Sejamos todos bem vindos ao século XXI, tempo em que a geração Coca-Cola está cada vez mais escassa, dando lugar à geração Dolly. Período onde a mídia cospe dentro da sua cabeça tudo o que você deve fazer, sem tirar nem pôr. Todos têm de seguir aquele padrão imposto pela TV. Só se é bonito se você for branco, loiro dos olhos azuis. Só se consegue uma mulher se for sarado, com um corpo escultural e mesmo assim deixar o romantismo de lado e ser cafajeste.

O recalcado que vos fala se chama Felipe. Felipe Duarte Torres. Fruto de uma gravidez indesejada, a qual fez minha mãe morrer no parto. Meu pai, eu nunca soube quem é, mas acho que deveria ser um namorado da minha mãe o qual minha avó não aprovara. Nasci em uma maldita sexta-feira 13, em junho de 86. Logo depois que minha mãe morreu, fui criado pela minha avó Glória sob métodos rígidos de educação. Ela não é a avó perfeita que pedi a Deus, na verdade ela é a carrasca que me faz de escravo desde que me entendo por gente. Enquanto ela vive sua vida mansa, com sua grande buzanfa colada na poltrona, acompanhando desde o Globo Rural ao Programa do Jô, eu lavo, passo, cozinho. Sempre foi assim. Ela achava que seria assim para sempre.

No momento que escrevo esse relato, estou pesando cerca de 120 kg. Acho que ninguém nunca revela seu peso assim, quer dizer, não é necessário. Mas no meu caso é porque pesar três dígitos é realmente frustrante para um cara como eu e sinto que esse problema vai se alastrar por toda a minha vida. Tenho apenas dezessete anos e estou farto, farto da minha avó. Eu queria sair, eu queria a liberdade, mas tenho medo de pôr o pé na calçada, sair e ir às belas praias da cidade onde eu moro. Mas existem algumas correntes invisíveis que me prendem naquela prisão que é a casa da minha avó. Ela, minha aparência, até as roupas que eu sou obrigado a usar. É difícil ser eu. É difícil levantar de manhã todos os dias e ter que carregar mais de cem quilos, ainda mais quando esse peso é seu.