Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 12
Gorfar




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Nota do Diário

Ler escutando: The Cure - Boys Don't Cry

São Paulo, 6 de Março de 2005.

“Como diz a banda The Cure, ‘Boys don’t cry’. Mas como não chorar diante disso? Passei um bom tempo sem escrever aqui porque eu meio que prometi até a você, diário, que seria fiel à Joana Lee nem mesmo se a morte nos separasse. A morte nos separou e eu gostaria muito, muito mesmo de cumprir com a minha palavra. Entretanto, Anne me faz lembrar Joana. Eu não sei o que me faz ver minha Joana em Anne, pois se uma trabalhava em um cabaré, a outra é uma simplória bailarina. Mas o sorriso, o olhar e o jeito que ambas me encantaram faz toda a diferença. Eu queria ser forte, mas o meu coração não aguenta viver só de lembranças. Infelizmente eu gostaria que ele aguentasse. Me sinto sujo, idiota e fraco, espero que um dia Joana me entenda, aonde ela estiver.

Amanhã começam as aulas na faculdade. Eu estou muito empolgado. Toda a turma do René estará lá começando uma nova fase de suas vidas. Flávia vai cursar química, René educação física, André letras e Zazá, a paquera do meu primo fará gastronomia, o mesmo curso que o meu. Pelo menos vai ter uma conhecida pra me fazer companhia. Boa noite, e que amanhã dê tudo certo. Ah, uma novidade: Já perdi dez quilos e estou quase saindo da casa dos três dígitos. 103 quilos já é um peso bom, estou otimista.”

Primeiro dia de aula na faculdade. Veteranos, novatos, professores, funcionários, todos otimistas, almejando um novo ano cheio de prosperidade e produtividade.

Felipe foi de carro com o primo René. Um pouco receoso e com medo do trote que estaria por vir.

— Fica tranquilo, Felipão. Aqui não tem trote, ou quando tem é uma coisa de boa.

Chegou à sala onde seria a primeira aula e a professora já estava lá. Seria uma aula teórica, apresentações e etc.

— Bom dia, pessoal. Meu nome é Lana Ferreira e eu serei uma das professoras de vocês.

Também era o primeiro dia de aula na escola de James, e não diferente de Felipe, ele também estava com medo do que viria a acontecer. Por um momento, arrependeu-se em ter batido em Luiz Gustavo.

Entrou na escola, rezando para que o garoto não estivesse lá. Ficou contente, pois não o viu. Subiu as escadas e para a sua surpresa, Luiz Gustavo estava no topo, com um sorriso maléfico.

— Que saudades suas, James!

No meio da dinâmica de apresentações, o celular de Lana tocou. Era da escola do filho.

— Com licença, pessoal. Eu preciso atender, é da escola do meu filho.

Lana correu até a saída, mas sem querer esbarrou em Felipe, deixando cair o molho de chaves dela.

— Desculpa, eu...

— Tudo bem, professora.

Lana saiu em disparada e Felipe achou melhor guardar as chaves para quando ela voltasse.

As palavras da diretora da escola de James martelavam na cabeça de Lana: “Seu filho sofreu um acidente grave. Ele caiu da escada e está inconsciente” . Pediu para que alguém avisasse que ela sairia e que voltaria logo. Não poderia deixar o filho morrer. Não. Jamais! Ela o amava mesmo ele a odiando.

Na sala de aula um funcionário avisara que a professora tivera de sair. Felipe ficou preocupado e achou melhor correr até o estacionamento para entregar as chaves à Lana. Avistou-a desesperada em frente ao carro procurando as chaves.

— Professora, suas chaves! — gritou Felipe.

Havia lágrimas nos olhos de Lana, porém ela tivera vontade de chamar aquele garoto de benção, de anjo.

— Nossa, muito obrigada!

— A senhora está bem? Tem certeza de que pode dirigir desse jeito?

Lana encostou-se no carro e pôs a mão na testa.

— Problemas? — perguntou Felipe. — Quem sabe eu não posso ajudar? Quer que eu vá com você?

— Sabe dirigir?

— Não. Mas me deixa ir, seja onde for... precisa de alguém para te acalmar pelo menos. Vamos. Você me conta o que aconteceu enquanto dirige.

Felipe e Lana chegaram à enfermaria da escola de James. Ele estava deitado e Lana quase teve um ataque de choro ao ver o braço do filho enfaixado.

— O que aconteceu, meu filho? — passou a mão na cabeça dele.

— James, um amiguinho seu insistiu muito pra ver como você estava. — interrompeu-os a enfermeira, trazendo Luiz Gustavo consigo.

— Me conta James. O que aconteceu?

James olhou para Luiz Gustavo, que sorria. O garoto conseguia fazer-se de inocente e enganar a todos. Além do quê aquele sorriso diabólico fazia com que James fosse sua marionete.

— Eu tropecei, mãe. — mentiu.

Nota do Diário

São Paulo, 7 de Março de 2005.

O primeiro dia de aula não foi bem o que eu esperava. O bom daquela confusão toda foi que eu ganhei uma amiga, minha professora Lana Ferreira, e escapei do trote, que era uma tropa para doação de sangue. Eu hein.

Nossa... acabei de receber uma mensagem aqui no MSN (enquanto o René dorme eu fico mexendo no PC, ele deixa). É da Anne. Ela está lá no outro quarto dizendo que quer falar comigo, pediu que eu levasse o violão. O que será que ela quer a essa hora?

Sabe, diário, me parece uma armadilha. Sei lá, ela não fala mais comigo como do jeito que ela falou naquele dia em que ela me mostrou a web novela. Talvez ela esteja com raiva porque a mãe dela, Tia Marta, esteja bem próxima de mim. Vou deixar bem claro que eu não quero roubar a mãe dela. Deseje-me sorte (yn).

Ler escutando: Legião Urbana - Giz.

Bateu na porta. A voz de Anne comunicou que o primo poderia entrar. Felipe carregava o seu violão.

— Eu... Eu queria te pedir desculpas pelo modo em que eu venho te tratando.

— Se for por causa da sua mãe...

— A gente não precisa justificar nada. Leu o livro?

— Qual?

— O que você pegou na minha estante né? O Primo Basílio.

— Ah sim. Terminei. Só não te entreguei porque fiquei com um pouco de medo de você. — ele riu.

— Não precisa me entregar. É seu. Presente de desculpas. Mas você anda lendo aquela web novela, “Entre Linhas Tortas”?

— Não, desculpa. Tava sem o link.

— Hoje o mocinho vai reencontrar a mocinha. O autor ficou um tempinho sem postar. Quase subo pelas paredes de tanta ansiedade. Lê comigo, Felipe?

— Claro. Anne...

— Oi?

— Você é muito legal.

— Obrigada.

— E linda também.

— São seus olhos.

Queria ele que seus olhos estivessem errados, mas estavam encantados. Ela suspirou, ficou vermelha e voltou com a atenção para o computador, entrando no site de fanfics e web novelas.

— Olha, Felipe! Um trecho da música da Marisa Monte. Deve ser o tema dos protagonistas. Amo essa música.

— Esse trecho também é do livro que eu tava lendo. Coincidência louca, né?

— Não acredito em coincidência. Nem em horóscopo, nem em nada do tipo.

— E em acaso? — perguntou Felipe.

— Não sei qual é a diferença. Lê pra mim esse trecho? Fica bonito em voz masculina.

Felipe passou os olhos pelas letras em Times New Roman apenas para disfarçar, pois já sabia aquele trecho decorado.

—“...tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas...”

Anne olhou bem nos olhos de Felipe e o interrompeu, continuando o texto de onde ele havia parado:

—“... como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!”.

Ler escutando: Marisa Monte - Amor I Love You

Silêncio absoluto. Só havia o som do respirar de cada um. A única sensação: borboletas no estômago. O único cheiro era o hálito refrescante de cada um, sabor pasta de dente, noturno, ele achava que era menta. Ela estava confusa e confundia as borboletas, o som e o hálito. Ele quis quebrar o silêncio, confessando-se:

— Então deixa eu dizer que te amo? Deixa eu gostar de você?

E os dois se beijaram.

***

Não podia ser — pensava Felipe. Ele achava que seria castigado tanto por não ter respeitado a memória de Joana Lee quanto por ter beijado a prima. E ela o correspondeu. Correspondeu-o arduamente e deixou que as borboletas do seu estômago escapassem. Cheiro de menta noturna... Extasiado eles estavam com aquele simplório beijo, não obstante, estavam um pouco assustados com aquilo tudo.

— Me desculpa, Anne? Eu me excedi. Mil perdões!

— Ei... — Anne acalmava Felipe, que parecia assustado. — Eu gostei.

Ele sorriu. Um sorriso bobo, meigo, indefeso, inocente. Ela pôs suas mãos no rosto dele e ele fechou os olhos.

— Canta pra mim?

— O que você gosta de ouvir? — perguntou.

— Sua voz.

Ele pegou o violão que estava encostado na cama e começou a tocar alguma coisa. Anne pediu para que ele cantasse.

High time we made a stand. And shook up the views of the common man. And the lovetrain rides from coast to coast. DJ is the man we love the most…

— Canta mais alto, Felipe! Mais alto!

Sowing the seeds of Love, seeds of Love, sowing the seeds...

Parecia que tudo estava indo às mil maravilhas. Parecia que Felipe havia descoberto o caminho para o paraíso de novo. Era quase meia noite, e os pais de Anne já estavam dormindo. Porém, Felipe atendeu ao pedido da prima cantando a canção de Tears for Fears cada vez mais alto.

Trinco da porta girando. Coração saindo pela boca.

— O que está acontecendo aqui?

— Vocês podem nos explicar, Felipe e Anne? — perguntaram Marta e Fábio, respectivamente.

Anne sentiu que ali era a hora de ela completar o seu plano. Correu até a mãe e agarrou-se no vestido dela, como uma criança indefesa.

— Vamos, Anne, responde! — Fábio queria uma explicação.

— Ele me agarrou, pai. O Felipe queria... — Anne fingiu um choro, impedindo a conclusão de sua fala.

— Eu não acredito que... Não, não pode ser verdade!

Felipe correu até o quarto onde agora René estava acordado e sem camisa na frente do espelho.

— Que louco Felipe... Eu tentando ficar forte e você tentando emagrecer... Pior ainda é eu ficar acordando no meio da noite pra ver se o remedinho ta fazendo efeito... — vestiu a camisa de mangas compridas — não diz a ninguém que eu to tomando isso. Se o velho descobre ele me mata. Você vai amanhã comigo pra academia?

— Talvez. — respondeu Felipe, deitando-se e ainda tremendo-se pelo acontecido. Anne havia mentido.

Estava tudo indo bem, tudo indo bem. Felipe achou que deixara claro que ele não queria roubar a mãe de Anne. Marta era a sua progenitora. Por que diabos ele haveria de querer separá-las uma da outra? Marta e Fábio perderam a confiança no sobrinho cujo abrigaram com todo amor e carinho dentro da própria casa?

Ainda no quarto de Anne, os tios de Felipe decidiam sobre o sobrinho e o julgavam sem mesmo a presença dele.

— O que ele fez com você, minha filha? Ele encostou em você? — perguntou Fábio, sentindo-se culpado.

— Ele veio com um papo estranho sobre livros, sobre as músicas que eu gosto... Depois ele encostou uma mão aqui no meu seio, e a outra no meu rosto, forçando. — gesticulou. — foi horrível. Depois pra disfarçar começou a cantar.

— Mas que... O que esse garoto está pensando que é? — bradou Fábio.

— Anne, tem certeza de que ele fez isso?

— Mãe, a senhora está duvidando de mim? — perguntou, chorosa.

— O Felipe é um bom garoto. Ele nunca haveria de fazer isso. Ele necessita de carinho, e talvez ele não esteja entendendo os sentimentos dele.

— Marta, meu amor. Explique aonde você quer chegar, ok?

— Um garoto desses que sofreu a vida toda, nunca teve um gesto de amor na infância, foi criado por uma avó nojenta, dentro de uma clínica de abortos. Vocês acham que é fácil pra ele?

— Marta, olha o estado da nossa filha! — Fábio apontou para Anne, que fingia um choro escandaloso. — Você acha que ela mentiria a esse ponto?

— Deixa, pai. Agora ela vai acreditar em um estranho que VOCÊS abrigaram aqui em casa. Por favor, me deixem sozinha. Eu não quero ouvir mais nada. Vão cuidar do queridinho de vocês...

— Mas Anne... — Fábio tentava algum diálogo.

— SAI DAQUI AGORA, PORRA! — pegou tudo o que havia na mesinha de cabeceira e jogou no chão. Seus pais saíram do quarto e Anne continuou chorando. Seu plano não havia dado certo e Marta estava cada vez mais próxima de Felipe.


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Notas finais do capítulo

Gente, o que vocês acharam do Luiz Gustavo? O que ele fez com James foi merecido?
E a Anne, ela seduziu o Felipe por ciúmes da mãe e armou um plano todo?
Falem comigo, amo vocês



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