Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 13
Vomitar




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/487505/chapter/13

Nota do Diário

Ler escutando: Engenheiros do Hawaii – Pra ser Sincero.

São Paulo, 10 de Março de 2005.

Achei que a porra da minha vida tinha cansado de me dar tantas decepções e, puta merda, aquela garota que parecia meiga, com um rostinho angelical e um olhar azul profundo mostrou-se ser capaz de qualquer coisa apenas por causa da minha relação com a minha tia. Poxa, dona Marta antes de ser uma ótima tia pra mim é a mãe de Anne, e eu vejo que nunca faltou carinho e amor pra minha prima da parte dela.

Achei que o tratamento dos meus tios a partir daquela hora para com a minha pessoa seria mais frio, diferente, mas enquanto eu dormia, senti uma mão passar levemente sobre os meus cabelos e um cantarolar. Era tia Marta. Senti como era o amor de mãe. Era carinhoso, sincero, diferente do da minha avó. Eu dormi tão bem na noite passada que esqueci todos os meus problemas.

Sobre a faculdade, está tudo indo bem. Dos professores, a que eu mais gosto é a Lana. Ela me entende, e desde aquele episódio da escola do seu filho, nos tornamos bons amigos. Eu tenho facilidade de me relacionar com pessoas mais velhas (tirando a minha avó, claro). Sim, Lana não é tão velha assim, acho que tem uns 35,36 anos, por aí, mas digo mais velhas do que eu.

Ler escutando: Gorillaz – Clint Eastwood.

Era a primeira vez que James entrava no colégio depois que Luiz Gustavo o jogara na escada. Não demonstrou seu medo de voltar ao lugar para a mãe. Lana também não queria que o filho voltasse ao colégio depois do ocorrido, mas tinha certo orgulho em trocar duas ou três palavras com ele. Deixou que ele fosse, pois talvez assim ele comportar-se-ia como homem, enfrentando seus medos. Deixaria que ele saísse mais um pouco, que ele exercesse algumas atividades, na esperança de que algum dia ele também encontrasse uma garota para se relacionar.

— Academia! — disse James. — O médico falou que academia é bom para que eu fique bom do braço quebrado.

Mentira do filho ou não, Lana deixara que o filho praticasse academia por algumas horas do dia.

Agora ele estava só, e não diferente daquele dia, com medo de pôr os pés na escola. Luiz Gustavo estaria lá, com certeza, e quando ele o visse, com certeza daria seu sorriso diabólico e arquitetaria mais um plano. E com certeza perceberia que James morder-se-ia de medo apenas em vê-lo.

E lá estava Luiz, fazendo-se de bom aluno, de inocente e adolescente exemplar.

— Seja bem vindo de volta à escola, James, meu amigo! — Luiz sorriu.

James procurou uma cadeira longe do falso colega e se sentou, mas logo ele se aproximou.

— Fica tranquilo. Aquilo foi só um aviso. Você é um rapaz inteligente e sei que não vai querer mexer comigo de novo.

— Me deixa em paz, projeto de Nazaré Tedesco...

— Meu nome é Luiz. Luiz Gustavo, e pra sua informação Nazaré Tedesco é uma das minhas inspirações. Mas tem muita maldade que eu posso bolar, e quem sabe eu não possa testar tudo em você?

— O que você quer hein?

— Um cúmplice. Eu preciso da sua ajuda.

— Coisa boa ou coisa ruim? — indagou James.

— No intervalo eu falo com você. Ou melhor, na hora da saída. Me espera na porta da sala.

No curso de gastronomia, os alunos faziam um trabalho prático. O tema, culinária italiana, aguçava o interesse de todos os alunos. Felipe fazia dupla com Zazá, aproveitando para dar pontos para um possível relacionamento dela com o primo René, porém a gótica além de curta e grossa, era irredutível.

— Zazá, por que você não dá uma chance ao René? Sei lá, conversa com ele... — disse Felipe, cortando um tomate em rodelas.

— Não! — Zazá na mesma hora enfiou a faca em um pedaço de queijo, rapidamente.

— Ta ok, então. Não ta mais aqui quem falou.

Lana aproximou-se e cumprimentou Felipe. Eles estavam cada vez mais amigos.

— O que vocês estão preparando?

— Professora, aqui vai uma massa italiana com um molho de tomate todo especial. Só espero que dê tempo.

— Olha que vocês só têm meia hora hein. Então, pessoal, o tomate ou a tomate é uma fruta muito delicada e precisa de cuidados especiais. O manuseio e a higiene de alimentos delicados como esse é muito importante para o conhecimento e a formação de um bom chef...

Anne chegou da aula de balé. Ainda um pouco chateada pela briga com os pais, foi para o computador ler a sua web novela.

— Pelo menos o autor postou um capítulo ontem. — e começou a ler: — “E a prima amante traiu o primo amado. Será que ela realmente gostava dele? Nosso mocinho daria a vida por ela, e ela nada faria por ele. Foi um impulso da parte dela. Aconteceu...”.

O sinal de saída do colégio de James finalmente tocou. Era a primeira vez na vida em que ele gostaria que o sinal não tocasse. Saiu da sala, ultrapassou o portão da escola e viu Luiz o esperando em um parquinho abandonado em frente à escola. Pensou em correr, mas desistiu quando se lembrou de que teria de encará-lo de todo jeito no dia seguinte.

— Você vai sozinho pra casa ou vai esperar a mamãezinha?

— Vou de ônibus. — respondeu James.

— Ótimo. Hoje você vem comigo.

— Calma, pra onde Luiz?

— Não pergunta mais nada. Vem logo, porra. Eu to mandando.

Ler escutando: Jamiroquai - Love Foolosophy

René e Felipe combinaram de ir à academia depois de saírem da aula.

— E aí, Felipe, falou com a Zazá?

— Até que eu tentei. Mas eu tenho medo dela. Eu perguntei de boa, mas ela é monossilábica aquela menina. Putz!

—É, mas eu não sei o que a Zazá tem que me deixa louco.

— Acho que é por que ela não fala muito né, primo?

René entendeu como uma piada e riu.

Chegaram à academia. Horário de almoço, pouco movimento. René foi logo para o espelho e como sempre se achou magro demais. Felipe foi para a esteira e de lá dava para ver o primo negociando com um cara. O tal homem deu alguns pacotes com seringas descartáveis a René, que os colocou todas na mochila.

Do lado de fora da academia, aproximavam-se James e Luiz Gustavo.

— O que a gente vai fazer nessa academia?

Luiz abriu a mochila e tirou duas mascaras pretas e um revólver.

— Põe uma. Preparado para o seu primeiro assalto, James?

****

James parecia não acreditar no que Luiz Gustavo o solicitara. Porém, as máscaras e o revólver faziam-no virar realidade.

— Como assim?

— ASSALTO. Com dois “S”. Não vai querer que eu soletre não é sua anta?

— Não, eu não vou fazer nenhum assalto.

James virou as costas, mas logo Luiz segurou seu braço e com a outra mão sacou o revólver.

—É uma ordem. Achei que eu havia deixado claro sobre o que eu sou capaz de fazer. — pôs o cano do revólver dentro da boca do rapaz. Ele olhava para James com um olhar doentio enquanto o menino tinha os olhos marejados de tanto medo — então, James, vem ou não?

James apenas assentiu com a cabeça, desesperadamente.

Movimentos estranhos na academia onde Felipe e René estavam. Enquanto Felipe corria na esteira, seu primo levantava peso em frente a um espelho. Havia pouca gente no estabelecimento além de eles. Pessoas não andam por aí com máscaras pretas a não ser que...

— Todo mundo pro chão, isso aqui é um assalto! — gritou um dos garotos. Ele parecia ser o líder, pois o outro estava bem mais apreensivo.

Felipe reparou que o garoto que estava com medo vestia a camisa da farda de uma escola em que ele fora uma vez. “é a escola do filho da professora Lana!”, pensou. Entretanto, Felipe não acreditava que fosse o próprio.

— Deita logo monte de banha, to mandando! — depois de falar isso, Luiz acertou uma coronhada na cabeça de Felipe, que foi ao chão. Felipe ficou encarando o garoto que estava escorado na parede. A única coisa que dava para ver era o seu olhar e a identificação da escola onde ele estudava pela farda. — Eu quero grana. Onde é que fica a grana dessa joça? — continuou Luiz Gustavo. Entregou um canivete a James e ordenou: — Vai no caixa e pega a grana. VAI LOGO JAMES SEU INFELIZ! ANTES QUE EU ACABE COM VOCÊ AQUI MESMO!

James. Era apenas isso o que Felipe precisava saber. O mesmo nome do filho da professora Lana.

Nota do Diário


São Paulo, 12 de Março de 2005.

A coronhada doeu, mas os adjetivos que aquele estudante trajado de bandido usou para se referir a mim doeram mais do que quaisquer balas que sairiam daquele revolver caso alguém não o obedecesse.

Lembro-me do uniforme daquela escola. Vi perfeitamente que o garoto que parecia o mais medroso da dupla estudava na mesma escola em que o filho da professora Lana estuda. Lembro-me que o bandido sem coração chamou-o de James e me caiu a fixa de que o filho da professora Lana estava ajudando naquele assalto. Sim, era ele mesmo.

As aparências enganam, eu sei, mas Lana não parece tão pobre a ponto de não atender às necessidades do filho e ele ter de assaltar uma academia. Ah, diário, eu me sinto no dever de contar a ela ou a policia. Os donos da academia sairão prejudicados. Só Deus sabe quando ela abrirá de novo. Fortaleza é uma cidade perigosa, mas eu nunca achei que São Paulo fosse mais.

Ficou um galo na minha cabeça e tia Marta, ao saber do acontecido, perguntou-me desesperadamente se eu estava bem, se eu estava inteiro. Pôs gelo e me deu um calmante (bem que eu precisei). Anne, por sua vez, ficou furiosa e deu um dos seus ataques histéricos (daqueles ataques onde ela se tranca no quarto e o tio Fábio tem um prejuízo de no mínimo dois mil reais, pois o que ela vê pela frente ela quebra). Anne ama a sua mãe e eu nunca quis tomá-la de ninguém. René já me chama de irmão e ele pra mim já é um irmão mesmo. Sinto-me um pouco mal, pois se tia Marta me trata como mãe, tio Fábio nunca foi tão frio comigo. Acho que se não fosse por eu ser filho do seu irmão, eu já tinha sido expulso faz tempo. René disse que estavam precisando de alguém que trabalhasse meio período numa loja de instrumentos musicais e é pra lá que eu vou. Assim posso juntar uma grana, pagar a faculdade e não depender mais do meu tio pra isso.

O que rolou com Anne foi bom, mesmo eu sabendo que foi uma armadilha. Ainda vejo nos olhos dela os olhos de Joana Lee, e é isso o que me machuca. Eu sinto como se a minha própria Joana fosse a traidora da história. Todos os dias antes de dormir eu rezo, peço para que ela me perdoe. Por tudo o que for...

René pediu para que Felipe o ajudasse a conquistar Zazá. A gótica não era do tipo que se conquistava com qualquer romantismo, mas o rapaz estava sendo capaz de qualquer coisa para ter o amor da garota.

— Então, Felipe... Me ajuda?

— Que música você quer cantar pra ela? Escolhe qualquer uma.

— Amor I Love you.

“Péssima escolha”, pensou Felipe. Os versos dessa canção faziam-no ainda lembrar aqueles minutos em que passou com Anne em seu quarto. Foi uma das únicas a quem ele se declarou.

— Acho melhor você cantar uma música do estilo dela. — disse Felipe. — The Cure. A Zazá tem bom gosto.

— Eu não sei cantar nenhuma!

— Eu acho melhor você sentar ali na frente do PC e começar a escutar. “Boys Don’t Cry”, “Friday I’m in Love” ou “Just like heaven”. Escolhe.

— Acho que eu vou ficar com a última. Naquele dia você cantou e todo mundo curtiu.

— Só que agora você que vai ter que afinar o gogó. Não vai ser eu. Boa sorte e até mais tarde na frente da casa da Zazá. — Felipe se despediu e René foi para o computador.

Felipe saiu para procurar o emprego. Disse à Oswaldo Guimarães, dono da loja de instrumentos musicais que estava interessado pela vaga. A loja era enorme, mais parecia um museu. Sempre limpa e arrumada, porém faltava alguém que organizasse aquilo tudo.

— O emprego é seu — disse Sr. Oswaldo. — Meio período, setecentos por mês. Combinado?

Ao sair da loja, Felipe deparou-se com dois garotos. Um deles era Luiz Gustavo e o outro era James. Lembrou-se do olhar furioso de Luiz Gustavo, e das palavras soando de sua voz demoníaca. Era ele, o comparsa de James no assalto à academia.

— Luiz Gustavo, meu filho. — disse Oswaldo — Achei alguém para me ajudar a tomar conta da loja. Este é Felipe Torres, meu novo funcionário.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O Felipe já sacou que um dos garotos que assaltou a academia era James. Será que ele vai sacar que Luiz Gustavo era o outro?
Comenta aí, eu preciso de contato humano. Beijim no ombro



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Submissão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.