tentou lutar e conter aquele poder, mas aquela era uma guerra a qual ela não tinha chances.

Não demorou muito para que Mary sentisse uma forte dor no peito e, em seguida, uma falta de ar. Ela se segurou no braço da poltrona com uma mão ao mesmo tempo em que apalpou o peito com a outra. Sentiu uma dor sufocante e excruciante forçá-la se abaixar até restar apenas o chão frio, onde deitou e tentou desesperadamente inflar os pulmões, em vão.

Ela olhou para a neta uma última vez e um sorriso se estendeu por seu rosto.

— Você é exatamente como eu, Susan. Sempre fará o que for preciso para conseguir o que quer.

Ouvir aquelas palavras a fez perder a concentração. Seus olhos ganharam novamente vida e brilho, as mãos sangrentas soltaram a poltrona e sua expressão séria relaxou. Os dedos doíam onde as unhas haviam quebrado e farpas de madeira havia cortado.

O que estava fazendo?, pensou. Mas um pouco e teria matado sua avó, que inspirava com força e tossia.

— Não — respondeu, a voz ríspida e sem emoção —, não me tornarei alguém como você. Por isso eu te amaldiçoo, Mary Blair. Você viverá. A partir desde momento, você viverá eternamente aprisionada no corpo de uma mulher idosa, sem ser lembrada, sem ser reconhecida, sem ter dinheiro, sem casa, sem nada. Vagará neste mundo como uma ninguém até que todo o mal que causou às pessoas seja pago na mesma moeda. E quando a sua dívida for paga, apenas a morte lhe aguardará. — Susan se levantou de sua poltrona e estendeu sua mão à avó. Uma luz negra desprendeu do corpo enrugado de Mary e se dissipou no espaço entre elas. — Seu corpo nunca mais sustentará e produzirá magia novamente.

Mary tentou enfeitiçar novamente Susan, mas nada aconteceu para o espanto e raiva da idosa.

— Você não pode fazer isso comigo, menina! Eu sou a sua avó, eu criei você. — bradou.

— Adeus, vovó.

Em seguida, um buraco sem fundo se abriu embaixo de Mary, onde foi sugada até desaparecer. O buraco se fechou logo depois. Susan o fitou por um momento, triste e confusa. Não como quando encontrou Hécate pela primeira vez em seu sonho. Naquele momento, a deusa forçou muitas memórias de uma vida passada para que voltassem todas de uma vez, fragmentando sua mente. O que Mary fez foi retirar seu chão e deixá-la mergulhar em um abismo sem fim. Tudo o que acreditava ou o que achava ser verdade sobre sua vida não passava de uma mentira.

Caminhou até a porta, parando a dois passos dela. Olhou para o lado e viu Eleonor dormindo sentada. Seu corpo estava cheio de escoriações e hematomas, mas iria viver, para o alívio de Susan.

— Nem tudo foi uma mentira, Susan — sussurrou Eleonor. — Richard e Elizabeth te amaram e te protegeram até o fim. Você sempre foi a filha deles.

Susan não respondeu, ao invés disso, estendeu a mão para a mãe e a transportou para o quarto com a magia. Atravessou a porta e seguiu para a entrada da mansão, caminhando em silêncio.

Muita coisa havia acontecido naquela noite e ela precisava pensar em tudo aquilo. Precisava respirar ar puro e sereno, como o da clareira que gostava de ir para pensar, para onde ela se dirigiu. Arrastou seu pequeno corpo para dentro da floresta particular, em algum ponto qualquer, e desabou na terra sem forças para se levantar novamente.

O que fará agora?, Hécate perguntou em sua cabeça.

— Eu não sei — respondeu com sinceridade, as primeiras lágrimas caindo de seus olhos. Ela olhou para o céu estrelado, ainda deitada na terra. Aquela era a última noite de lua nova.

Há uma coisa que preciso te mostrar.

Não perguntou o que, apenas deixou que as imagens viessem a sua cabeça.

Primeiro viu duas pessoas conversarem sobre ela, um homem alto e de aparência asiática e uma mulher bonita de olhos negros. Nyx e Thanatos, ela soube de imediato. Eles conversavam sobre lhe fazer uma visita.

Em seguida, a imagem mudou. Os dois não estavam mais falando dela. Estavam ocupados demais trocando amassos e carícias em cima da mesa.

A imagem mudou novamente, e dessa vez não havia mais pessoas. Nada de Nyx ou Thanatos. Havia apenas destruição para todos os lados em que Susan olhava, escombros sobre escombros se espalhavam por todo o lugar, árvores estavam caídas, trilhas e ruas destruídas. Água se empoçava em cada canto como se um furacarão houvesse passado por aquele lugar e tivesse devastado tudo.

Então a imagem desapareceu e ela acordou, de sobressalto, na floresta. O coração palpitava com força em seu peito, a destruição ainda viva em sua memória. Um arrepio percorreu seu corpo afugentando o calor e a cor de sua pele. Levantou-se e se encaminhou de volta para casa, sabia exatamente o que deveria fazer.

Susan olhou para o lago a sua volta e apreciou o clima agradável. Com apenas uma estreita ponte de madeira bem decorada e iluminada como acesso ao coreto, ela estava cercada por um bonito e grande lago onde peixes, patos e outras aves selvagens faziam de sua morada. Não muito distantes das margens, uma floresta se fazia presente com suas majestosas árvores. Era bonita a paisagem, uma das melhores de sua propriedade.

Depois olhou para uma pequena e bem arrumada mesa a sua frente e suspirou. Havia três cadeiras dispostas de maneira simétrica ao redor da mesa, sendo apenas duas vazias, e uma xícara de porcelana para cada uma. No centro estava um bule que exalava o aroma adocicado da camomila e um pote com cubos de açúcar, tudo pertencente ao mesmo jogo de chá.

Olhou novamente para o lago quando algo lhe chamou a atenção. Mesmo sem uma brisa, a água se agitava ao redor do coreto, assustando pássaros e peixes que fugiram ou se refugiaram no fundo do lago. As árvores também iniciaram sua dança na floresta e criaram uma nuvem de poeira ao redor do lago.

Ela sorriu, sabia que seus convidados estavam chegando.

Não demorou muito e um redemoinho de fumaça negra se formou não muito distante da mesa onde estava sentada. Duas pessoas, um homem alto de feições asiáticas e uma mulher cujos olhos lhe faziam lembrar a própria noite, saíram antes da névoa se dissipar atrás deles.

— Eu ainda não me lembro muito sobre o meu passado, mas me lembro de você, Nyx a nascida do caos, a primeira a andar neste mundo após o caos, a domadora de homens e deuses, a deusa da morte, a rainha do mundo das trevas, a soberana da noite e também a minha mãe¹. E você — ela olhou rapidamente para o homem ao lado da imponente mulher —, suponho que seja Thanatos. Sabia que viriam, estava aguardando-os.

— O mensageiro da morte e líder da maior seita de assassinos... — O deus de aparência asiática sorriu e ajeitou seu terno antes de sentar-se defronte à bondosa anfitriã. — Ao seu dispor...

— Susan — ela pronunciou lentamente, o nervosismo da jovem a sua frente era quase palpável. — Finalmente.

— Espero que estejam servidos a me acompanhar em meu chá. — Ela indicou para que Nyx sentasse na cadeira vaga.

Nyx sorriu graciosamente e sentou-se ao lado de Susan

— Estamos aqui para lhe oferecer um acordo, filha.

— Que tipo de acordo? — Indagou entre um gole e outro de seu chá.

— Desastres se aproximam. — Ela olhou para Thanatos por alguns segundos. — Não queremos que uma das nossas esteja à mercê disso, especialmente você, Hécate. Nós queremos você conosco.

A simples menção a palavra desastre fez Susan estremecer. A imagem de destruição continuava viva em sua mente e martelava como um sinal de aviso.

— Desastres acontecem todos os dias. — Tentou disfarçar sua inquietação com um tom de voz ameno.

— Mas não como o que acontecerá — disse o deus, saboreando tranquilamente o chá, e fazendo o que sabia de melhor: observar. — Nós temos um plano, e nele você está inclusa. Você pode ser a chave para a reconstrução do mundo, se ficar no nosso lado. O que é um desastre se não a habilidade alheia a se erguer? Conosco, podes controlar tal ressurreição. Não seria algo inteiramente de seu agrado?

— Você poderia controlar seus poderes. Teria o equilíbrio.

Um brilho surgiu em seus olhos quando ouviu a palavra "poderes", mas logo se apagou. Ansiava por respostas e por controle daquilo que um dia poderia ferir quem amava, porém sabia, por experiência, que nenhum caminho fácil era o melhor.

— Engraçado, vocês falam em ressurreição antes mesmo da suposta destruição. Falam com tanta certeza de que acontecerá que até parece que serão os culpados — disse e, em seguida, bebeu um gole de seu chá.

— Susan, não existe somente nós três espalhados pelo mundo — Thanatos manteve a elegância que aprendera ao subir na vida —, existem outros deuses. Enquanto lutas para manter o controle, tem alguns que já o perderam e recuperaram-se somente depois do estrago feito. Um exemplo do que pode está por vir. Uma faísca e o estouro ocorre e cidades podem ser destruídas. Quer você ser essa faísca? Ou quer você aprender a controlar o que existe dentro de você? Podemos lhe dar isto. — Ele fitou Nyx de maneira condescendente.

— Olimpianos nunca gostaram de submeter-se uns aos outros. Eles estão acordando. Eles vão buscar o poder e tentar destruir uns aos outros. Nós não somos assassinos, Susan — Nyx sorriu docemente para ambos. — Só queremos manter os nossos em segurança.

Assassinos, ela repetiu mentalmente como se a palavra tivesse algum tipo de poder.

Sua mão tremia levemente enquanto tentava levar o último gole de seu chá à boca, apesar de todos os seus esforços para se manter calma. Ela repousou sua xícara de porcelana que pertencera a sua família por gerações com cuidado na mesa e fitou Thanatos por um momento, reparando os detalhes asiáticos de seu rosto pela primeira vez, enquanto ele caía inconsciente com a cabeça sobre a mesa.

Após estar feito o feitiço, voltou a fitar Nyx.

— Deveria eu acreditar em tais palavras enquanto este homem lidera uma guilda de assassinos e você se vende para ter o apoio dele?

— A morte é natural, Susan. Nem mesmo a força de seu irmão fez com que ele pudesse escolher um receptáculo, cada um dos deuses teve um período obscuro, não culpe Thanatos por estar presente no corpo de um humano tão... Inusitado. — Nyx partiu em defesa do filho, sabia que a reputação de Park não era das melhores.

— E ainda sim você vendeu seu corpo a ele. — Susan só conseguia sentir nojo de tal ideia. Mesmo que o corpo de Park não tivesse nenhuma ligação genética com Nyx, a ideia de uma mãe se permitir ir para cama com o próprio filho lhe causava horror e náuseas. — É assim que você ajuda os seus? — A tranquilidade que tentava manter em sua voz desaparecia pouco a pouco.

— Quando isso acabar, você vai preferir a ajuda que tanto despreza. — Nyx se levantou com calma, a raiva de Susan era só um dos indícios de sua personalidade conflituosa. — Você não precisa decidir agora, mas também não demore muito. — Ela voltou a olhar para Thanatos. — Creio que é hora de irmos, filho.

— Eu não posso fazer parte disso... Enquanto Park for um assassino. Não quero machucar ninguém — seu tom de voz diminuiu conforme pronunciou as últimas palavras até quase chegar a um sussurro ao mesmo tempo em que uma das xícaras em cima da mesa explodia em vários pedacinhos.

Thanatos se levantara, não entendendo o porquê ele fora posto para dormir, porém compreendendo a situação em que estava. Susan era uma idealista, uma princesa aos moldes mais clichês da história, porém dona de um poder incrível, rivalizando com o dele. Era muito melhor tê-la ao lado deles do que contra.

— Meu cartão. — Retirou do bolso do paletó um de seus diversos contatos. — Quando você precisar de alguma coisa da qual você precisa resolver de maneira não convencional, me chame. Quer queira ou não, no atual momento, lhe darei espaço e proteção. Ainda que seja de um assassino convicto e declarado. Mas saiba, Susan, se não está conosco, está contra nós. Quem você será no tabuleiro do jogo dos deuses? Uma torre que protege a humanidade ou um cavalo que se move por todos os pontos sem uma direção definida? Estou ansioso para descobrir.

Nyx ergueu uma das mãos e moveu os dedos em círculos enquanto cada pedaço da xícara voltava para sua posição original.

— Nem tudo pode ser consertado tão facilmente. — Ela olhou nos olhos da filha pela última vez antes de uma fenda negra abrir-se em frente a ela e Thanatos, transportando-os para longe.

Ela olhou o cartão em sua mão. JI YOUNG, PARK. CEO DA ID CORPORATION. Havia ainda um número de celular para contato e um recado escrito à mão, o qual não deu muita atenção, no verso do cartão. Por um breve momento, perguntou-se quando ele havia escrito o recado, mas afastou logo o pensamento de sua mente e guardou o cartão em um bolso qualquer de seu jeans.

— Tem certeza de que deseja continuar? — Hécate apareceu em sua forma espectral a poucos metros de Susan.

— O tempo está acabando — repetiu o que a deusa lhe dissera colocando o guardanapo sobre a mesa. Ela, então, se levantou, pegou seu sobretudo que estava pendurado em sua cadeira e o vestiu.

— Há outras maneiras de obter as respostas que procura.

Susan caminhou em direção à floresta, passando pela ponte de madeira. O sol nas suas costas terminava sua dança, lançando seus últimos raios pelo céu estrelado.

— A destruição se aproxima — foi tudo o que respondeu. Ela sabia que a outra entendia o que isto significava, Hécate vira a destruição tanto quanto Susan.

— Susan Blair, este é meu último aviso. O que está prestes a fazer é perigoso e o resultado é imprevisível, poderá inclusive te levar a morte, e eu nada poderei fazer para te ajudar. Estará sozinha se prosseguir.

Olhou nos olhos da mulher, a um passo de entrar na floresta, e respondeu:

— Eu sei. Obrigada, Hécate. — E entrou, seguindo para o local que preparara para o feitiço.

Susan se viu diante de um telão, como os usados em salas de cinema, todo negro e estrelado. Ela olhou a sua volta, pouco certa do que estava acontecendo. Mas nada mais parecia importante, pois nada mais existia naquela sala, nem mesmo paredes ou chão e teto. Era apenas ela e as infinitas estrelas estampadas a sua frente.

Foco, foi tudo o que ouviu reverberar por todo o vazio. Reconheceu, um pouco espantosa, a voz de sua deusa ecoar pelas paredes daquele vazio, percebendo, quase de imediato, que aquele lugar se tratava de sua própria mente.

Ela seguiu o conselho de Hécate e focou-se no que era importante, o que estava a sua frente. Um telão, um tapete ou um quadro, era difícil dizer o que via quando só conseguia identificar as estrelas. Por um momento pensou estar olhando o próprio universo de fora dele, como se todo o universo estivesse estendido em um único plano diante dela e ela pudesse observar e tocar qualquer ponto.

Tocar, pensou e seu braço se mexeu apenas com o simples pensamento.

Seus dedos atravessaram o plano, como se tudo o que visse fosse um holograma, e a imagem mudou. Não estava mais observando o espaço, mas agora via uma constelação.

— A constelação do corvo — sua boca murmurou o que sua mente pensara, assustando-a mais uma vez.

O quadro mudou mais uma vez, dessa vez mais rápido do que conseguia assimilar. Teve a impressão de ter visto um redemoinho se formando no meio da constelação antes de ser tragada por uma força gigantesca. Lutou para sair daquele lugar que rodava e não a deixava respirar. Tudo em vão.

Quando abriu os olhos, estava em pé em alguma rua desconhecida. Viu a silhueta de uma pessoa, não muito longe, andando em sua direção. Um desespero a assolou ao perceber que sua visão era nada mais que um borrão indistinto. Mas era tarde para reagir, seu corpo já havia começado sua queda até o chão.


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Notas finais do capítulo

1. Procuramos muito e em vários lugares até concluirmos que Hécate é como um vulto na mitologia egípcia. De origem egípcia, a deusa não possui uma história bem definida como muitos deuses e a relação com seus pais é um pouco nebulosa já que cada lugar diz que os pais dele são um deus diferente. Por causa disso, decidimos colocá-la como filha de Nyx devido à semelhança entre as duas.

E ai? Gostaram? Para onde será que a Mary foi parar? O que Susan deve fazer depois de tudo? Opinem, por favor, gosto de ouvir a opinião de todos (e as especulações também!) *---*



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