– O quê? – Minha voz mal saiu, estava sendo meio difícil assimilar aquilo tudo.

Linda olhava de um lado para o outro, como um animal encurralado e ignorando o que eu falei. Em seguida, para meu total espanto ela retirou o lenço do pescoço, pensei que não era hora para brincar com novos acessórios, mas não falei nada.

– Minha mãe me deu dois presentes, tenho treinado com eles o máximo possível, então acho bom se preparar! – Ela falou, não sei se para mim ou se para as duas mulheres, deduzi que fosse para todas nós. Seus olhos azuis se moviam tão rápido de um lado para o outro que passei a imitar seu movimento. – A propósito, sempre desconfiei de você, senhora Connoly.

Nossa professora rosnou, presas afiadas apareceram por entre seus lábios, olhei para suas pernas e percebi que eram desiguais. Uma delas parecia humana, mas era de um tom estranho de bronze e a outra era uma perna de burro.

– Você sempre foi fraca semideusa! Também, imagino que ter Afrodite como mãe não torna alguém forte ou importante! – Retorquiu a senhora Connoly e vi que Linda fez uma careta.

– Essssperamossss pacientemente por todo esssse período letivo. – Falou de um jeito estranho a senhora Martin do outro lado do corredor, quando a olhei novamente quase tive um troço, pois onde deveriam estar suas pernas havia o que pareciam ser duas cobras verdes grossas e longas, ela passou a língua por entre os lábios. – Massss o cheiro de vocêssss ficou tão apetitoso! Impossssível resisssstir.

Soltei um gemido alto e as três olharam para mim.

– O que foi?! – Gritei ficando histérica e irritada com o olhar que elas dirigiam a mim. – Não estou acostumada com isso!

– Ah! Uma semideusa que acabou de descobrir sua herança, você dará um aperitivo pouco saboroso, porém comida é comida! – Continuou a senhora Connoly olhando para mim.

– Não comigo aqui! Nat é nova nisso, mas eu não! – Linda falou corajosamente e tocou no pingente de pombo que sempre levava consigo.

Por um momento nada aconteceu, então de repente suas roupas se transformaram em uma armadura de batalha completa e na mão que ela segurava o lenço agora havia uma espada pequena de fio duplo, mais para adaga que para espada, mesmo assim tinha uma aparência malvada.

As duas mulheres monstras rosnaram ao ver a arma na mão de minha amiga e atacaram, aconteceu tão rápido que eu não faço a menor ideia de como me lembro de cada detalhe. A professora Connoly atacou Linda no mesmo momento que a senhora Martin me atacou.

Por puro instinto girei meu corpo para que ela passasse direto, mas a coisa que a senhora Martin era naquele momento era esperta, parecia esperar que eu fizesse aquilo e me segurou pelo pescoço no momento que meu corpo voltava para o lugar.

Preciso de uma arma! Pensei aleatoriamente enquanto a senhora Martin começava a me sufocar.

Então uma voz masculina sussurrou em minha mente uma palavra estranha: ‘Sá-hei’

No recanto mais profundo de meus pensamentos, entendi que a palavra significava: ‘derrube’. Sim! Pensei desesperadamente e estendi minha mão na direção da senhora Martin.

– Sá-hei! – Falei o mais alto que podia com a mão dela apertando meu pescoço.

Um símbolo dourado estranho surgiu no ar e quando atingiu a zeladora da escola ela foi atirada para longe de mim com um estrondo. Caí no chão e tossi enquanto tentava encontrar um caminho para o ar entrar em meus pulmões, minha cabeça girava.

Quando voltei mais ou menos ao normal olhei ao redor e vi Linda lutando com a coisa estranha que a nossa professora havia se tornado. Não sei explicar direito, mas minha amiga parecia estar indo bem.

Olhei para minhas mãos, completamente chocada, depois para a senhora Martin, que começava a se levantar com pequenas fagulhas azuis brotando em partes estranhas de seu corpo.

Corri para perto de Linda, que se distraiu com o som dos meus passos e acabou sendo atingida pela senhora Connoly apesar da armadura que usava e caiu no chão, desmaiada, a espada/adaga voltou a virar um lenço e caiu no corredor, na metade do caminho entre mim e a professora demoníaca.

Eu não faço a menor ideia do motivo para as minhas ações seguintes, mas no instante que eu vi o que ia acontecer corri e peguei o lenço antes da senhora Connoly.

– Ótimo e agora que você tem o lenço, vai fazer o que? – Minha antiga professora falou, se aproximando de mim lentamente.

Trinquei os dentes e com o canto do olho percebi que a senhora Martin já estava de pé e se aproximava de mim também.

– Cuidado Leucéia, a garota é uma União Rara! – Gritou a senhora Martin para a outra mulher.

– Pode ser, mas ainda é inexperiente, não se preocupe Sibilante.

Preciso de ajuda. Pensei desesperada e no mesmo instante o lenço se transformou em minha mão, não na arma que Linda havia usado, mas em um arco de madeira, sem corda e sem flechas.

– Ah que maravilha! – Reclamei.

Quando as duas avançaram para mim fiz o mais óbvio que se pode esperar quando se está com um arco na mão. Instintivamente coloquei minha mão onde deveria estar a corda e senti uma leve pressão em meus dedos, mirei onde deveria estar o coração da senhora Connoly e disparei a flecha invisível.

Instantes depois ela explodiu em uma poeira amarelada, não tive muito tempo para pensar sobre isso porque nessa hora meu corpo foi lançado para frente com uma força incrível.

– Essssqueceu-se de mim, criança?

– Não senhora, apenas a senhora Connoly já estava ficando irritante. – Respondi pondo-me de pé e pegando novamente o lenço que saiu da minha mão quando caí.

A senhora Martin sibilou a uns cinco metros de mim, sua boca espumou como a de um cão raivoso (muito atraente, eu sei), respirei fundo e tentei convocar o arco novamente, mas dessa vez o lenço me deu uma adaga, isso já estava ficando irritante.

– Nat! – Era a voz de Linda vinda de minhas costas, internamente soltei um suspiro de alívio por ela estar viva, mas eu não podia me virar para olhá-la. – Atire!

Meus músculos ficaram tensos com o tom de comando que ela usou, Linda tinha razão, a nossa melhor chance era que eu atirasse a adaga na senhora Martin. Novamente por instinto preparei meus sentidos para quando ela desse a próxima ordem.

– Já! – Ela gritou e eu atirei.

Foi incrível ver a adaga voando em câmera lenta até se alojar na testa do monstro, que assim que eu tivesse oportunidade iria perguntar para Linda o nome.

– Isssso é sssó o começo, União Rara! – Disse a senhora Martin antes de explodir do mesmo jeito que a senhora Connoly.

Foi então que eu vi, vários pares de olhos me encaravam do outro lado do corredor com ar chocado. Havia uma mulher na frente que eu conhecia muito bem.

– Diretora... Eu...

– Nat. Precisamos ir. – Linda falou e sua voz tremeu, quando olhei para ela percebi que segurava uma das mãos, mas seus olhos estavam voltados para a enorme plateia que nós tínhamos. – Depois eu explico isso para você, mas não podemos ficar aqui!

Assenti com a cabeça, então lembrei de um detalhe:

– Mas e o seu lenço?

– Está aqui. – Falou e retirou o lenço lilás de dentro do bolso da calça, foi aí que notei que as roupas dela haviam voltado ao normal. – Adicione isso à lista de coisas que tenho que contar para você. Agora vamos!

Disse e saiu correndo pelo corredor, olhei para trás e sem ter muita opção disponível, eu a segui. Logo os burburinhos começaram, mas já estávamos fora da escola. Não sei o motivo, mas algo me dizia que a minha vida nunca mais seria a mesma.