Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 3
Mastigar


Notas iniciais do capítulo

Dedicado às leitoras Amanda e Alexia e também à Dyanna, que favoritou



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Nota do Diário

Fortaleza, 10 de fevereiro de 2004.

“Por que não deixaram a baleia se afogar? O filho de uma cadela aqui agradeceria. Pelo menos evitaria a surra que eu levei. Eu quero que aquela velha vá para o inferno, para o inferno!

Meia hora depois da surra, Vó Glória veio até o meu quarto, onde eu devorava um pacote de batata Ruffles cujo eu havia escondido e eu nem me lembrava mais. Ela estava com uma cara lisa, porém não era para um provável pedido de desculpas. Ela certamente estava reparando no meu rosto, que estava vermelho em sangue devido a ferida que o cinturão abrira. Eu não passei nem mesmo a mão. Vó Glória exigiu que eu fizesse o jantar, que o fato de eu ter acabado de voltar do hospital não justificava minha moleza. Tudo bem. Fiz o filé com fritas que ela tanto adorava e, claro, ela disse que a carne estava sem sal. Trouxe o saleiro e ela disse que o arroz estava queimado. Respirei fundo e disse a ela que não, não estava. Ficamos naquele dilema durante alguns minutos e ela, mesmo assim, pôs tudo para dentro, empurrando com o guaraná Wilson que a fez arrotar. Tudo voltara ao normal.

Hoje eu vou voltar à escola e suplicar ao professor de Matemática que repasse a prova que eu deveria ter feito ontem. O jeito vai ser voltar à minha vida de merda.”

Na casa de Felipe funcionava uma clínica onde Glória fazia abortos clandestinamente e do modo mais sujo que existia. Cobrava duzentos reais para cada mês de gravidez da moça que fosse procurar seus serviços. A sala de estar era a sala de espera e a lavanderia era a sala de “remoção de encostos”, como a própria mulher se referia friamente. Glória gostava de praticar o tal ato sempre às tardes, período onde Felipe estava na escola.

Felipe fazia o terceiro ano do ensino médio. Naquele ano, tentaria vestibular para cursar gastronomia. Aquela era a sua meta. Sempre carregava um velho violão consigo, fruto de um ano economizando o dinheiro do lanche para comprá-lo. Adorava tocar clássicos e fazia um som acústico dos seus ídolos como ninguém.

Na escola ele tinha um lugar particular, onde compunha suas músicas ou tentava se livrar dos seus problemas e pecados tocando boas canções. Evitava falar com quaisquer pessoas, a não ser os funcionários do local, os quais ele sabia que eram obrigados a tratar todos os alunos daquela instituição da mesma forma.

Não era um péssimo aluno. Digamos que ele escapava em algumas matérias. Seu forte eram as exatas. Sempre foi bom em matemática, o que lhe contava alguns pontos para passar de ano.

Renato era um dos poucos colegas de classe que Felipe conversava.

— Cara, amanhã eu vou fazer 18.

— Fico feliz por você. — disse Felipe, em um tom de inveja explícito.

— Pois é. E você, quando faz 18?

— Só em junho.

Fevereiro, Março, Abril, Maio e finalmente Junho. Faltavam apenas cinco meses que seriam longos.

— Cara, tu ta convidado pra minha festa. Vai ser amanhã à noite. Você pode ir?

O convite de Renato era tentador para Felipe. Porém ele nunca sequer fora a uma festa.

— Eu vou.

Ler escutando: Jamiroquai – Love Foolosophy.

A festa começaria às 9 da noite do dia seguinte. Nesse horário, Glória estaria assistindo atentamente à sua novela e por nada nesse mundo ela gostaria de ser incomodada. Felipe, aproveitando a distração da avó, conseguiu sair tranquilamente pela porta. Usava sua melhor roupa e o perfume do avô.

— Senti o cheiro do falecido. — disse Glória, e depois voltou com a atenção para a TV.

A casa de Renato ficava há uns dez minutos a pé. Dançavam uma canção de Jamiroquai sob um enorme globo de luz colorida, o que fazia Felipe ficar encantado e com uma vontade louca de dançar. Sentiu uma mão bater em seu ombro.

— E aí, cara! Que bom que você veio! Fica de boa que aqui hoje todo mundo tem dezoito. Tanto as bebidas quanto as meninas são suas!

Felipe olhou em volta. As meninas que Renato se referia eram prostitutas que estavam dispostas a transar com qualquer um. Ele se deu conta que aquela era uma festa estritamente masculina.

Pegou uma latinha de cerveja e a contemplou antes de tirar o lacre. Era a primeira de sua vida. O estalo foi quase inaudível, contando com a música alta do ambiente. De início, ele sentiu um gosto amargo, ruim, e pensou o porquê de pessoas serem viciadas em bebidas como aquelas. Depois do terceiro, quarto e quinto gole, sua concepção foi mudando. A primeira latinha foi se transformando em segunda, terceira e por fim, na quarta, uma das prostitutas aproximou-se dele e disse:

— Quer companhia pra beber?

— Que tipo de companhia?

Felipe era um rapaz ingênuo. Sabia apenas que a prostituta em questão queria garantir a grana daquela noite.

— Não responda minha pergunta com outra pergunta, rapaz. — ela riu. — Meu nome é Joana Lee.

— Esse não parece nome de prostituta.

— E quem disse que pra ser vadia precisa de nome? Vem comigo, é por conta da casa.

Joana Lee agarrou Felipe pelo seu colarinho e deu-lhe um beijo. Aquele era o primeiro beijo da vida do garoto, que veio logo depois de sua primeira cerveja. Felipe sabia que naquela noite seria exclusiva para novas experiências.


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Notas finais do capítulo

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