Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 6
Ruminar




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Nota do Diário

Ler escutando: Smash Mouth – Waste.

Fortaleza, 13 de Abril de 2004.

Cá estou eu de novo para contar sobre o episódio de hoje cedo. Maldito dia 13! Um futuro pai de família não pode mais apanhar vovó, nem mesmo levar o tradicional puxão de orelha que Vó Glória adora me dar.

Então... Eu descobri que vou ser pai. Eu estou um pouco feliz, porém minha avó também descobriu. Ela mataria o bisneto sem nem mesmo saber, mas se ela soubesse que o bebezinho era sangue do seu sangue não faria diferença alguma. Reúno todas as minhas preces para que Joana Lee não cometa nenhuma besteira.”

Os frequentadores do “Dallas Cabaret” viam uma mulata de busto e traseiro avantajado, disposta a topar tudo por dinheiro, mas Joana Lee não era apenas aquele pedaço de mulher que os homens tinham costume de fazer o que quiser com ela.

Aquela negra dos olhos verdes, cabelos cacheados e corpo escultural tinha dezenove anos sofridos. Teve de sair de casa logo quando seus pais ficaram sabendo de sua primeira gravidez, logo quando completou dezesseis. Infelizmente o futuro da criança que nasceria foi o mesmo o que teria o filho de Felipe caso ele não fizesse alguma coisa para conter Joana. Morou na rua por pouco tempo, até conhecer o bordel onde trabalha até então.

Em seu primeiro programa, vomitou em cima do cliente, que se tratava de um velho bêbado nojento (digamos que seria a versão masculina de vovó Glória). Após apanhar da cafetina para qual trabalhava, aprendeu tal lição para ter estômago de aço e encarar qualquer clientela.

Depois de ficar algumas horas trancado no quarto, Felipe resolveu sair, ainda com medo da avó, mas preparado para trancos e barrancos. A primeira imagem que viu foi ela, com o seu precioso violão em mãos.

― Vó? O que a senhora ta fazendo com o meu violão? ― perguntou.

― Conhece Jimmy Hendrix? Aprendi com ele, olha!

A velha pegou o violão e o levou até o quintal, onde Felipe gritava para que a avó soltasse seu xodó.

― Solta o meu violão, vó, pelo amor de Deus!

― Na hora de engravidar uma negra macaca você não pensa em Deus não é?

Glória pôs o violão no chão, e ajoelhada, deu um beijo no objeto antes de abrir uma garrafa de álcool e derramar seu conteúdo por ele todo. Felipe, por sua vez, tentou interferir, mas Glória foi curta e grossa:

― Eu quebro ele na sua cabeça se você encostar um dedo em mim.

O palito de fósforo foi riscado e caiu em cima do instrumento encharcado de álcool. Enquanto a chama ardia, a velha gargalhava como uma bruxa, até que ela pegou o violão, mesmo pegando fogo e passou a batê-lo no chão como o próprio Jimmy Hendrix sacrificando sua guitarra.

Felipe sentiu como se um filho seu estivesse sendo morto na sua frente. Aquele era o seu único bem, o seu bem mais precioso. Tinha planos para ele. Glória, ao terminar o ato, cuspiu no chão onde estava o resto do violão do neto e saiu sem dizer mais nenhuma palavra.

― Como assim quebrou seu violão, cara? ― espantou-se Renato, depois que Felipe contou detalhadamente sobre o fato acontecido no dia anterior.

― Sim. Era com ele que eu iria sustentar meu filho com a Joana Lee.

― Filho? Joana Lee?

― Sim, ela ta grávida. Ela ta esperando um filho meu. Com risco de tirar.

― Felipe, cara. Ela pode estar grávida, mas quem garante que o filho é teu? Ela é puta, cara. Fica com todo mundo.

― Não, cara. Ela se protege. Comigo ela não se protegeu.

― Eu queria te ajudar, cara.

― Ninguém pode trazer meu violão de volta. ― respondeu Felipe em um tom triste.

Nota do Diário

Fortaleza, 14 de Abril de 2004.

“Acabei de chegar da aula e já estou de saída. Foda-se aquela velha. Minha vontade é de dar uma escarrada e cuspir na cara dela como ela fez com o meu violão. Medidas drásticas: a partir de hoje eu não sou o menino gordo que chora pelos cantos; Eu sou um homem, futuro pai de família, futuro estudante de gastronomia. Aquela velha me paga (virou bordão, diário, eu sei.), e de hoje não passa. Nada que um orelhão não resolva minha vingança.”

Antes de sair de casa, passou na “sala de remoção de encostos” da avó. Lá estava um dos fetos que ela mantinha em formol dentro de um vidro. Sentiu aquilo sobre-humano. Culpou-se, pois se tivesse tomado uma providência antes, pouparia a morte de muitas crianças. O que lhe amenizava era que os dias daquela clínica e de liberdade de sua avó estariam contados.

Glória assistindo sua novela. Confere. Hora de sair. Será que seu filho ainda estava vivo no ventre de Joana Lee? Antes, uma passada no telefone público: 1-9-0, teclou.

— CIOPS (departamento da polícia militar do Ceará) qual é a ocorrência? — disse a atendente, do outro lado da linha.

— Eu quero denunciar uma clínica de abortos clandestina.

***

Nota do Diário

Fortaleza, 14 de Abril de 2004.

“Mais uma notinha. Prometo que é a última de hoje e a mais especial. Sim diário, eu estou sorrindo. Contente. Esbanjando felicidade. Isso não é ironia, é a mais pura verdade. Só quis rimar, porque um versinho combinaria com a noite de hoje.

Voltemos à imagem do gordinho, aflito no orelhão, prestes a entregar a sua avó carniceira pra polícia. Feita a denuncia, e o telefone posto de volta no gancho, eis que ele segue para o imundo “Dallas Cabaret” onde provavelmente sua amada Joana Lee estaria lá nos braços de outro homem. E lá estava eu, o garoto de dezessete anos (lembrando que quase dezoito), muitos diriam que a caminho da perdição. Que nada! [...]”

Ao adentrar no bordel em questão, Felipe procurou por Joana Lee por todas as mesas. Ela não estava em nenhuma. Uma das prostitutas, enquanto um caminhoneiro mordiscava seu pescoço, olhava com desejo para Felipe, convidando-o para que ele colocasse todo o seu dinheiro em sua calcinha. Que dinheiro?

“Eu não quero qualquer uma”, pensou. “Eu quero a Joana Lee”. E subiu as escadas, com receio de procurar de quarto em quarto e ver o que não gostaria de ver. Uma mão pousou no seu ombro. Era ela, radiante, linda. Seu impulso foi abraçar aquela linda negra, o amor de sua vida.

— Joana, casa comigo?

São Paulo, 15 de Abril de 2004.

Acabou de acordar e em seu rádio relógio tocava eyes without a face. Eram cinco e meia da manhã, mas Billy Idol e a xícara de café quente amenizavam o sono que ainda tinha. “Força, Lana. Amanhã é sexta-feira.”, pensava Lana, dando coragem para si mesma. Antes se sair para trabalhar, tinha de passar no quarto do filho James para acordá-lo. Assim ele não chegaria atrasado na aula.

— Acorda filho.

— Eu não vou à aula

— Mas você já faltou ontem, James! — insistiu Lana.

— Mas eu não quero ir, porra! Me deixa em paz! — James pegou o cobertor e cobriu totalmente seu corpo. Lana, por sua vez, decidiu não insistir.

Quem via a professora Lana Ferreira, uma das professoras do curso de gastronomia na faculdade, não sabia que por trás daquela mulher de trinta e cinco vividos anos já houve muitos sonhos que ela tivera de abandonar pelas coisas que apareciam em sua vida. O nascimento do seu filho James foi uma das barreiras que impedira sua viagem à França, onde seria chef de um restaurante caríssimo. O nascimento de James há quinze anos foi uma felicidade para ela sim, mas há quem diga que não, desde quando o seu ex-marido, pai do seu filho, faleceu devido à separação. James passou a tratar a mãe feito lixo, culpando-a pela morte do pai.

Ler escutando: Oasis – Wonderwall.

— Entra. Minha avó não está mais aqui.

Joana se sentiu mais segura do que nunca quando Felipe estendeu-lhe a mão para que ela entrasse em sua casa novamente. Um aviso escrito em caneta azul fora posto em cima da mesinha de centro daquela sala que fora um dia uma sala de esperas: Glória estava realmente presa.

— Não vai entrar? — Felipe perguntou novamente. Joana continuava segurando a mão estendida do rapaz. Ela entrou e sentiu um ar diferente naquela casa, comparado da última vez em que esteve lá.

— Passamos a noite toda conversando. — disse ela, quebrando o silêncio e pegando uma revista, fingindo estar prestando atenção nas coisas nela escritas.

Felipe sentou-se ao seu lado e a abraçou. Joana deitou em seu colo e Felipe abaixou sua cabeça com dificuldade para tocar os lábios da moça com os seus.

— Eu gosto de você. — disse ela.

— Eu te amo. Você é uma pessoa muito especial. Quero ficar com você pra sempre.

— Obrigado por ter paciência comigo.

Mais um beijo. Os dois se levantaram do sofá e, aos beijos caminharam até o quarto de Felipe onde ele despiu aquela bela moça, deixando a mostra suas curvas estonteantes. Ela tentou tirar sua camisa, mas ele hesitou um pouco:

— Apaga a luz... Por favor?

— Não precisa ter vergonha do seu corpo.

Mais um ardente beijo e ele esqueceu tudo: de suas roupas, de seu peso, de sua aparência. Quando sua pele se tocava com a dele, um arrepio que nem ela mesma poderia explicar. Cada toque uma experiência nova. Foda-se, se era pecado ou não. Uma coisa tão bonita não poderia ser privada a poucos, nem mesmo a ele.

Seus corpos tornaram-se um só, e de repente Felipe deu-se conta de que as curvas daquela moça eram só dele, assim como seus surreais olhos cheios de desejo e sua voz sensual a qual o excitava sempre mais a cada gemido.

A felicidade estava apenas começando? Ele tinha quem queria em seus braços. Deus ouviu suas preces. Estava tudo bem.


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Notas finais do capítulo

Eu amo essa última cena e essa música do Oasis é a minha preferida. A Glória foi presa. Será que está tudo bem mesmo?
E a Lana , será que um dia ela vai se dar bem com o James??