Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 7
Engolir




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Nota do Diário

Ler escutando: Legião Urbana - Giz.

Fortaleza, 13 de Junho de 2004.

“Eu sei diário. Eu sei que já tem quase dois meses que eu não escrevo aqui, mas me entenda que agora eu não tenho tempo nem mesmo de respirar. Minha nova vida começou depois de uma troca de alianças (de lata) entre mim e Joana Lee. Ela sorriu e disse que achou ‘fofo’ da minha parte. Bom, eu estava sem grana e precisávamos de algo que firmasse nosso compromisso, além do meu filho que ela estava esperando, claro.

Passamos a morar juntos aqui na casa da minha avó (espero que aquele filhote do satanás apodreça na prisão) e com ajuda das outras meninas do ‘Dallas Cabaret’ sobrevivemos ao primeiro mês um pouco de boa, até eu receber o meu primeiro salário no frigorífico onde eu estava trabalhando.

É, isso mesmo. Eu tenho nojo de pegar em sangue, pegar em carne crua, e acho que fede, mas foi o que apareceu. E sempre quando eu vou cortar tal carne eu finjo não estar com vontade de vomitar. Como trabalho meio período (pela manhã), recebo mísero meio salário mínimo, mas já dá pro gasto. Comprei umas coisinhas já pro meu filho (espero que seja um menino, mas se for menina eu vou amar do mesmo jeito) e estou guardando aos poucos. No período da tarde eu continuo estudando e espero que o tempo passe rápido para que eu termine logo o ensino médio. Enquanto eu fico fora, Joana fica em casa, fazendo os trabalhos de casa leves. O pesado (como lavar roupa) eu mesmo faço nos fins de semana.

Joana já deve estar com quatro ou cinco meses de gravidez e já da pra ver um pouco a barriga. Grávida ela fica mais radiante do que nunca. Nossa relação está indo às mil maravilhas!

Percebeu a data de hoje? Tudo bem eu te perdoo. Não é um dia treze qualquer. É o dia treze de Junho, dia do meu aniversário de dezoito anos, o dia treze mais esperado por mim durante a minha vida toda!”

São Paulo, 13 de Junho de 2004.

Lana lanchava na cafeteria da faculdade, quando, por azar um homem que ali passava derramou café eu sua camiseta.

— Oh, me perdoe, senhorita! Não foi porque eu quis. — disse o homem.

— Olha o que você fez seu imbecil!

— Já disse que não foi minha intenção. Não há o que eu possa fazer por você?

Lana mudou sua expressão ao reparar no rosto daquele homem. Atraente, por sinal e muito educado. Quando menos viu, ele estava tentando limpar o café que ainda não havia enxugado em sua roupa.

— Permita-me.

— Eu tenho outra blusa na minha bolsa.

— Mais uma vez me perdoe. Sou novo aqui e estou muito nervoso. Prazer, Henri. Sou professor de português. — estendeu-lhe a mão.

— Lana. Sou professora do curso de gastronomia.

Ela cedeu ao aperto de mão e cedeu-se ao toque daquele homem. Um sorriso da parte dos dois, uma troca de olhares. Cabeça baixa e mais um sorriso bobo da parte dela. Lana, a viúva, estava apaixonada novamente.

São Paulo, 20 de Agosto de 2004.

Era sexta-feira, e depois de um longo e cansativo dia na faculdade, Lana e Henri sairiam para uma pizzaria perto dali. Encontraram-se no portão do estacionamento, deram um selinho e saíram no carro dele. O celular dela tocou.

— Não vai atender?

— É o James.

— Seu filho é bem ciumento, não?

— Um pouco. Ainda abalado com a morte do pai.

— Entendo. — disse Henri, dirigindo. — Ele morreu do quê?

— Overdose. Culpam-me que foi por causa da nossa separação que ele começou a beber daquele jeito. Mas o Carlos já tinha isso de beber por qualquer coisa. O James não entende isso. Por vezes acho que ele me odeia.

— Que ideia! Você é uma mulher maravilhosa, uma mãe exemplar. Não acha que já está na hora de eu conhecer meu futuro enteado?

Depois da pizzaria, foram para um dance que havia próximo à casa de Lana. Exageraram um pouco na bebida, foi então que Henri deu a ideia de dormir na casa da moça aquela noite.

— Já não está na hora de dormirmos juntos?

Ela rodeou seus braços no pescoço de Henri e o beijou.

— Vamos?

Chegaram ao prédio onde Lana morava e bêbados, ficaram aos beijos no elevador até chegarem à porta do apartamento. Lana abria aporta enquanto Henri beijava seu pescoço e finalmente eles entraram. Continuaram aos beijos até que foram surpreendidos por James:

— Mãe?!

Fortaleza, 20 de Agosto de 2004.

Deitada com a cabeça pousada nas pernas de Felipe, Joana e ele assistiam à televisão. Seus corações quase pularam de suas bocas depois de ouvirem a notícia do plantão:

— Mais notícias sobre a fuga das detentas do presídio feminino de Fortaleza. Cerca de quarenta por cento das presas escaparam. A confusão começou quando uma das fugitivas, a qual liderou o plano de fuga, fez de refém com uma faca no pescoço uma das carcereiras. Glória Torres, que parecia uma senhora indefesa, já de idade conseguiu fugir. Felizmente a carcereira está bem, entretanto ainda não conseguiram recuperar nenhuma das fugitivas.

Nota do Diário

Fortaleza, 20 de Agosto de 2004.

Ler escutando: Lobão - Revanche

“O filhote do satanás, a velha porca exterminadora de fetos conseguiu fugir da prisão. Joana disse pra eu não me preocupar porque a uma hora dessas ela deve estar longe, bem longe de Fortaleza.

Hoje foi um dia muito prazeroso, tirando tal acontecimento. Descobrimos o sexo da criança: um menino, um garotão. Também descobri que a dieta que eu comecei a fazer há algumas semanas atrás, que o médico me receitou devido a diabetes estava fazendo efeito: pulei de 120 kg para 105kg e pouquinho. Dizem que homens têm mais facilidade de perder peso do que as mulheres. Acho que é verdade, pois vejo muitas fazendo dietas mais rígidas que as minhas, combinadas com exercícios físicos pesados e sofrem por um resultado não muito bom.

Enfim, o papo é que se a minha avó aparecer eu espero que ela não tente nenhum mal contra minha Joana e meu filho.”

Glória conseguiu pular aquele muro como uma garota de vinte anos; estava revivendo sua juventude imunda novamente. Relembrou-se de quando saía para pichar paredes sem nem mesmo dar explicações à mãe e ao pai. Lembrou-se do João, seu antigo namorado. Já deveria ter por volta de sessenta anos assim como ela. “Eu preciso do carro daquele velho, pensou”. Seguiu então para a casa de João. Fazia mais de vinte anos que eles não se viam.

Sábado, manhã. Vemos o casal de namorados, o rapaz um pouco acima do peso e a moça, de barriga estufada, parecia estar grávida. Os dois banhando-se na água do oceano, e sempre aos beijos. Era cedo, bem cedo e aquele clima era incrível: um sol de luz alaranjada que surgia no meio do horizonte.

Felipe abaixou-se e beijou a barriga de Joana.

— Eu quero que ele seja advogado. O que você acha Joana?

A jovem negra deu um belo sorriso e respondeu:

— Acho ótimo. Contanto que ele se chame Márcio. Acho esse nome lindo: Márcio.

— Taí. Gostei desse nome. Márcio... Márcio Torres da Silva.

Os dois sentaram-se abraçados na areia e ficaram em silêncio, assistindo o nascer do sol. Felipe quebrou o silêncio de repente.

— Acha que ela volta?

— Quem?

— A demônia. A minha avó.

— Essa deve estar com o rabo que não cabe uma agulha, intocada em algum canto longe daqui.

Tarde. O sol estava escaldante e o calor no carro emprestado estava quase que insuportável. As mãos da velha já estavam no volante, o motor ligado e o pé no acelerador. “Foi fácil passar a lábia no João”, pensou. “Aquele velho quase teve um ataque do coração ao me ver depois de tantos anos. Um favorzinho àquela que sempre fodia com ele na juventude não lhe custaria nada”.

Felipe estava saindo para trabalhar à tarde e Joana Lee despedia-se dele do lado de fora da casa.

— Desgraçado. Colocou a macaca prenha pra dentro da minha casa! — esmurrou o volante e em consequência a buzina tocou.

Joana estava tão radiante! Seu vestido longo com uma leve precipitação na parte da barriga devido a gravidez lhe deixava com um ar mais puro. Fazia questão de acariciar o rosto de Felipe. Amava-o, queria que ele ficasse e não fosse trabalhar. Para quê trabalhar aos sábados?

O suor de Glória pingava como se estivesse chovendo dentro do automóvel. Havia um mix de sentimentos: inveja, frustração, cólera! Talvez se ele não fosse trabalhar naquele dia, ou talvez se ela não fosse despedir-se dele; Tantos “talvez”, mas nenhum deles é fato. O pé com suas unhas pintadas de vermelho, o esmalte descascando, foi fundo no acelerador. Velocidade total, frente, seguindo em frente. Dois rostos apavorados. Uma criança que nem sequer nasceu. Não é justo, não, não!

Felipe não conseguiu correr. Parecia que o cimento da calçada havia se fundido com os seus pés. Apenas encolheu a cabeça entre os braços. Ainda assim rezou para que Joana tivesse fugido dali, salvo o pequeno Márcio protegendo-o no seu ventre. Arriscou abrir os olhos aos poucos. Viu sangue, de início. Rezou para que fosse da avó, que Deus lhe perdoasse. Desejou que ela houvesse lavado todos os seus pecados com sangue. Abriu os olhos mais um pouco. Gloria ainda estava dentro do carro e havia apenas um fio de sangue descendo-lhe a testa. O automóvel havia batido no muro da residência. Não, o sangue não era da porca. Perdeu as esperanças: o corpo de sua amada estava estendido no meio da avenida; foi lançada pra longe e agora estava sem alma, sem vida.

“E as paredes do meu quarto...

Vão assistir comigo a versão nova de uma velha história

E quando o sol vier socar minha cara

Com certeza você já foi embora...”


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Notas finais do capítulo

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