Ela acorda no meio da floresta, nua, seus olhos verdes astutos analisam com cautela ao redor. Uma figura esbelta, de longos cabelos ruivos se encontra a poucos metros dela, segurando uma espada sai em cada mão. Ela sorri:

— Descansar, soldado. - A morena boceja. Lyra observa sem pressa a tatuagem de asas nas costas de Angelie. A Rainha prefere usar blusas que deixem suas costas nuas para facilitar caso queira abrir suas asas.

— O Portal está próximo. Logo chegaremos ao Templo das Luas Gêmeas. - Angelie guarda suas espadas e se levanta. - Se partirmos agora, chegaremos antes do anoitecer. Sugiro que se transforme e cace algo no caminho para não nos atrasarmos. - Lyra a fita em silêncio, em seguida se levanta, seu cabelo preto e selvagem está bagunçado, com algumas folhas nele. Ela começa a bater nas folhas com força para que caiam no chão, o que faz com que a ruiva revire os olhos enquanto espera que ela pare. A morena finalmente assume a forma de lobo e se chacoalha, fazendo com que as folhas presas em seu pelo voem e se espalhem pelo chão. Angelie começa a caminhar ao lado do lobo.

— Você poderia voar, você sabe. Não precisa esconder sua natureza o tempo todo só para agradar aos outros.

— É aí que você se engana, loba. Ser Rainha significa exatamente isso. - Lyra rosna baixinho.

— Não devia ser. Você pode mudar as coisas, Angels. Você tem esse poder agora. E todos que não ouvirem podem ser esquartejados e jogados em valas gigantes. - A boca do animal se contorce em um sorriso ao pensar na carnificina. As feições de Angelie permanecem sérias enquanto ela continua caminhando, sem responder ao metamorfo.

Angelie sempre soube do fardo que carregaria ao se tornar a grande Rainha dos Alados. Ela deve ser forte, inteligente, equilibrada, sociável, firme, segura e excepcionalmente prendada, com conhecimentos de estratégia, política, magia, luta, esgrima, dança, história, contemporaneidade e muitas coisas mais. Seu título de Regente não lhe fora entregue sem seu próprio mérito. Ainda muito jovens, Angelie e Gabriel foram mandados para o Recanto do Infinito Arrebol, a sede dos Caçadores que reside no Reino dos Alados, para que fossem educados e treinados a serem membros dignos da realeza.

Angelie logo conheceu Lyra e os outros membros de sua designada equipe, e logo se tornaram um dos grupos de Caçadores mais famosos da história. Uma Alada, um metamorfo, um Conjurador de Raios, uma ninfa e um ex-Ceifador de Hades trabalhando juntos já formaram uma das equipes mais eficientes de todas as filiais de Caçadores já criadas. Porém, claro, antes que o Conjurador os traísse e atacasse Angelie. Depois do ocorrido, o Destino não favoreceu a equipe, que nunca mais retornou a se encontrar. Lyra e Angelie são exceções.

Assim que Angelie se tornou Rainha, Gabriel largou sua coroa e seu posto de Comandante das Tropas Aladas e Líder dos Cavaleiros dos Deuses para focar em seu próprio treinamento, indo para o Templo das Luas Gêmeas com Chrys. Angelie jamais admitiria, mas, em seu íntimo, ela inveja a liberdade do irmão mais novo.

— Tenho o conhecimento de meus compromissos, Lyra. Sei que não deveria estar abandonando o palácio para ir atrás de Gabriel. Porém, ele continua sendo o próximo na linha de sucessão. Deve compreender suas responsabilidades como tal, deve assumir de uma vez seus títulos e prezar pelo povo Alado.

— Ele está se descobrindo, Angels. Não está apenas protelando.

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer que ele está amadurecendo. Pela primeira vez, ele está arcando com responsabilidades, ajudando outras pessoas. Acho que deveria deixá-lo se descobrir para depois jogar todas as obrigações de príncipe em cima dele.

— Não cabe a você decidir isso.

— Nem a você. O Ex-Regente está perfeitamente saudável e são, e Eadan é a única pessoa nos mundos capaz de fazer o príncipe mudar de ideia. Não que você já não soubesse disso, claro. - O lobo sorri ironicamente para a Alada e começa a correr, deixando-a para trás.

{...}

O arco prateado reluz quando iluminado pelas chamas selvagens do incêndio. A Olimpiana observa friamente enquanto a casa na qual passou sua infância junto de sua mãe e seu irmão é reduzida à cinzas. Ela coloca o capuz de sua capa roxa, sem se abalar. Ártemis observa atentamente enquanto tenta convencer a si mesma que cada lembrança de Apolo está sendo destruída bem na sua frente; seu irmão está morto e jamais retornará dos mortos.

A morena corre usando sua hiper agilidade de deusa e vai até o grifo de Chrys. Ele lhe estende a mão, que é segurada sem hesitação pela garota, logo os dois estão no ar, sem olhar para trás. O garoto de tatuagens permanece em silêncio enquanto os dois voam de volta para o acampamento da equipe.

De todas as pessoas que conhece, Ártemis sabe que pode confiar em Chrys, ele jamais a julgaria por suas decisões e não questionaria seus motivos. Depois de tudo o que ocorrera, o laço de amizade entre os dois se fortaleceu cada vez mais; assim como a confiança mútua. A morena deixa sua testa encostar no ombro do Conjurador de Raios e exala, tentando processar suas decisões.

Seria tolice da parte dela esperar ver um Apolo intacto e benevolente quando os dois se reencontrarem. Hécate é famosa por transformar seus prisioneiros em marionetes usando várias técnicas, desde magia à tortura psicológica. Ártemis deve estar preparada para enfrentar uma pessoa totalmente diferente da que conheceu desde o nascimento. Queimar a antiga casa foi uma decisão impulsiva, porém necessária. A casa representava a esperança dela de ter seu irmão de volta, das coisas voltarem a ser como antes. Agora ela sabe que as coisas jamais voltarão a ser as mesmas do passado.

Chrys acaricia levemente a mão de Ártemis que rodeia sua cintura para não cair do grifo. O Caçador compreende as atitudes da Olimpiana como um ritual de passagem para que ela consiga se tornar uma versão madura de si mesma.

— Na lua cheia... - Começa a Caçadora, erguendo a cabeça, ignorando as lágrimas que escorrem pela sua face anormalmente magra. - Pela lembrança de todos os que partiram pela causa...

— Na lua nova... - continua Chrys, firmemente. - Pela vingança da morte de todos os que partiram.

— Ó Lua... - Ártemis olha para cima, observando a lua cheia. Sente, em seu coração, que os dizeres dos Caçadores fazem todo o sentido. O apelo à Lua é um clamor por força, por coragem, por esperança; mesmo que tudo esteja gradativamente se esvaindo com o tempo. - Dai-me o poder...

— Que por teus filhos nós lutaremos! - Exclamam ela e Chrys em uníssono.

Um portal abre em frente aos dois. Chrys puxa as rédeas de Nail com força, fazendo com que o animal solte um chiado de dor e se incline para trás, desviando do portal por pouco. Ártemis prepara uma flecha em seu arco e aponta para o portal à sua direita, seus olhos prateados estão focados para que veja seu alvo. Um lobo negro salta, caindo em alta velocidade.

— LYRA! - Chrys grita e Nail se aproxima da loba no ar.

— ME DEIXA VIVER! - Grita Lyra. Ártemis mantém seus olhos fixos e a flecha apontada para o portal, para caso Lyra esteja fugindo de algum inimigo. Um vulto alado sai em alta velocidade do portal, Artie mantém a flecha apontada para o vulto até que Chrys diz:

— Aquela é a irmão do Gabriel, Ártemis. - A Olimpiana abaixa o arco, porém continua observando o vulto. Os cabelos ruivos brilham na luz das estrelas, o que faz com que Artie não desvie o olhar da Alada. A morena consegue ver o Portal desaparecer no meio da noite.

Lyra finalmente alcança o chão, onde aterrissa sem muita dificuldade na clareira. Nail pousa logo depois dela e Angelie graciosamente coloca os pés no chão por útimo, em seguida, recolhe suas asas e as faz desaparecer, deixando apenas a tatuagem em suas costas nuas.

A metamorfo retorna à forma humana, revelando sua nudez. Artie e Chrys descem do grifo, que se esconde na sombra de uma árvore próxima. Chrys tira a jaqueta e entrega para a irmã, que a veste de imediato.

— Muito bem, o reforço chegou. - Diz Lyra, com um grande sorriso.

— Foi burrice aparecer assim, Lyra. Você pode ter entregado a nossa localização. - Reclama o irmão mais novo da morena.

— Utilizamos o meu Portal pessoal. - Afirma Angelie. - O Portal do Regente dos Alados é o meio mais seguro de se atravessar o espaço-tempo.

— Pensei que os Portais eram apenas uma variação mais estável de teletransporte. - Ártemis olha para Chrys, esperando que ele lhe explique mais sobre os Portais.

— Eles são mais fortes que isso, Art. São uma forma mais segura do que se teletransportar por magia própria, claro; afinal, se um praticante de magia não for focado o suficiente, pode acabar perdendo um braço ou uma perna durante o processo de teletransporte... Mas eles podem ser usados para voltar ou avançar no tempo também, se souber calibrar direito.

Lyra boceja:

— Eu pensei que sua amiguinha bruxa já tivesse explicado esse tipo de coisa a você, Zeuson. - Ela sorri de lado, seus olhos verdes cintilam. - Acho melhor estudar um pouco mais... Eu poderia te oferecer umas aulas particulares de graça... - Ela sorri de canto para a Olimpiana, seu olhar penetrante encara Ártemis da cabeça aos pés. Lyra volta a olhar nos olhos de Artie, substituindo seu sorriso sedutor por um sorriso brincalhão. - ... Mas sabe o que dizem, né? Quanto mais Olimpianos, maiores são os problemas e as confusões.

Angelie franze os lábios e as sobrancelhas ao olhar para Lyra, em seguida cruza os braços, dá as costas ao grupo e caminha para dentro da floresta. Lyra suspira, dá de ombros olhando para Artie e Chrys e segue atrás da ruiva. A Olimpiana observa as duas mulhere silenciosamente e retorna a olhar para o Conjurador de Raios:

— Chrys, o que foi aquilo? - Ele ergue uma sobrancelha para ela.

— Então, aparentemente, minha irmã mais velha estava dando em cima de você, Artie. - Ela nega com a cabeça.

— Não isso. Eu quis dizer... A irmã do Gabriel nem sequer olhou para mim. E... Por que ela e a Lyra estão agindo desse jeito? Sua irmã nunca fez isso antes, nunca falou comigo assim. - Ela encara o companheiro de equipe, que exala pesadamente.

— Todos nós temos um passado, Ártemis. Bom... Angelie - ele aponta para a parte da floresta que as mulheres seguiram - é a Rainha dos Alados. Ela é a irmã mais velha do Gabriel e atual Regente. Os dois são filhos do Ex-Regente e o anterior Rei dos Alados, Eadan.

Ártemis assente lentamente, indicando que está acompanhando a explicação. O Conjurador de Raios continua:

— Os dois foram treinados desde a infância para governar, no Recanto do Infinito Arrebol, a filial do Templo que fica no Reino dos Alados. Lyra e eu fomos designados para a mesma filial, e foi lá que conhecemos Angelie e Gabriel. Nossas famílias se tornaram muito amigas, tudo estava dando certo. Lyra, Angelie e outros Caçadores se juntaram e se tornaram uma das melhores equipes já conhecidas nos Reinos. - Ártemis começa a recitar os nomes e codinomes dos membros da equipe:

— Lyra é O Lobo, Angelie é a Fênix, Cornelius é o Trovão...

— NUNCA DIGA ESSE NOME. — Sibila o moreno, alterado. Art engole em seco. Chrys respira fundo e continua. - Cornelius traiu a própria equipe e quase matou um membro da realeza dos Alados. Ele é um terrorista, uma mancha maldita para os Conjuradores de Raios.

Os dois começam a caminhar de volta ao acampamento montado pela equipe. Os olhos de Chrys se suavizam ao olhar para a Olimpiana:

— Angelie não gosta de Olimpianos. Não é nada pessoal, ela só está preocupada em proteger seu próprio povo. Muitas vidas Aladas foram perdidas em nome dos Olimpianos, entende? Acho que ela ainda guarda mágoa e quer manter todos os Alados longe da sua gente. - Ele dirige à Olimpiana um sorriso embaraçado, de desculpas. - E quanto às duas... Bem, o que acabou de acontecer foi que minha irmã te usou para causar ciúmes na Rainha. - Artie franze o cenho:

— Ciúmes? - Chrys tira a aljava de flechas das costas da Olimpiana e a leva ele mesmo como um favor cavalheiresco.

— Pois é. Lyra gosta de se vingar de Angelie por a ter rejeitado depois que assumiu de vez a coroa.

— Então as duas estão juntas? Quero dizer, uma gosta da outra?

— Não é tão simples, Art. - A voz de Chrys parece ser carregada de pesar. - Na vida que levamos, nas escolhas que fazemos, nada é simples. Há coisas muito mais importantes em jogo. Às vezes precisamos fazer sacrifícios para um bem maior.

— O que as impede de ficar juntas? - Questiona a Caçadora. - Talvez eu possa ajudar, afinal, meu pai também é um rei. Se for um grupo de rebeldes ou um inimigo político, eu posso ajudar. - Ambos percebem que se aproximam do acampamento.

Chrys a observa e sorri de canto, em seguida passa seu braço sobre os ombros de Ártemis e a acompanha até a barraca das garotas desse jeito. Ele a devolve a aljava, em seguida a olha nos olhos, agora castanhos:

— Você é a luz da esperança em um mundo cercado por trevas, Ártemis.

Chrys beija a testa de Ártemis, em seguida dá-lhe as costas e segue até a outra barraca. A morena olha para a lua quase totalmente escondida por detrás das árvores.

“O que peço é muito mais que coragem ou força, minha amiga. Creio que para vencer esta guerra, só sua energia não será suficiente. Precisaremos de sabedoria, poder e magia. Minha cara Lua, meu coração clama para que nos tornemos uma só entidade”.