Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 11
Misturar


Notas iniciais do capítulo

Tá ruim? Eu prometo que vai ficar melhor -q



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Nota do Diário

Ler escutando: Los Hermanos – Todo Carnaval tem seu fim.

São Paulo, 4 de Janeiro de 2005.

“Anne sorriu pra mim. Por simpatia, claro. Mas ninguém nunca sorriu pra mim daquele jeito. Ah, diário! Onde eu estou com a cabeça? Eu não merecia o amor de Joana Lee. Eu não sou digno de carregar sua foto no meu bolso... Apaixonar-me pela primeira garota que aparece na minha frente, assim? Não, não... Anne é minha prima. Eu prometi à Joana que a amava. Que decepção!”

“Bom, minha chegada à casa da família do meu tio foi boa. Amanhã, meu tio vai me levar até a clínica dele para que eu possa fazer alguns exames. Tia Marta é uma supra dona de casa. Adora cozinhar (assim como eu). Já prometi a ela que eu iria fazer um almoço lá qualquer dia. O René é super gente boa, disse que ia me levar pra conhecer a galera dele hoje à noite. Prometi que o ajudaria a conquistar o coração de Zazá, uma garota que ele gosta. Anne já é mais reservada, gosta de escutar música clássica e MPB, ler, ficar no PC, essas coisas. Até onde eu sei, não tem namorado...”

A turma de René era de gente simpática, divertida e, sobretudo, de pessoas diferentes umas das outras. André Teixeira era um riquinho mimado, mas não tinha nada contra em se relacionar com pessoas de classes sociais diferentes à dele. Flávia Ribeiro era uma jovem que adorava estudar, ler, enfim, muito intelectual. Isabel Ribeiro (ou Zazá), irmã de Flávia, era uma gótica um pouco reservada. Media palavras, vestia-se exoticamente e adorava boa música.

Reuniram-se num barzinho ali mesmo em Interlagos, onde René apresentou o primo e os colegas ficaram estupefatos ao saberem que Felipe tocava violão. Zazá não demonstrou a excitação, mas no fundo estava contente em saber que teria música ao vivo naquela noite.

— Então, gente... Algum pedido de música? — perguntou René. No entanto, não veio nada à cabeça de ninguém. — Zazá?

— The Cure. — assim era ela: rápida, ríspida e de poucas palavras.

Felipe improvisou um acústico de “Just Like Heaven”, e cantou muito bem por sinal. Todos aqueles que estavam no bar levantaram-se de suas cadeiras e logo gerou uma pequena multidão ao redor de sua mesa; o gerente, preocupado com o alvoroço, convidou Felipe para tocar em um palquinho que improvisariam ali.

— Se eu fosse você, iria.— disse Flávia, enquanto não desgrudava os olhos do livro que estava lendo.

— Pois se fosse eu guardaria o talento para uma coisa que desse mais futuro. Ou cobraria bem caro. Você tem muito talento... — disse André.

— O Felipe agradece, André. Só que a decisão é dele. — retrucou René.

— Eu vou. — disse, sorrindo.

Felipe foi aplaudido de pé. Em seu repertório passaram grandes nomes da MPB e da new wave. No final, o gerente do bar lhe pagou uma boa quantia e o convidou para tocar ali mais vezes.

São Paulo, 5 de Janeiro de 2005.

Uns dizem que o ano só começa depois do carnaval, mas só para aqueles que desejam estender suas férias. A clínica cardiológica Torres Martinelli ficava a quatro ou cinco quarteirões do casarão da família de Fábio. Poderia ir a pé, porém ele parecia gostar de trânsito e congestionamento.

— Bom, vamos aproveitar o trânsito para conversarmos um pouco mais, não? — disse o tio.

— Claro, tio Fábio.

— Nunca pensei que alguém fosse me chamar de tio. — riu — Mas o que você fazia em Fortaleza... Quer dizer, se é que a megera da sua avó te deixava fazer alguma coisa. E desculpa se eu me excedi em relação à sua avó.

— Que nada... Ela é o filhote do satanás mesmo. Bom, eu namorava... Eu ia me casar.

— Sério? O que aconteceu com sua namorada?

— Ela morreu.

— Oh, eu lamento. Desculpe a pergunta, mas...

— Ela morreu atropelada. Morreu ela e o filho que ela estava esperando... — disse Felipe, um pouco choroso.

— E o motorista?

A motorista. Está presa. A motorista era a velha Glória, minha avó.

Fábio ficou sentido com os relatos de Felipe, desde a sua infância até os últimos dias de liberdade da avó. Chegaram à clínica, onde Felipe fez todos os exames. Um deles mostrou que realmente ele era portador da diabete, mas Fábio jurou que não deixaria que nada de mal acontecesse ao sobrinho, que o trataria como se fosse um de seus filhos.

— Você vai ter que medir seu nível de glicose no sangue todos os dias, mas quando estiver em jejum. — disse Fábio, entregando-lhe um objeto. — esse aparelho que mais parece uma caneta, na verdade serve para que você fure o seu dedo, a fim de sair uma gotinha de sangue.

Felipe estava atento, porém receoso de ter de furar o dedo todos os dias. Fábio continuou:

— Você vai colocar a gotinha de sangue em cima de uma dessas tirinhas de papel, e depois colocar nesta outra maquininha. Preste atenção no número que vai aparecer, é preferível que anote. Assim você vai poder acompanhar se o seu nível de glicose está abaixando. Compreendido?

—Sim tio.

Fábio encaminhou Felipe à nutricionista, uma senhora bem aparentada, já de cabelo branco. Felipe se pesou: 113 quilos. A nutricionista recomendou-lhe uma dieta que não passasse de poucas calorias por refeição. Nada de salgados, fritura, adoçante em vez de açúcar, e outras recomendações. E claro, a principal: exercícios físicos.

— Você pode acompanhar o René todos os dias na academia. Pronto para uma nova vida, Felipe?

Nota do Diário

Ler escutando: The Cure - Just Like Heaven

São Paulo, 5 de Janeiro de 2005.

“Antes de qualquer coisa, pela primeira vez eu agradeço a Deus por algo na minha vida. Sempre dizem que Ele escreve certo por linhas tortas. Eu sempre tive certeza que as linhas tortas existiam, mas o ‘certo’ da questão eu nunca percebi. Até hoje. Meus tios são ricos, têm uma condição boa, e me receberam de braços abertos na casa deles sem nem ao menos me conhecer. E se eu fosse um tarado, um maníaco sexual? Em todo caso, eu já amo os Torres Martinelli.”

Felipe e Fábio voltaram da clínica no começo da tarde. Na sala, estavam Marta e sua filha Anne fazendo tricô.

— Essas duas não se desgrudam. — disse Fábio.

— Isso sim se pode dizer que são mãe e filha. É difícil um filho respeitar os pais hoje em dia como o René e a Anne lhes respeitam. Eu admiro muito meus primos por isso. — desabafou Felipe.

— Você acha, Felipe? — Anne olhou bem nos olhos do primo — escuta, você gosta de ler?

— Claro que sim, Anne!

— Vem aqui, quero te mostrar uma coisa.

Anne pôs as agulhas e o novelo em cima do sofá e correu até o quarto. Felipe pediu licença e a seguiu.

Anne estava no PC enquanto Felipe a observava da porta do quarto. Ela pediu para que ele entrasse. Atendendo ao pedido, aproximou-se e sentou-se na cama.

— Eu queria sua opinião. Eu to escrevendo uma fanfic (alguns chamam de web novela)...

— O que é isso?

— Não conhece, Felipe? É como se fosse uma novela, a gente escreve, posta em sites. Uns por hobby, outros por reconhecimento. Pra mim, só por hobby mesmo, mas eu queria a opinião de alguém que goste de leitura.

— Falou com a pessoa certa, Anne.

— Então pega aquela cadeira ali — apontou — e coloca aqui do meu lado. Quero que você leia um capítulo.

Anne não escrevia muito bem. Até ela mesma sabia disso. Felipe leu atentamente assim mesmo, e teve de fingir alguma boa reação.

— E então, Felipe... O que achou?

— Bom...

— Claro que não é! — ela riu — eu sei que eu não levo jeito pra coisa. — pousou a mão no mouse e fuçou um pouco aquele site.

Felipe viu que a prima tinha uma estante cheia de bons livros no quarto.

— Pode pegar quantos quiser e quando quiser ouviu Felipe? Tenho certeza que você será um bom companheiro de leitura. Ninguém aqui se interessa por livros...

Felipe tirou “O Primo Basílio” da estante. Anne disse que fora uma boa escolha, depois o chamou até o PC para que lesse uma web que acabara de ser postada por um outro usuário do site.

—“Entre linhas tortas”... Um bom título. — disse ele. — Lê pra mim o primeiro capítulo?

Ler escutando: Marjorie Estiano – Você Sempre Será.

Anne leu o primeiro capítulo da web novela. Felipe escutou atentamente e a voz daquela garota fazia com que ele arrepiasse seus pelos. Simples assim. Sim, ele entendeu a história, e achava que só poderia ser sacanagem do autor, que tinha como assinatura as iniciais do seu nome: L.G.

“Entre Linhas Tortas” contava a história de um amor impossível: Um garoto que se apaixonava pela prima! Logo no primeiro capítulo, leram a história da infância dos dois: eles eram muito próximos, tão próximos a ponto de darem o seu primeiro beijo debaixo de uma jabuticabeira ambos aos dez anos de idade; logo depois dessa descoberta para o amor, a protagonista é afastada do primo numa cena muito dramática a qual finaliza o primeiro capítulo.

— Genial e polêmica a história. — disse Felipe. — Quando será que ele posta mais?

— Talvez amanhã. Vendo aqui no perfil do autor, o “L.G.”é daqui de Interlagos. Será que eu conheço?

Naquela mesma noite, Felipe rezou. Rezou para que todos os seres celestiais perdoassem-no pelo pecado que cometera por pensamento, em especial, pedira perdão para Joana Lee, pois acreditava que ela olhava todos os seus passos da onde estava. Pegou a foto da falecida noiva, que guardava sempre dentro da carteira por detrás da identidade. Retirou do seu esconderijo e a focou. Olhou fixamente para aquela foto já desgastada com o tempo. Joana parecia estar sorrindo, mas Felipe sabia que no céu ela poderia não estar; não obstante ele sabia que ela queria sua felicidade. Lembrou-se do sonho que tivera, onde ela suplicava para que ele nunca a deixasse ir. Ir para onde? Será que para longe do seu coração?

São Paulo, 6 de Janeiro de 2005.

Anne amava a família, principalmente a mãe. Foi um choque para ela ver que Felipe estava tomando o tempo de sua mãe Marta, cozinhando junto com ela. Anne nunca se interessou pela cozinha, tampouco teve coragem de perguntar se a mãe precisava de ajuda.

Felipe e Marta pareciam mãe e filho: enquanto ela batia a massa do bolo, ele transformava as claras dos ovos em neve. Anne sentiu-se tentada em demonstrar que a mãe era dela. De supetão, deu um abraço em Marta, encarando Felipe.

— Oi minha filha. — disse Marta. — que surpresa!

— Só queria demonstrar que te amo. — sorriu para a mãe e depois encarou Felipe mais uma vez. — Com licença.

E saiu sem cumprimentar o primo.


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Notas finais do capítulo

Será que a Anne ficou com ciúmes do Felipe com a mãe?



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