Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 2
Degustar


Notas iniciais do capítulo

Esta é uma introdução. Os capítulos ainda vão ficar maiores.
Ler escutando Barão Vermelho - Down em Mim



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Nota do Diário de Felipe.

Fortaleza, 9 de fevereiro de 2004.

“Essa é a ultima vez que escrevo aqui. Já não aguento mais a pressão, e acho que tomei coragem, diário. Você foi o meu único amigo durante esses dezessete anos da minha vida e sabe do meu sofrimento. Não aguento mais minha avó me obrigando a fazer os serviços domésticos e nunca estar satisfeita com os resultados. Espero que para onde eu vá, céu ou inferno, não haja tanta gente imunda, que adora tirar sarro dos defeitos alheios. Eu estou doente, doente e não tenho mais pra onde ir. Eu não tenho meios de obter ajuda. O que me resta agora é apelar pra morte.”

Antes de ele sair de casa, Glória perguntou ao neto cujo fazia de escravo aonde ele iria. Felipe não respondeu, apenas bateu a porta furiosamente e pôs os pés inchados na calçada depois de tanto tempo para ir à Praia do Náutico em Fortaleza. Trajava um jeans velho e apertado tamanho 46 e uma camiseta de campanha política. Nunca teve direito a uma vestimenta digna. Ele nem ligava, não precisava mesmo. Não saía de casa nem para ir até o mercado.

“Eu não sei o que o meu corpo abriga...

Nessas noites quentes de verão

E nem me importa que mil raios partam

Qualquer sentido vago de razão

Eu ando tão down

Eu ando down...”

Era cedo de uma manhã de segunda-feira, e a praia nunca estivera tão deserta. “ótimo assim”, pensou Felipe, caminhando descalço e de olhos fechados na areia quente em direção ao mar. Sentiu a umidade da areia e abriu os olhos. “Estou perto”. Observou o horizonte e imaginou o que existia lá na frente. Estava na hora. Despertou-lhe um desejo de chegar até aquele infinito e ele apenas esticou o braço. Talvez pudesse alcançá-lo antes de ficar imerso. O mar era frio e encantador. Já lhe cobria as pernas e já lhe chegava à barriga. Quanto mais Felipe andava, mais e mais o mar tomava conta de si, e quando menos esperou estava completamente afundado. As ondas vinham furiosas, mas ele tinha forças para deixar que elas não o levassem de volta para a beira da praia. Outra onda. Quando se deu conta, não havia alcançado o infinito, e sim estava no lindo azul e perigoso fundo do oceano, com as mãos esticadas para cima e tentando voltar à superfície. A água salgada forçava Felipe para que ele a engolisse e quanto mais ele tentava cuspir mais água ele tomava. O tom azul iluminado pelo sol foi se tornando cada vez mais negro.

Felipe abriu os olhos novamente. Por um milagre alguém havia visto algo no meio do mar e era o nosso protagonista. Achavam que ele estava pedindo por socorro, mas não, não estava.

— Baleia tem que saber nadar.

— Não sei como vocês conseguiram tirar esse monte de banha de dentro d’água.

— Acho que foi com um guindaste.

Essas foram as primeiras palavras que ele escutou depois de nascer de novo. Deitado no meio na areia da praia e rodeado de curiosos, Felipe viu que não conseguira se suicidar do jeito que planejara.

— Você nasceu de novo, meu amigo. — disse um homem, talvez tivesse sido aquele que salvara Felipe.

— Eu... Eu posso ir?

— Você bebeu muita água. É melhor ficar aqui e esperar a ambulância.

Estava medicado agora e pronto para uma nova tentativa. Teria coragem? Fora tudo perfeito: o infinito, a imensidão azul do mar, e as mãos que tentavam alcançar algo impossível. Como poderia ter dado errado?

— Sua avó, Felipe. — avisou a enfermeira.

Tremeu-lhe as pernas pensar em ter de voltar pra casa acompanhado da velha porca que era sua avó. Glória mostrou ser uma avó dedicada falando com o médico e as enfermeiras. No ônibus de volta pra casa, ela não falou nada e Felipe achou estranho o fato. Será que ela havia mudado?

Já em casa, Glória apenas pôs a bolsa estampa de oncinha em cima da mesa e pegou o cinturão do seu falecido marido.

— Morrer? Felipe, Felipe... Você só está nesse mundo porque eu fiz o favor de te criar, seu moleque ingrato.

Uma das bordoadas acertou em cheio as costas de Felipe,que estava sentado na beira da cama, mas não o fez reagir em hipótese alguma.

— Responde seu filho de uma cadela, por que você quis se matar?

— Quer que eu responda? Por que o mundo é pequeno demais pra nós dois. Ou a senhora vai pro inferno, vó, ou deixa que eu mesmo vá.

Uma bordoada de cinturão acertou em cheio o rosto de Felipe e uma pequena ferida abriu-se em sua bochecha esquerda. Glória não havia mudado.


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Notas finais do capítulo

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