Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 4
Salivar


Notas iniciais do capítulo

Oi :)



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Nota do Diário

Fortaleza, 12 de fevereiro de 2004

“Qual seria sua reação se eu te dissesse que com dezessete anos de idade eu não havia nem sequer beijado uma mulher, muito menos transado com alguma? Me chamaria de uma aberração da natureza? Por que hoje em dia garotas de quatorze anos já são mães, ou meninos de treze anos de idade abandonaram seus carrinhos ou bonecos do Max Steel para ver a sua Playboy, não generalizando, claro.

Outra coisa: Eu me sinto a mesma merda de sempre depois de ter transado com aquela prostituta e perdido a virgindade. Ta bom, ta bom, prostituta não, Joana Lee. Eu tinha tomado algumas, muitas e eu não lembro muito bem do rosto dela, só que ela tinha um belo par de olhos verdes e uma pele morena encantadora. Sem contar nos seus cabelos negros e cacheados e é só isso o que eu lembro. Ela nem perguntou o meu nome e depois de um beijo de tirar o fôlego, pegou-me pela mão e levou-me até um dos quartos daquela enorme casa. Eu não fiz nada, e ela me beijava e me tirava a roupa vorazmente, como se eu fosse pagar por aquilo. Imagino o sacrifício dela de ter de lidar com um monte de banha que sou eu. Sim, diário, eu me martirizo quando eu quiser. Sei que ela não olhou minhas qualidades e nem minha beleza física. Eu queria encontrá-la de novo só mais uma vez e fazer a ela uma pergunta: ‘O que você viu em mim’? Será que consigo?”

— Vocês usaram camisinha né? — perguntou Renato, depois de Felipe ter lhe contado as aventuras da noite passada.

— Eu sinceramente não lembro. Eu estava bêbado.

— Reze pra não ter pegado nenhuma doença então. Aquelas quengas têm a fama de ser um poço de bicheira. Bom, eu só não entendi por que você me contou isso.

— Eu quero o número do telefone da Joana Lee. Foi você que a contratou. Não foi?

— Felipe, cara. Você é muito ingênuo. Por que você vai atrás dela? Vocês só ficaram, foi uma noite só.

Felipe olhou torto para Renato, que entendeu a ameaça. Tirou o caderno de dentro da mochila e escreveu algo na última folha dele. Arrancou o pedaço de papel e entregou ao colega.

— Aí o endereço.

Ler escutando: Barão Vermelho – Down em mim.

Felipe tinha apenas de esperar a hora da novela. Já havia deixado o jantar todo pronto e estava arrumado como na noite passada. Vinte para as nove. Cedo, muito cedo. O cabaré já estava aberto a essa hora? Quem sabe?

A noite estava escura e fria. Estranho ambiente para o nosso herói. Pelo endereço, ele teria de pegar um ônibus que, pelos seus cálculos, passaria bem em frente ao lugar onde queria ir.

Teve dificuldade, como sempre, de passar pela catraca (borboleta, chame como quiser) do ônibus. Ficou constrangido quando no veículo lotado uma estudante simpática ofereceu-lhe a cadeira amarela (que é preferencial para idosos, pessoas com crianças de colo e obesos). Felipe acabou recusando e indo em pé no ônibus.

Deu sinal uma parada antes e com algumas economias comprou um ramalhete de flores singelas. Teve de andar alguns metros até avistar um grande letreiro em neon que dizia: “Dallas Cabaret”. “É aqui, claro”, pensou Felipe atravessando a avenida.

Parecia uma criança em seu primeiro encontro. Onde estaria sua amada? Talvez sentada num banco de praça tirando cada pétala de uma flor e contando seu “bem-me-quer, malmequer”. Não. Na realidade ela estava sentada no colo de um homem, bêbado, deixando que ele enfiasse sua mão debaixo da sua saia e beijasse o seu pescoço de forma vampiresca.

Felipe apenas soltou as flores e deixou que elas caíssem no asfalto quando atravessou correndo a avenida de volta para a parada do ônibus. Ele não esperava por aquilo. Na verdade, não esperava que fosse se apaixonar por ela.

Chorando, de cabeça abaixada, lembrou-se de cada momento da noite passada, até mesmo quando por dificuldade, Joana Lee abaixou suas calças e ele ficou com vergonha por estar nu na frente dela. Ela parecia tão natural com aquilo tudo!

— Garoto?

Era uma voz feminina, angelical. O rapaz levantou a cabeça e viu que a última palavra saíra dos sensuais lábios de Joana Lee.

— Você veio me procurar, não foi?

— É... Não, claro que não, que ideia!

Joana Lee sentou-se do lado de Felipe e cochichou em seu ouvido:

— A noite de ontem foi ótima.

— Eu quero te pedir desculpas, Joana Lee.

— Pelo quê? — ela sorriu.

— Você é uma mulher, um ser humano como qualquer outro. Eu te tratei feito lixo descartável.

Ela mudou sua expressão por alguns segundos e depois voltou com a expressão antiga:

— Lindinho, eu já estou acostumada. Todos me tratam assim.

— Eu não sou qualquer um. Aceita as minhas desculpas?

Joana Lee beijou fortemente Felipe na boca e em seguida disse:

— Esse também fica por conta da casa. Agora eu preciso trabalhar.

Esperando que o sinal fechasse para que pudesse atravessar a rua, Joana Lee ficou um pouco sentida. Sentiu um forte puxão pelo braço. Era Felipe, que disse:

— Você quer namorar comigo?

“Na privada eu vou dar com a minha cara de panaca pintada no espelho

E me lembrar sorrindo que o banheiro é a igreja de todos os bêbados...”

Nota do Diário

Fortaleza, 13 de fevereiro de 2004.

“Na verdade, eu nunca pensei que um gordo rejeitado feito eu pudesse ser feliz por alguns momentos. Joana Lee aceitou o meu pedido de namoro, diário. Acredita? Foi mágico ouvir a voz dela respondendo que sim, e que sairia daquela vida por mim. Eu acreditei por que a magia de estar apaixonado me cegava parcialmente e me fazia ver apenas o lado bom das pessoas. Eu tenho que ir agora. Vó Glória ta chamando. Na verdade, nem aquela velha porca vai me deixar triste hoje. Depois eu conto mais.”

— O que aconteceu, vó?

— Onde é que o senhor se enfiou ontem a noite?

— Eu estava em casa.

— Não mente pra mim, moleque! — Gloria puxou a orelha de Felipe.

— Eu saí, fui me divertir, caramba!

— Ah, quer dizer que o senhor agora anda caindo na gandaia é? Rapariga você não arruma, feio desse jeito... Mas eu não quero que você saia nunca mais sem a minha permissão.

— Quer dizer que se eu pedir a senhora eu posso sair? — arriscou uma brincadeira.

Gloria, vagarosamente, pegou a bandeja onde estavam os copos em que ela servia café às suas pacientes da clínica e os jogou todos no chão, quebrando todos os copos americanos em caquinhos.

— Se ajoelha e limpa isso aí.

— Assim eu vou me cortar, vó.

— E eu quero saber? Se ajoelha, traste!

A avó deu um empurrão no neto que caiu bem de joelhos em cima de onde havia mais cacos de vidro e café quente. Felipe não sabia se reclamava da dor de estar se cortando ou de estar se queimando. Glória jogou-lhe um pano molhado e um balde.

— Se vira. Quero ver esse chão brilhando. Tem uma cirurgia marcada para hoje à tarde e eu quero ver a sala de esperas um brinco. É pra já, sua baleia.

— Porca nojenta carniceira. — dessa vez Felipe disse entre dentes.

Nota do Diário

Fortaleza, 13 de fevereiro de 2004.

“Já não adianta mais dizer que a velha porca vai me pagar por que eu já disse isso umas mil vezes e eu nada fiz. Não sou o tipo disco arranhado, só sou medroso. Se eu me rebelasse, para onde iria? Mas deixar de sair à noite eu não vou deixar. É tão bom descobrir o mundo, diário. Mas é tão difícil não poder fazer nada!”

Ler escutando: Engenheiros do Hawaii – Pra ser Sincero.

Várias cicatrizes em suas mãos e joelhos. Mal conseguia andar. Eram dez da noite, e a velha Glória roncava de boca aberta para cima sentada em sua poltrona. Felipe foi andando devagarzinho até o local em que marcara o seu encontro com Joana Lee. Vinte minutos de atraso e nada. A única companhia que ele tinha era a dor nos joelhos. Meia hora. Onde estaria Joana Lee?

De repente, um moleque de rua aproximou-se correndo e entregou um pedaço de papel a Felipe. Era um bilhete que dizia:

“Não me odeie, mas lembra que ontem começamos a namorar e esquecemos de nos apresentar direito? Você sabe meu nome, mas eu não sabia o seu. Você é um rapaz direito e eu sou uma prostituta de dezenove anos que abandonou a vida para ganhar dinheiro fácil. Por favor, não me procura mais. Vai ser melhor assim.

Joana Lee”

Do lado da assinatura havia um beijo, uma marca de batom vermelho. Por um momento Felipe sentiu mais uma vez os lábios de Joana tocarem os seus, mas era apenas a brisa fria daquela noite. Sentiu uma pontada no coração. Será que o motivo daquela pontada era sua decepção amorosa mesmo? Aquelas pontadas estavam ficando cada vez mais intensas, e não era a primeira vez que ele sentia aquilo. “Foi bom enquanto durou, Joana Lee”, pensou, largando o bilhete selado com um beijo e caminhando de volta pra casa.

Abriu a porta e a televisão estava desligada. Com certeza sua avó havia acordado e a desligado. “Será que ela sentiu minha falta?”, pensou. Acendeu a luz da sala e lá estava a velha, porca, gorda, de braços cruzados e o velho cinturão do falecido na mão:

— Agora você vai aprender a me obedecer.


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Notas finais do capítulo

Glória não mede esforços em maltratar o neto, que está descobrindo que há vida fora de sua casa.
Comentem! ;)