Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 17
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São Paulo, 14 de Abril de 2005.

Se a vida tivesse trilha sonora, ali tocaria um som de suspense. Tudo preparado. O amigo de Luiz Gustavo já estava posicionado com uma câmera filmadora em mãos. Tarde da noite, o bar fechando e Felipe foi obrigado a sair de lá. Embriagado, vista embaçada, dificuldade em andar, nem que fossem passos lentos. Alguém se intrometeu em seu caminho e deu-lhe um empurrão que o fez cair no chão de terra batida. Começava a chover, dificultando ainda mais a visão de Felipe. Luiz estava de capuz e o mocinho via apenas a sombra daquele rapaz doentio, que dizia:

— Eu disse pra você não cruzar o meu caminho. Vai levar uma surra pra aprender! Seu chiclete de banha! Toma! — chute no estômago. Felipe cuspiu assim uma quantidade de sangue que foi embora com a água da chuva que escorria na calçada.

Luiz ordenava que Felipe se levantasse, pois segundo ele, deveria apanhar em pé. O amigo de Luiz filmava tudo e gargalhava, se divertia com as dificuldades que Felipe encontrava para se levantar devido à embriaguez. Quando finalmente Felipe ficou de pé, Luiz começou a lhe dar socos no estômago e chutes entre as pernas. Felipe urrava de dor, pois nem o álcool era suficiente para adormecer-lhe e impedi-lo de sentir tamanho sofrimento.

— Toma! Toma isso seu gordo desgraçado! Intrometido! Seu filho da puta!

Ele não sabia ao certo quanto tempo havia apanhado. Se fosse um minuto,meia hora, duas horas, não importava. Parecia uma eternidade.

O último movimento de Luiz foi jogar Felipe no chão e dar-lhe um último chute no estômago. Ele e o seu amigo saíram, deixando o rapaz embriagado jogado no meio da chuva. Havia muito sangue no meio daquela rua deserta, que pouco a pouco se misturava com a água da chuva, com a lama e escorria direto para o bueiro.

Lana saiu de casa um pouco mais feliz como de costume para dar aulas. Recebera um telefonema do hospital informando que James havia melhorado seu quadro clínico e que tinha mais chances de sair do coma. Prometera a si mesma que logo após o expediente passaria no local para vê-lo.

Teremos uma vida nova, meu filho e eu, pensava Lana, estacionando o carro e caminhando pela rua que dava acesso a faculdade. Viu um amontoado de gente na esquina perto de um bar e achou estranha toda aquela confusão naquela hora da manhã.

Chegou mais perto do amontoado de gente. Todos estavam com sua atenção voltada para algo, mas Lana precisava saber sobre o que era. Enfiou-se no meio de todos e quando finalmente conseguiu enxergar algo, viu Felipe inconsciente e ensanguentado no chão.

— Parece que está morto! — disse alguém.

Ninguém nem ao menos o tocava. Ninguém acionou ao menos uma ambulância.

— Não morreu não, olha ele ta se levantando.

Luiz Gustavo dormiu na rua. Ou melhor, nem dormiu, apenas ficou vagando por aí no meio da chuva. Pedira ao amigo que postasse a filmagem de Felipe levando a surra nas redes sociais. Ele o faria com toda a frieza do mundo. Viu quando Lana apoiou o ex-aluno com a mão no seu ombro e o conduziu até o carro.

— Vai pegar a tia, é Felipe? — Luiz sorriu e depois saiu de cena.

São Paulo, 14 de Abril de 2005.

Ler Escutando: Creed – One Last Breath.

Sentiu-se confortado novamente. E pela mesma pessoa. Lana pôs Felipe sentado no sofá e foi até a cozinha buscar um kit de primeiros socorros.

— Você vai ficar bem. — disse ela.

Felipe esperava que ela perguntasse o que havia acontecido, mas Lana parecia concentrada no seu momento enfermeira. Pôs um pouco de mertiolate em um pedaço de algodão e foi passando suavemente em cada ferimento aberto.

— Acho que você vai precisar ir ao hospital.

— Parece que eu quebrei meu braço, professora.

— Felipe... Vamos fazer o seguinte: aqui eu não sou sua professora. Está bem?

— E o que é então?

— Uma amiga... Que te quer bem. — ela sorriu.

Estranho. Nunca foi cuidado, nunca teve a atenção de alguém que queria seu bem. Ninguém nunca lhe deu um carinho de mãe, um sorriso materno, um colo como apenas Joana Lee lhe dava em momentos ruins.

O idealizador de amores, a marionete dos sentimentos e dos vícios estava ficando apaixonado pela professora. Dane-se Anne e que Joana lhe perdoasse.

Para ver Anne, Luiz tentava se arrumar o máximo possível. Marcaram, por celular, um novo encontro naquela noite, mas agora na casa dela. Anne estava sozinha, pois Marta, Fábio e René tinham compromissos.

Ainda com a roupa do balé (pois havia acabado de chegar da aula) tentava climatizar romanticamente a casa.

Som de campainha.

— Nossa, ele chegou cedo! — suspirou, indo abrir a porta. Luiz trazia flores e logo que a viu a agarrou e lhe deu um beijo.

— Desculpa, estou toda descabelada. Aceita uma água, um suco?

— Uísque. Tem?

Surpresa, ela balançou a cabeça dizendo que sim. Foi até o escritório do pai e voltou de lá trazendo um copo com uísque e alguns cubos de gelo.

— Não vai beber? — perguntou Luiz, ao receber a bebida.

— Claro! — respondeu, sem jeito, voltando em seguida até o escritório para preparar a sua bebida.

Luiz pôs sonífero no seu uísque e colocou em cima da mesa de centro. Quando Anne voltou, tomou a bebida da mão dela e deu-lhe outro beijo.

— Vamos com calma, por favor.

— Claro — disse ele.

Luiz trocou as bebidas rapidamente e entregou a com sonífero para Anne.

— Então bebe mais um pouco.

Anne deu um sorriso malicioso e bebeu o uísque.

São Paulo, 15 de Abril de 2005.

Nota do Diário

Resolvi não dar queixa na polícia. Um boletim de otário não vai resolver nada. Porra, já chega. Eu sei que eu poderia ter morrido, mas se eu estivesse sóbrio apanharia da mesma forma e sofreria até bem mais. Fiquei até hoje pela manhã em observação, pois fraturei uma costela e quebrei meu braço esquerdo. ELE quebrou. Maldito.

Lana me falou que um vídeo foi postado na internet, onde eu era a atração principal, o piñata, e Luiz a criancinha a qual queria a qualquer custo arrancar doces de dentro dela. Mas no nosso caso, ele queria tirar sangue, dor e sofrimento de mim.

Eu queria muito voltar pra casa, mas a professora insiste que eu fique na casa dela. Não queria ser um fardo pra ela mais do que eu já estou sendo. E como eu fui pra todas as outras pessoas desde que perdi Joana.

Anne acordou com René balançando seu corpo. Chacoalhava muito. De início ela sentia-se incomodada, mas depois se lembrou de que apagara do nada.

— Luiz Gustavo?

— Não, Anne. Sou eu, René, teu irmão.

— Cadê o pai e a mãe?

— Ainda não chegaram de ontem. Devem ter ido pra um hotel. Mas aconteceu uma coisa horrível.

Enquanto o irmão falava, Anne olhava para os lados procurando por Luiz.

— Anne, presta atenção, pô!

— O que aconteceu, René?! Fala logo!

— O cofre. Arrombaram nosso cofre e levaram tudo de lá. Lembra de ter entrado alguém aqui? Os seguranças disseram que você os liberou, assim como as empregadas.

— Eu não fiz nada!

René segurou Anne pelos dois braços.

— Fez sim! Assuma seus erros e honre sua idade! Diz logo!

Anne ficou calada.

— Quem cala consente. Vou ligar agora para o pai e para a mãe.

— Não! Não! — Anne correu até a porta, onde René já se encontrava.

— Anne, são as joias da mamãe e mais de duzentos mil dólares que o pai guardava dentro daquele cofre! É um desfalque enorme. Você não tem consciência?

— Eu... eu vou recuperar tudo. Me dá até o fim do dia. Por favor. Não diz nada pros velhos, eu imploro!

Anne vestiu um vestido qualquer, pegou a bolsa, o celular e saiu.

— Meu filho? Ele acordou? — Lana vibrava ao telefone. Felipe a ajudava com o almoço. — quando é que eu posso vê-lo? Depois do almoço? Ok, sim eu vou sim!

— James, meu filho! — Lana estava emocionada em ver o filho de olhos abertos novamente.

James, por sua vez, nada disse.

— Filho, filho, fala comigo. Tem alguém aqui querendo te ver.

— Agora eu sou seu filho? E eu não quero ver ninguém. Vá embora. — respondeu finalmente, mas com dificuldade.

Felipe entrou no quarto. James despertou um olhar de fúria para ele e gritou:

— Saiam daqui! Vocês são o motivo por eu estar assim! Seu elefante idiota e você, sua fracassada!

—É melhor a gente sair daqui... Lana. — disse Felipe.

Ceará, 15 de Abril de 2005.

Glória continuava pagando pelos seus pecados. Já perdera a conta de quantos pratos havia lavado, ou de quantos copos havia enxaguado. Sem contar com os gritos que levava do patrão.

— Glória, pelo amor de Deus, o cliente ta esperando!

— Vai se ferrar velho idiota! — falou sem pensar. Já era tarde.

— Como é? — perguntou o patrão. — Manda eu me ferrar, assim, como se não me devesse nada, sua velha trambiqueira? — deu um tapa no rosto de Glória. — Sua cadela vadia, acha que eu estou fazendo um favor a você, é? Eu digo à polícia onde você está. Quer?

Glória ainda não havia se recuperado da tapa.

— Ninguém bate em mim.

— Não? Sério que não?

Glória quebrou uma garrafa de cachaça no chão e na mesma hora, com o gargalo avançou para cima do pescoço do patrão.

— Agora que você encostou no meu rosto, eu vou acabar com a tua raça.

A velha tentava a qualquer custo furar a jugular do homem com o vidro cortante, mas ele era resistente a ponto de deixar tudo mais difícil.

— Socorro! Socorro! Essa louca quer me matar!

Glória acertou uma joelhada na genitália do homem.

— Cala a boca. Você vai morrer agora!

Lentamente, ela desenhou com o caco de vidro uma linha no pescoço do homem, que logo se transformou em uma poça de sangue no chão. Ainda em cima dele, ela cravou o gargalo em sua jugular, levando o ex-patrão à óbito.


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Notas finais do capítulo

Glória sendo Glória, apenas
E o Felipe e a Lana... Apaixonados?
Faltam só mais dois capítulos :)



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