Submissão escrita por Gabriel Campos


Capítulo 10
Triturar




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Nota do Diário

Ler escutando: Barão Vermelho – Down em mim.

Fortaleza, 19 de Novembro de 2004.

“Então realmente os bons morrem jovens! Meu pai morreu em um acidente de carro no começo deste ano, disse meu tio Fábio ao atender o telefone. Eles dois eram irmãos muito confidentes. Contei sobre minha mãe e minha avó que mais parecia uma feitora nos tempos da escravidão e ele percebeu que eu estava mesmo falando a verdade. Acabei desabafando sobre minha doença, e que eu estava quase abandonado no meio do mundo devido à prisão da velha Glória (antes eu já estava abandonado), e ele me disse que se eu arrumasse um jeito de ir até São Paulo, ele me receberia de braços abertos em sua casa,junto com sua esposa e seus dois filhos (minha tia e meus primos). Eu estava pensando em ir, mas para ficar com o meu pai. Não quero que o meu tio Fábio se sinta na obrigação, porém eu não quero mais dar trabalho para a família do Renato, que é tão carinhosa e acolhedora. É, diário... Tá decidido: São Paulo, aí vou eu!”

São Paulo, 26 de Novembro de 2004.

Último dia das provas finais no colégio onde James estudava. Ele não sabia de nada em Química, e tampouco Luiz Gustavo.

— Eu sei onde eles guardam os gabaritos. — cochichou Luiz.

— Que afirmação idiota! Na diretoria, ora.

— Porque você não me ajuda a pegar?

— Por que eu não quero levar suspensão.

— Deixa de história idiota. É a nossa última chance. A professora é carrasca e eu não quero ficar na recuperação da matéria dela. — aproximou-se e sussurrou: — ou serei obrigado a jogá-la da escada também.

— Vambora. Eu vigio e você pega. — impôs James.

Luiz facilmente conseguiu entrar na diretoria e pegar o gabarito da última prova fazendo uma cópia em seu caderno.

— Conseguiu pegar o gabarito, Luiz?

— Não, eu não consegui. — mentiu — Acho que a gente vai se ferrar.

James não conseguiu se concentrar na hora da prova, e percebeu que seu colega Luiz pescava de um pedaço de papel. Marcou todas as questões chutando sem nem ao menos lê-las. Depois da prova, James tentou tirar satisfações:

— Você não disse que não conseguiu o gabarito?

— Ops, menti! — disse Luiz, em um tom sarcástico — O mundo é dos espertos, meu caro James.

James acertou um soco no rosto de Luiz Gustavo, que caiu no chão. Luiz apenas pôs a mão no lado do rosto que doía, sorriu e disse:

— Vai ter volta.

Felipe e Renato conferiam na internet o resultado do exame que fizeram. . Eram os últimos momentos de Felipe naquela casa antes de ir para São Paulo.

— E aí, quantos pontos eu fiz?

— Te prepara, cara, que a faculdade de gastronomia é sua! E vem aí, Felipe Torres, futuro chef de cozinha!

— Sério Renato? Não ta zoando?

— Porque eu mentiria?

Ler escutando: Avril Lavigne – Nobody’s Home.

Fortaleza, 5 de Dezembro de 2004.

A festa de formatura do ensino médio dos garotos seria em um Buffet de Fortaleza, no bairro da Maraponga. Cada um tinha seu par para dançar a valsa, menos Felipe, que preferiu ficar sentado olhando os colegas de classe se divertir. Observou Renato estourando um champanhe e jogando a espuma que saía da garrafa em cima dos outros formandos, que esbanjavam felicidade.

— Eu não vejo motivo pra comemorar. Talvez meus sonhos estejam dando certo de uma maneira torta, talvez não... — falou sozinho.

Fortaleza, 31 de Dezembro de 2004.

No dia seguinte, pegaria o primeiro ônibus da rodoviária que fosse pra São Paulo. A passagem estava comprada. Ano novo, vida nova. Agora via motivo pra comemorar: dos dezoito anos de sua vida, aquele fora o pior. Descobriu que tinha uma doença, descobriu que sua namorada esperava um filho seu, porém perdeu os dois de uma vez; tentou se matar, pois nunca fora tão humilhado pela avó; teve de morar de favor, e descobriu que o seu pai, assim como sua mãe, havia morrido.

Ouviu o barulho dos fogos. Meia noite. 2005 entrando em suas vidas. Pegou uma garrafa de sidra e bebeu, no gargalo mesmo. Olhou para o céu e ficou maravilhado com a arte das luzes dos fogos de artifício. Parecia sobrecomum, mas era só mais uma passagem de ano. Não desejou que aquele ano fosse melhor, pois achava que nenhum ano de sua vida seria pior do que 2004. Não precisava rezar, Deus já sabia de suas preces, assim como seu diário. Só desejou sorte a si mesmo para a nova vida.

Nota do Diário

São Paulo, 3 de Janeiro de 2005.

“Foram dois cansativos dias de viagem. Pegamos um baita engarrafamento devido às pessoas estarem voltando para as suas casas por causa do Réveillon. Mas eu cheguei. Saí da casa do Renato muito triste, pois me senti me separando de uma verdadeira família. Só carregava meu violão nas costas e uma mochila numa só alça onde havia algumas roupas e alguns pertences incluindo você, diário.

Saltei para fora do ônibus. Os fones do meu velho walkman de pilha estavam nos meus ouvidos, e na rádio tocava um ritmo da new wave. Acho que era no Jurassic Pan, não sei. Meu tio Fábio disse-me que eu pegasse um táxi e entregasse o seu endereço ao taxista, pois ele me levaria ao lugar certo.

A casa é grande, enorme. Fica um pouco longe da rodoviária, no bairro de Interlagos. Achei longe porque o preço do taxímetro foi bem salgado. Mas o mordomo foi quem pagou. Eu até quis rachar a conta, mas ele, em seu tom aristocrático se impôs: “Deixe. É tudo por conta do Dr. Fábio”. Bom, ótimo. Só não queria ficar relaxado. Eu procuraria um emprego naquele bairro mesmo, nem que fosse de entregador de água.

— Você é a cara do seu pai quando era jovem! — disse meu tio emocionado, me dando um abraço em seguida.

Ler escutando: CPM22 – Não sei viver sem ter você.

Marta e Fábio Torres receberam o sobrinho de braços abertos. René, filho deles, estava se exibindo na frente do espelho, vendo se o seu muque havia crescido, mas estava se achando magro demais; ouviu o chamado da mãe, pedindo que ele fosse até a sala. Vestiu a camisa de mangas compridas e foi até lá.

— René, este é seu primo Felipe. Ele veio de Fortaleza passar uns tempos com a gente. — disse Fábio.

— E aí cara! — René cumprimentou Felipe, que apertou sua mão.

— Espero que você e sua irmã tratem-no muito bem. — recomendou Marta. — Falando nisso, onde está a Anne? Já era para ela ter chegado do balé.

— Acho que o motorista atrasou. Vem, Felipe, vou mostrar teu quarto.

— Pelo menos eu vou ter uma companhia nesse quarto aqui. Não sei pra quê um quarto tão grande. Olha, você tem um violão! O que é que você gosta de tocar?

— René, cara, eu gosto de tocar clássicos.

— Vou te apresentar pra minha galera. Ninguém, ninguém mesmo sabe tocar violão. Cara, tu tem que conhecer a Zazá... o nome dela é Isabel, mas a gente chama de Zazá. É a mina que eu gosto. Ela é meio esquisita, depois te apresento ela. — disse, ligando o computador.

René Torres tinha dezoito anos, assim como Felipe. Era um rapaz simples, magro, alto e adorava ir para a academia. Seu sonho era ter músculos avantajados, e por isso nunca ficava satisfeitos com os resultados.

Ouviram duas batidinhas na porta. Felipe já dedilhava alguma coisa no violão.

— Pode entrar. — disse René.

A imagem que Felipe viu foi de uma linda jovem, tinha por volta de dezesseis anos. Loiras, cabelos encaracolados e trajava uma roupa justa em seu lindo corpo de bailarina.

— Mamãe disse que eu viesse aqui cumprimentar o nosso primo. — sorriu simpaticamente — Oi Felipe. Meu nome é Anne.

— Prazer.

Os olhos daquele rapaz viúvo brilharam para Anne do mesmo jeito que brilhavam quando Joana Lee era viva. O sorriso da prima, o jeito que ela se portava, a simpatia, tudo lembrava sua falecida noiva. Sim, elas eram totalmente diferentes na aparência, mas algo, algo em Anne fazia Felipe lembrar-se de Joana. Apaixonado pela prima? Não... Ele não queria se apaixonar de novo. Ele não poderia se apaixonar de novo, e muito menos pela própria prima.

"Chegou a hora de recomeçar
Ter cada coisa em seu lugar
Tentar viver sem recordar jamais
E se a saudade me deixar falhar
Deixar o tempo tentar te apagar"


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